quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Réquiem de mim...

Tento acordar na esperança de compreender, enfim, a experimentação da impermanência, confiando que, após um sinistro túnel escuro, em algum lugar exista um sinal, ínfimo, que pacifique minha alma e a conforte em meios a tantos atropelos.

Dia após dia, porém, durmo e feneço, acordando num mundo que, para mim, extrapola o real, para se transformar num sonho lúcido. Não sei quando sonho, quando acordo: tudo é confuso dentro de mim, pois a luz, aquela mesma que outrora tanto iluminou, hoje se exaure, um pouco, trazendo a inconstância entre luz e sombra...

Meu coração chora, meu corpo cansa e meu espírito parece sucumbir em meio a um vendaval de incertezas, que se somam, uma a uma, à dubiedade do que é o próprio viver.

Mergulhada em profundos lampejos do que, antes se fazia pranto, nem bem certeza tenho se o que verto, agora, são lágrimas, pois a caudalosa represa efuziante cedeu espaço à escassez de mim. Seca, estéril e desalentada em meus anseios, quedo-me findando, pouco a pouco, no que temo ser meu ego insistente, ou, ainda - já nem, bem sei - minha alma que se desfaz em fragmentos que não se rejuntam.

Na incerteza dentro da incerteza perfaz-se a certeza da dor, pois a chaga insiste em não fechar. Eis a contramão da impermanência, contida num pequeno pedaço de ferida contundente que, mesmo aparentemente se fechando dentro desse forte músculo chamado coração, lacera-se, em muitos momentos, tentando tomar fôlego para continuar uma jornada que ninguém me ensinou a percorrer.

Celebro meus ritos, entoo cânticos, evoco deidades. Só o que sei é que na solidão de mim encontro a resposta para tanto infortúnio...ao final, quem sabe, o abraço amigo de Hécate realmente se faz na temperança da solidão. Talvez tudo realmente seja uma contingência de felizes combinações feitas em outras esferas, outros mundos. Não sei. Há tempos que o frio estagnou minha lucidez e estancou o campo fértil de minha felicidade mais profunda.

O que alenta, afinal, é a entrega, o compasso do desapego de mim mesma, para que, compadecidas de mim, minhas ancestrais decidam o destino que não tenho coragem de encarar de frente. Nobres e sábias ancestrais! Já assistiram a tanto! Quem sabe, de tanto serem espectadoras podem, agora, fiar a roca de minha fortuna. Eu já não quero mais rocar...

Pedi ao ar que levasse embora o que não era real... Sussurrei ao fogo que transmutasse o ilusório. À terra pedi apenas que fixasse o que era verdadeiro. E à água que assim purificasse o pleno. Mas, no silêncio, apenas o silêncio. Onde estão os nobres elementos? Talvez em mim! E eu, impaciente, buscando as respostas em tantos lugares que não em meu coração.

Eis o mistério da dualidade em que chafurdo...estar lá e cá. Vivenciar os segredos da ludicidade que me eleva e me faz alcançar o mundo com meu voo rasgante e profundo...ao mesmo tempo em que, trazendo-me para a mesmice existencial da carne que me assola em intempéries, retira de mim a vontade de me lançar. Quero estar lá, mas estou cá. Quando estou cá, minha alma sofre por não me elevar de mim.

Enquanto isso, o silêncio...apenas o grande lago silencioso em que se exaure o grito sufocado do meu espírito andarilho...

Fàilte, 2011!

2010 acabou, selando os ciclos que se baseiam, ainda, na logística do calendário romano forjado à guisa de tanto condicionamento da Natureza. Não importa, o mundo, enfim, é muito mais do que as achatadas páginas de um mero numerário: é a celebração da Lua, do Sol, dos astros, da fauna, do ar, da terra, do fogo, do ar e do espírito!

Mas, mesmo que as lunações sigam ciclos diferentes do que a definição racional possa ousar supor demarcar, o momento, ainda assim, é de finalização de metas, cumprimento de finalidades e esboço de novos dias... Afinal, para o novo entrar, o que é antigo precisa ir embora...

Mesmo que meu ano novo comece apenas em maio, em Samhain, venho desejar a tod@s um maravilhoso final de giro da roda, vibrando por novas hordas de realizações para todas as pessoas que me são mais preciosas e caras.

Gostaria de agradecer imensamente a simples presença de tod@s em minha trajetória, compondo a feliz estrada do que, junt@s, realizamos até aqui.

Basta olhar para trás, por efêmeros segundos, para que possamos perceber a grande conexão existente entre cada um(a) de nós, que, de alguma peculiar maneira, dentro do meu coração, compõe a horda de nobres guerreiros e guerreiras de amorosidade ímpar, rumando, em consonância de alma, para os largos braços do Infinito. Um beijo no coração de cada um(a) de vocês, amad@s imortais!

O que desejo para tod@s? Ah, muito pouco...

Aliás, não desejo nada do que usualmente se deseja...

Não desejo dinheiro, pois ele nunca trouxe felicidade ao mundo nem colaborou para ela de maneira unívoca. Não é o dinheiro que move o mundo, é o amor, pois Dele e com ele o dinheiro, enfim, pode adquirir um sentido muito além da quimera de preenchimento dos vazios existenciais que assolam nossas almas...

Desejo, apenas, que extraiam com sabedoria, cada qual, seu maná, confiando sua sina a Quem provê, porque, na mágica do Universo (Shiva, Deus, Javeh, Deusa, Todo), a fé mantém acesos todos os canais com o sagrado, alimentando a alma com o que realmente é importante...

Desejo que compartilhem um pouco dele com quem não tem, sem a ingenuidade em discutir se moral ou religiosamente isso é bom ou mal... Transponham-se para o lugar de vida do outro pois, assim, poderão saber do acerto ou desacerto da verdadeira caritas.

Não desejo saúde porque ela, também, é resultado do amor. Uma alma que ama envia para cada célula a linguagem universal da felicidade. Um corpo em que habita um espírito preenchido disso não está fadado a perecer tão cedo em face das disfunções orgânicas.

Não desejo a sabedoria livresca a ninguém. Os livros trazem relatos, mas a vida pulsa no que realizamos, e não naquilo que lemos de um papel...Na verdade, acho que desejaria que lessem menos, para dar tempo de, enfim, amar mais...

Mas, se não desejo nada disso, o que, então, restaria para desejar a tod@s?

Desejo apenas que, em 2011 amemos mais, vibrando no descomprometido sentimento que traz o silêncio para dentro do peito e, com ele, a sensação de completude e paz internas inalcançáveis para a limitada razão que nos empacota todos os dias.

Desejo que amem e se entreguem, em cada dia, a cada dia, como se fosse o último dia de suas vidas, pois, de fato, na espiral do tempo que não se repete, a instantaneidade traz a lembrança do fenecimento, fazendo com que o que tenha passado em nossas vidas nada mais seja do que doce lembrança do que não mais se repetirá...

Desejo que vivam intensamente o amor que sentem, como se, em cada final do dia ele perecesse, despontando, no alvorecer, sempre renovado e seguro, de modo a extrair da existência um eterno fruto de sabedoria, ora doce, ora amargo, ora frio, ora distante. Não importa, porque é amor....

Desejo que amem o anônimo, por instantes, e, com isso, prolonguem suas existências na manutenção do invisível liame energético que alimenta o amor e com ele se confunde, pois, assim, elongam-se tempo, espaço e momento, como o propósito lúdico de contemplar a própria vida e deixar as horas escorrerem ao sopro da brisa e do vento.

Desejo que compreendam, no amor, as chegadas, e que possam sorrir, grat@s, diante das partidas, como se fossem, quem sabe, eternas, vindas, idas e vidas.

Ai, enfim, desejo que explodam no amor, como se haurissem o último veio de ar, sentindo, como se nada mais pudessem falar, ainda que sofram, eventual e silenciosamente, por conta dos atropelos que o medo impele às boas almas.

Desejo que, no amor, regressem às cinzas, saindo, a todo tempo, do etéreo, renovad@s, compondo, cada um(a), o eterno ritmo do vida-morte-vida. Desejo que olhem para trás o suficiente para vislumbrar o futuro incerto e de devenir inconstante, a bater, indócil, em cada renascimento.

Desejo, com isso, que possam apenas viver, sem muito conjecturar, pois a contemplação da abóboda celeste é mais plena quando nos calamos para os "e se" e "quando" que insistimos, com profundo e falso sentido de onisciência, em lançar na estrada da evitabilidade em nossas sinas.

Sim, desejo que vivam, um pouco, o mistério do que não controlam, pois, a vida, em si, escapa, o tempo inteiro, de nosso crivo.

Amor, amor, amor...com isso, penso, tudo vem plasmado no universo do que se apresenta com real...

Feliz 2011!


Sláinte!

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Perto do coração selvagem...

“(...) Eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! O que eu disser soará fatal e inteiro.

Não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões, não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante; sempre fundido, porque então viverei, só então serei maior que na infância, serei brutal e mal feita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei em ondas.
Ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a compreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá o meu caminho até a morte sem medo de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo"
CLARICE LISPECTOR

Eternity...

"All men die. All women, too. Our lives are over in a moment, like a bird that flies out of the darkness into a bright hall full of light and noise and merriment, then out again into the darkness of eternity. But in that moment, we can do great things. We can make ourselves remembered forever. And by all the gods, we will!"
THE WARRIOR QUEEN

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A comunicação silenciosa

O céu se apronta para verter as lágrimas de um ano inteiro de muita intensidade, confundindo-se nas gotas cálidas a interface das alegrias e tormentas presentes na oscilação do que é o viver.

Olho para o céu, agora cinza, lembrando-me de quando acordei, ainda hoje, sob o império do azul e do dourado, que resplandeciam na abóbada, sem que sequer eu pudesse prever que, dali adiante, haveria chuva.

Mas sob o olhar profundo da alma que se conecta, é possível saber mais da chuva vindoura.

É fácil comunicar-se com a Natureza, ainda que uma só palavra nem seja proferida: basta abrir o coração para deixar aquele magistral "fluxo" de energia cósmica entrar e invadir nosso corpo, dando a sensação de não existirem membranas a nos separar do Todo.

Essa é a linguagem serena da silenciosa Natureza, aquela na qual sabemos uns dos outros apenas porque nos permitimos a abertura e o despojamento de alma e coração, adotando, assim, um "código" comum e magicamente secreto de compreensão universal, a mais pura representação do Amor.

"O que está em cima está embaixo" - já dizia Hermes Trismegisto na sabedoria hermética da representação dos mundos físico e etéreo. O que se revela nos abscônditos nichos seculares concretiza-se no mais singelo elo entre as energias no mundo. Assim é com a Natureza, assim é com o humano.

Muitas vezes falamos bastante sobre o tempo, o céu, as estrelas, os filmes, as comidas, o futebol, mas, diante de tanto, esquecemos de falar de e sobre nós. Esquecemos providencialmente de compartilhar nossos medos, desejos, planos, porque o "providencial" esquecimento nada mais é do que a amnésia que a psique utiliza para fugir de si, bem como dos outros.

O que seria um mundo de ação comunicativa, de trocas e interações, em nível mais sutil e profundo (naquele em que é a alma quem deseja se conectar), a palavra de ordem é silêncio.

E, de tanto silenciar, formamos abismos e mais abismos, afastando-nos uns dos outros, quase sempre com a desculpa de termos "nossos processos".

Temos processos, o mundo segue processos.

A Natureza segue processos, uma abelha operária segue processos. Nem por isso o mundo pára, nem por isso se congela o viver, muito menos nem é por isso que - em nome disso - simplesmente se opta por ignorar.

Somos maravilhosas almas que ignoram a si e, na solidão de si, não se reconhecem mais no outro.

Com isso, findam-se eras...

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Ah, Deusa!

Ao final, muito vale a pena porque mesmo diante dos atropelos de uma alma que se desconhece e, na ignorância, incompreende a amorosidade, recuso-me a deixar de acreditar, um só instante, que reunimos toda latência do AMOR.

Todas as palavras que não foram ditas, todos os compromissos (feitos para si) que se lançaram e esvaíram em pleno ar. Tudo vale a pena, porque, mesmo diante do que se acha ser malefício (tolos os que acham que estão machucando outra pessoa que não a si mesmos), a alma de boa-fé encontra alento para os percalços, esboçando sorrisos e se fazendo, cada vez mais, mais FORTE e paradoxalmente MAIS SENSÍVEL.

Mesmo diante de um ego que precisa ferir o outro para sentir-se vivo, prosseguir amando a vida, em si, é o trunfo de quem ama. Ponto. Não se torna mais necessário outro destinatário que não a vida, com seu mar de possibilidades, todas elas coincidindo para nosso caminho de cumprimento de sina... Ao final, penso, valerá a pena apenas porque cumprimos, com DIGNIDADE e HONRA nosso translúcido caminho de glórias, enquanto tantas outras pessoas chafurdam, perdidas, na lama de suas incongruências...

Para aquelas que acham que se extrai o sangue e a vitalidade de um ser que caminha na LUZ, fico com Clarice, dedicando-a a todos os queridos e amados doces inimigos ocultos:

"Não, não, nenhum Deus, eu quero estar só. E um dia virá, sim, um dia virá em mim a capacidade tão vermelha e afirmativa quanto clara e suave, um dia o que eu fizer será cegamente, seguramente, inconscientemente, pisando em mim, na minha verdade, tão integralmente lançada no que fizer que serei incapaz de falar, sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento.

Eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! O que eu disser soará fatal e inteiro.

Não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões, não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante; sempre fundido, porque então viverei, só então serei maior que na infância, serei brutal e mal feita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei em ondas.

Ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a compreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá o meu caminho até a morte sem medo de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo
"

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O movimento do Universo e o caminho da Deusa que correr com lobos...

Ontem conversava com uma amiga muito próxima a respeito da movimentação atual de fechamento de ciclos em minha vida nesse Solstício auspicioso.

Falávamos sobre meus percalços em relação às escolhas que fiz ultimamente e cujos desenlaces impactaram-me bastante em virtude da minha boa-fé objetiva - pode-se assim dizer - em relação ao Outro, confiando no império da verdade e transparência - como nos tempos de batalhas - e insistindo, talvez, em lutar combates de frente quando, a bem da verdade, o que se mostra como oponente, além de se travestir de aliado, ainda espera a virada de costas para realizar a batalha desonrosa e eivada de indignidade.

Isso porque, tenho achado e experienciado - dentro do meu lugar de fala - relações que se assentam tendo como pano de fundo a assimetria entre os envolvidos, numa discrepância que reproduz, como usualmente vimos no campo de relações entre gêneros, a iniquidade do que o patriarcado sempre produziu em termos de desatino histórico, político, social e cultural em face da mulher, baseado, como não poderia deixar de ser, num desatino ainda maior, por envolver o nicho privado da relação íntima, o eixo primordial em que a fragilização pode ser empreendida.

Acho de uma ingenuidade falar em igualdade nas relações entre homens e mulheres quando ainda cintila a fagulha inconsciente da submissão, que se articula sob o manto de neutralidade axiológica.

O primeiro caminho possível passa pela redefinição do relacionamento, a partir da explicitação honesta do que ambos estão dispostos a fazer, bem como do que se efetivamente está fazendo, considerando as interações travadas em nível simbólico, quase sempre dimensionadas na manipulação, na mentira e na omissão, por parte dos "nobres" cavaleiros (nada têm de nobres, pois não travam bons combates, aqueles que mencionei antes, olho no olho) que surgem em nossos caminhos, saídos dos Pilares da Terra, mas que, a bem da verdade, poderiam protagonizar outro filme, chamado Chafurdados da Lama, tamanha a ignorância de si e de seus processos.

Daí, sim, terei esperança numa mudança vetorial em termos de relações: quando o masculino SE ASSUMIR despótico em relação a um jogo de valores que, segundo Gergen, define o que é o fato construído dentro de uma relação. No caso, o jogo a que me refiro diz respeito à insistência no modelo Eva-cuidadora-manipuladora, que acende o coração dos Lancelotes por aí que, na real, não aguentam a onda-Lilith, a mulher igual, emancipada e que, de maneira irônica, não iria fazer o joguinho, mas, antes, sacudiria e explicitaria a verdade para, construindo a dinâmica de mundo, repartir com os manés os louros de um mundo melhor.

Diante de toda essa especulação, minha amiga, querida, disse a certa altura: "é você que está mal situada, Alessandra, pois está andando com ovelhas, quando deveria andar com seus pares de clã" - prosseguindo - "você é um lobo e lobos andam com lobos, não com os carneiros". Passei a refletir bastante sobre isso, para perceber exata e pontualmente isso: talvez estivesse andando com uma ovelha completamente distante do meu clã originário e, com isso, andando fora da minha matilha, desarticulei-me de mim.

Ainda bem que existem uma proteção além de mim para, quando eu não der conta, tomar a decisão por mim...

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O pequeno dicionário "amoroso" das relações de violência de gênero: a dor do patriarcado...

Patriarcado? Dores do patriarcado? O que tem isso a ver com um blog dedicado ao Sagrado Feminino? Muito mais do que possamos supor, num mundo marcado por violências simbólicas - mas reais - do masculino em relação ao feminino.

Como resgatar o Sagrado é, ao mesmo tempo, desvendar a violência que cerca as relações entre os gêneros, as minhas dores de hoje são dedicadas a um serviço de utilidade pública, para que as mulheres empoderadas saibam desvendar uma situação de risco que nem sempre é facilmente observada, até mesmo diante da inteligência com que os misóginos pós-modernos estão dissimulando sua misoginia...

Sim, sei, "patriarcado" é uma palavra muito questionada em termos de pós-modernidade.

Afinal,o termo remete , em geral a um sentido fixo, uma estrutura fixa que mediatamente aponta para o exercício e presença da dominação masculina (ZANOTA, Lia, disponível em http://vsites.unb.br/ics/dan/Serie284empdf.pdf, acesso em 14 dez. 2010). Mas, num mundo em que se observa a mulher no "mercado de trabalho", bem como em diversos "nichos sociais", como, ainda, sustentar o termo "dominação"?

Ou, ainda, como dialogar com a conceitualização clássica weberiana, que vê no patriarcado : “a situação na qual, dentro de uma associação, na maioria das vezes fundamentalmente econômica e familiar, a dominação é exercida (normalmente) por uma só pessoa, de acordo com determinadas regras hereditárias fixas.” (Weber, 1964, t.1.p.184).

Qualquer que seja a significação, não importa.

O patriarcado agrega um sentido “ahistórico” porque não está limitado a um só momento histórico, isto é, porque pode e deve ser referido a qualquer momento histórico onde se encontre tal sentido de ação típico-ideal. Ao final, expressa um sistema ou uma forma de dominação que, ao ser (re)conhecido já (tudo) explica : a desigualdade de gêneros.

Caminhando com o patriarcado e o sustentando fenomenologicamente encontra-se o androcentrismo, que nada mais é do que a percepção de mundo a partir das experiências masculinas, que passam a ser consideradas como iguais as experiências de todos os humanos e tidas como uma norma universal tanto para homens quanto para mulheres.

Basta lembrar a medicina medieval, que nunca considerou a peculiaridade do corpo feminino e, como se isso não bastasse, ainda promoveu a devassa em face das "curandeiras", suas maiores competidoras naturais... Ou, ainda, os postulados de agressividade e competitividade até a mais última dimensão de ataque ao humano...

O androcentrismo toma como verdade a experiência e valoração masculina, sem dar o reconhecimento completo e igualitário à sabedoria e experiência feminina, bem como atribuindo-lhe o que se entende por desqualificação, que nada mais é do que a atribuição de predicativos que depreciam a mulher, diminuindo sua estima enquanto ser humano.

Mulher desqualificada é reificada, objetivada, ou seja, transformada, à imagem e semelhança, num espelho masculino que, ao menor sinal de discrepância, atrai a misoginia, ou seja, ódio, aversão, ira, raiva, desqualificação do feminino, por meio da subestima e da crença de inferioridade da mulher.

Falei tudo isso para apenas dizer o quanto, sem saber, o masculino se apodera do espaço e avilta a alma mais sensível de uma mulher, desconsiderando-a em sua dimensão mais profunda de potencialidade amorosa, para destruir, com raiva, o que é belo, justo, pleno e legítimo. Quase sempre, as armas usadas estão no plano da manipulação da verdade, da seletividade de informações, da mentira e da famosa "barriga", fazendo entender que a palavra da mulher, sua companheira, está errada, ou que "ela está louca".

Esse é o primeiro retrato da violência doméstica, fincada, entretanto, no seio doméstico e ainda sem tipificação penal. Ou seja, no ambiente mais arraigado - casa, entre paredes - pratica-se a forma mais aviltante de agressão, que é a psicológica, de difícil prova e demonstração. Apenas quem sofreu isso, tendo que lutar, dia após dia, contra as mentiras, os enredos fantasiosos, bem como a manipulação e o controle, sabe o que significam horas de lágrimas a correr pelo rosto.

E o qual patriarcado?

Nem aí, pois, como o mundo até então se processava a partir de seu pênis que decai a cada dia, esse assunto deslegitima e desempodera. Eles não desejam se desempoderar tão facilmente. Por isso que, de tempos em tempos, enviam agentes inteligentes, na esperança de coaptar as mulheres que se empoderam, para, com isso, aniquilar a libertação de todas...

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Bruxedo para banimento...

Ah, o que posso dizer? Estou inspirada em relação a compartilhar meus ritos sagrados. Esse é para trabalhar internamente a energia do desapego e do banimento de pessoas de nosso coração, por meio do corte da egrégora que nos vincula à determinada pessoa.

Trata-se de um bruxedo de fogo, aproveitando a capacidade transmutadora do elemento que, com sua chama e potencialidade destrutiva, dá fim às substâncias, lembrando-nos que residem nos fins os começos.

É um bruxedo de rima, porque a rima dá o "gatilho" ao subconsciente que, reconhecendo a egrégora ancestral presente no plano etéreo, motiva a formação de forma-pensamento e, com isso, agrega a energia para a transformação.

"Numa noite dedicada a Marte separe pimenta e muito louro
Consagre tudo
e entorne no caldeirão sob o manto da cânfora
Olhe para a Lua e o nome
indesejado num papel escreva.
E peça para o fogo em seu coração
transmutar
E a pessoa mal quista
Ele irá levar
"

Resgatando os tempos antigos de honra no bom combate...

Fonte da imagem: http://wwwjaneladaalma.blogspot.com/2009/02/o-feminino-na-sociedade-celta.html

"Eis que vejo meu pai… Eis que vejo minha mãe, minhas irmãs e meus irmãos... Eis que vejo a linhagem de meu povo, desde o início. Sim, eles me chamam. Pedem que eu assuma meu lugar entre eles, nos Salões de Valhalla. Onde os BRAVOS vivem para sempre!"


Com essa invocação do panteão da linhagem ancestral, os vikings, resgatados pelas valquírias, lançavam-se, de peito aberto, no desconhecido caminho da Morte, sem medo em relação a terem vivido uma vida de mentiras, porque a HONRA era o centro da vida e da dedicação desses nobres guerreiros e guerreiras de luz.

Aprecio muito os filmes e as minisséries de fundo medieval, mítico e mágico, pois resgatam no imaginário e nos lembram a ideia de honra e dignidade outrora presentes nas relações humanas, parâmetros que parecem, na atualidade, ceder espaço à deslealdade e todas as dimensões de atropelos na lida com o ser humano, sobretudo na interface dos relacionamentos que se travam entre pessoas.

Gosto de apreciar os antigos duelos, as lutas e os combates, pois sempre acenaram, no colorido de minha mente fértil, para o pacto legítimo entre inimigos que se dispõem a se respeitar mutuamente, ainda que seja em face do extermínio de um pelo outro.

Basta assistir a filmes como O décimo terceiro guerreiro, A rainha da Era do Bronze, ou, ainda, Os pilares da Terra, a abordar a transposição da honra para o império espúrio das relações apodrecidas de poder entre Eclésia e Monarquia, num mundo de corrupção e sede pela apropriação do próximo.

HONRA é a palavra-chave que cercava e inspirava os antigos reinos e comunidades "bárbaras" pré-cristãs de cunho pagão, aparentemente "despojadas" do suposto valor que a cristandade evoca como "compaixão", mas que, de maneira "inexplicável" para nosso etnocentrismo míope, aproxima-se de um "reboco" de ideario "ocidental" (leia-se romanizado) de respeito ao inimigo, por intermédio do enfrentamento com que aqueles povos, de peito aberto e sem medo, lançavam-se rumo à verdade e à superação das mazelas que movem o humano.

O respeito às alianças feitas com outras pessoas honradas, bem como o repúdio aos pactos de falseamento, desonra, mentira e deslealdade eram a máxima nesses povos que praticavam o selo verbal, diante do clã, dos pactos de respeito à dignidade.

Uma ironia pois, posteriomente, tantas leis escritas no Império Romano não deram conta da manutenção da honra, porque, na civitas, a mentira e a corrupção da alma eram a constante nas relações humanas: prova que muito pouco os romanos aprenderam com os bárbaros em matéria de honra, dada, por exemplo, a existência de assassínios, conluios e traições senatoriais como marca maior desse, que é tido como exemplo de "civilidade".

Em outro ponto, na contramão do romano desleal, para alguns povos celtas, a escolha do rei ou da rainha não era feita levando-se em consideração etnia ou critério sanguíneo. Um rei ou uma rainha assim o eram porque, eivados de respeito e honra, eram naturalmente seguidos pelos integrantes da comunidade. A qualquer tempo em que a descrença na honra e na lealdade era observada, o rei ou a rainha eram desafiados para o combate justo, face à necessidade de se restabelecer a dignidade ofendida dentro do clã.

O respeito, a compaixão e a misericórdia, entre os antigos, eram invocadas legitimamente pela sustentação da palavra empenhada, nunca se estabelecendo o primado da hipocrisia e da leviandade na colocação da palavra ou de promessas que nunca poderiam ser cumpridas. O bravo guerreiro responderia pela irresponsabilidade no falar com sua própria vida, pois se desviar de sua palavra firmada era sinônimo de desrespeito à comunidade e aos ancestrais reverenciados. Mais do que isso, ante o estreito vínculo firmado entre indivíduo e grupo, desrespeitar o grupo é aniquilar a si, o bastante para não mais ser merecedor de dignificação.

A honra dos atos, pois, correspondia exata e pontualmente à sedimentação da palavra proferida na realidade física, palavra esta que não poderia ser desfeita sem prejuízo latente para a credibilidade que se imputava ao nobre guerreiro. Assim, o que residia na profundeza anímica do guerreiro - sua essência mais arraigada de alma e de caráter - era o que lançava o desejo a se tornar vontade e se transformar em atos, numa coerência interna ímpar, postulado de um código de unidade de espírito, mente e corpo.

Nessa seara de verdadeiro código litúrgico de honra, os povos chamados "bárbaros", ao contrário dos romanos - que expunham ao espetáculo aqueles que se opunham frontalmente ao jugo opressor - reverenciavam o "bom combate", a luta franca e justa em que oponentes olhavam nos olhos, um do outro, e, em face disso, travavam embates frente a frente, expondo a ira por meio do contato e da resolução direta, sem artifícios que pudessem colocá-los em desvantagem. Não apunhalavam ao menor sinal de virada de costas...

Até mesmo quando a espada do oponente quedava ao solo, seu desafeto, respeitando as regras seculares de honorabilidade, permitia - quando ele mesmo não o fazia - que o oponente pudesse pegar a arma, para que a dignidade no embate pudesse ser restabelecida. Isso era o digno, o leal, o correto a ser feito.

Em algumas tradições celtas, de outra sorte, existia o costume de se "rogar" o malefício na frente do inimigo. Assim, ao lado das blessings (benções), os celtas poderiam, sem o menor pudor, olhar para o inimigo e, em sua frente - nunca pelas costas - desejar que "sua colheita pereça e seu gado feneça", pois ser franco era sinômino de ser honrado.

O sistema político e moral, assim, era basicamente composto pelo respeito à honra do ser humano, quer fosse amigo, aliado, ou o mais odiado inimigo. Não importava, porque, ao final, ter honra e coragem de olhar no olho de quem se deseja o mal era tido como sincero e verdadeiro.

Mas na sublimação no poder da espada pelo império da palavra e do que se toma por "civilização cristã", perdeu-se, no meio do caminho, a honra em se lidar com a dificuldade e, mais do que isso, recalcou-se em dois mil anos de história a irascibilidade, convertida, dia após dia, em hipocrisia velada sob os auspícios de "espiritualidade da Nova Era", uma apologia mal-enjambrada, em nível cosmogônico, mentirosa e mascarada, que remete à logística da fraude: o pseudo-amor, a pseudo-compaixão, pseudo-honra.

Pseudo-tudo, eis o sentido da ilusão pós-moderna que embala as relações humanas recalcadas pelo proselitismo da palavra caritas...

A raiva e o desrespeito ao próximo alocaram-se do espaço público para a psiquê e, não sendo sublimadas, têm transformado as relações humanas num barril de pólvora pronto a explodir na desonestidade com a qual os seres humanos têm tratado seu semelhante, sobretudo aqueles e aquelas que se mostram como são, bem como mostram a que vieram.

Os guerreiros e as guerreiras honradas, dentro disso, quedam diuturnamente mortos em vida, não mais com espadas contundentes a perfurar seus corpos calejados, mas pela força do desconhecido e tortuoso caminho da manipulação, da mentira e da leviandade presentes nos discursos vazios, nas palavras vãs proferidas como via de embate implícito e, sobretudo, na deslealdade do cotidiano do falseamento de si...

Cada vez mais observamos nos contatos diários o descompasso entre o que se empenha de palavra e o que se materializa dela. A palavra, outrora designativa de crédito, de lealdade e de esforço e compromisso, transmuta-se, pouco a pouco, em searas de letras justapostas sem o menor sentido de dignidade, ferindo e matando, com atropelo, os sentimentos mais nobres que podem residir em uma pessoa.

Sim, a espada foi substituída pela força ferrenha da palavra que se mostra inicialmente sutil e doce, encobrindo, contudo, o nítido propósito de destruir o que existe de mais sagrado em um ser humano: seu coração, o músculo mais forte e paradoxalmente mais sensível - do ponto de vista etéreo - do corpo humano...

O calcanhar de Aquiles dos bravos guerreiros e guerreiras que militam pela luz e embatem dentro da honra não reside em outro local que não no meio do tórax...

São capazes de suportar os maiores meandros esses lutadores, mas, diante da deslealdade, caem, um a um, diante do império da sensualidade frasal que reside nas palavras vãs de quem deseja destruir o que existe de belo no mundo.

Em um dia, promessas são feitas, palavras são imantadas para o arquivo do Universo, adoçando o terno coração dos nobres e das filhas da Terra...

Noutro, punhaladas vindas do além-mundo transformam a honra em desonra, revelando, sob a couraça de um"humano sensível", um profano maquinário insensível ao outro. A oscilação entre a irresponsabilidade e a devoção nos coloca, cada vez mais, na contramão do crescimento espiritual, trazendo para nossos lares sagrados o inimigo invisível que sequer conseguimos saber, ao certo, se dorme conosco na mesma cama.

Reverencio o panteão da linhagem sagrada dos guerreiros e das guerreiras de minha família, de meu sangue ancestral que, há tempos, encontra-se nessa terra fincando raízes na honra, na lealdade e na dignidade.

Fortaleço - todos os dias em que invoco o largo panteão ancestral e conclamo a egrégora de luz dentro de mim - a assertiva de apenas ser o que sou para olhar, para quem quer que seja, olho no olho e dizer a que vim. Assim, de maneira simples, lutando o bom combate.

Eis o que tomo como pressuposto de vida. E de morte: lutar o bom combate, mesmo que entranhado em mim ainda resida o gérmen da mais espúria reticência de leviandade. Melhor cortar minha carne - para me lembrar de minha honra - do que viver uma vida sem glórias em relação à maneira como lido com meu semelhante. Recuso-me a tratar a vida e o próximo com a displicência de quem pouco se importa com o coração alheio, pois, como diria Saramago, "se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo o dia".

Não profiro "eu te amo", "bom dia" ou, pior, "desculpa" sem que, internamente, imante toda essa energia, pois não é de fora para dentro que se constroi sentimento - por repetição e assertividade - mas sim de dentro para fora, por cultivo à amorosidade...

Com isso, entendo, temos o direito de desejar travar combates justos, honestos e, sobretudo, engendrados na luz... Claro que se corre o risco de ser mal interpretada exata e pontualmente por aquelas pessoas que, sob a escusa de estarem "no caminho zen da evolução" (leia-se, NEGANDO E RECALCANDO suas mazelas, e não as observando e administrando), acusam-nos de insensíveis, frias, calculistas, atribuindo-nos toda guisa de julgamento iconoclasta, povoado de desonra e mascarado de sentimentalismo banal e frívolo de pseudo compaixão e amorosidade.

Mas, dentro do que me disponho a fazer - olhar no olho - tomo até como um elogio tal perspectiva, porque, afinal, ela indica que a sinceridade é, ao final, respeitada no emaranhado de mentiras que as relações humanas se tornaram...

Esse é o caminho da guerreira: ser forte para suportar a intempérie da injustiça de quem se mostra como espúrio em seus propósitos, pois, ao final, os louros sobrelevam-se em relação aos fracassos.

Numa espiral histórica que se repete, o tempo dos combates nobres entre guerreiros que se respeitam esvai-se em pleno ar na pós-modernidade, pois a horda do ataque-surpresa, pelas costas e sem o menor critério, acena para a decadência voraz de uma "civilização" cada dia mais discursiva e menos comprometida com os ditames da honra...

Talvez seja por isso que tantas pessoas assistem aos filmes medievais: afinal, se não imantam dentro de si a honra, ao menos, em nível cinematográfico podem sentir o gosto do que é ser leal, honesto e verdadeiro.

Ser autêntica num mundo de mentira e falseamento de si é uma virtude que se cerca de um preço existencial muito alto, mas nobre de se pagar: a consciência ao final do dia e, mais tarde, ao final da vida, quando fechamos os olhos para abraçar a Morte e observamos que saímos daqui sem dramas em relação a ter enganado o outro.

Esse é o caminho de luz de uma boa guerra.

Céad mille fáilte!

sábado, 18 de dezembro de 2010

O cocheiro, a cenoura e o cavalo...

Um dia, assistindo a um documentário da BBC sobre a vida de Janis Joplin, vi uma metáfora que achei maravilhosa sobre o relacionamento entre homens e mulheres.

Na ocasião, o entrevistador perguntou a ela porque até então não se casara ou constituíra uma "família". Emendou perguntando por qual razão ela parecia não acreditar muito em relacionamentos estáveis e duradouros...



Com a inconfundível voz calma e aveludada, ela respondeu com a "parábola" do cocheiro, da cenoura e do cavalo. Segundo Janis, nós, mulheres, estamos sempre nos posicionando como os cocheiros, com cenouras em frente a cavalos (homens) com viseiras: uma luta vã, pois, tal qual o cocheiro sabe que não pode esperar muito de um cavalo que somente corre porque se motiva por uma cenoura colocada em sua frente, nós, mulheres, nutrimos expectativas demais em relação às cenouras que colocávamos na frente dos homens.


Ou seja, colocamos cenouras para que os cavalos andem sempre na frente, mas, basta tirar-lhes o petisco para cair por terra o significado da compreensão em relação ao que deve e pode ser feito dentro de um relacionamento equânime.


O que acho de providencial nessa história? O fato de revelar uma serenidade e uma lucidez enormes em relação ao complexo sistema relacional, o binômio homem-mulher, ou melhor, a tríade cocheiro-cenoura-cavalo, no amplo contingente da estrutura de interações afetivas entre os gêneros.



No caso, a dimensão que dou às cenouras, aos cavalos e aos cocheiros em nossas vidas relaciona-se à sinceridade, lealdade e ao respeito à sensibilidade no que tange a como ver, sentir e lidar com o Outro. No caso, como o gênero masculino lida com o feminino.



Cada diz que passa, tenho ponderado a respeito de como a violência de gênero está se tornando corriqueira e sutil em termos de arraigamento nos relacionamentos, com a desvantagem de não serem menos nefastos seus efeitos.



O masculinismo em decadência está em conflito com sua truculência simbolicamente delimitada sob a máscara da parcimônia e da "carinha de anjo", trazendo, aos atropelos, a dinamização de um modelo mais "aprimorado" de misógino: aquele que, não prestando atenção a nada além de si e de seu umbigo - no caso, de seu pênis - não quer ou dispensa atenção nas demandas do Outro (aqui o Outro, de fato, é A Outra, sem pretensões, estou a me posicionar na defesa da mulher).



No auge da imaturidade e da síndrome de Peter Pan edipianamente delineada na projeção de relacionamentos com arquétipos de Evas, existem modelos robóticos - e bem previsíveis - de homens que se posicionam como verdadeiros "estelionatários emocionais", sempre aptos a realizar uma drenagem "linfática" em uma mulher, empreendendo, assim, à elaboração do que se chama de ciclo da violência.



Sim, estou falando em violência doméstica, manifestada no seio de uma relação íntima de afeto, cuja construção se amolda e elonga no decorrer de um lapso de tempo, o bastante para o ofensor, aos poucos, quebrar a resistência da vítima e, com isso, iniciar todo um processo psíquico bem elaborado, que passa por omissão de informações, seletividade de dados, manipulação e, por último, submissão emocional, até desembocar, se for o caso, na violência física.



São muitos os casos de homens que se mostram, de início, verdadeiros gentlemen, fazendo promessas que não poderão cumprir, da mesma maneira que o cavalo não poderá fazer muito sem a cenoura à sua frente: trata-se de uma limitação diante da sensibilidade "pata de elefante" com que constroem a dinâmica de um mundo frio, calculista, prepotente e insensível, onde as regras do "jogo" (ele, claro, TEM QUE ser o campeão, ainda que lute consigo mesmo, e ninguém mais) devem ser confratadas por eles, pois, a rigor, não desejam perder espaço para uma "mulher" (apenas uma mulher).



Que espaço?



O que é isso, afinal?



Por que isso tudo acontece?



Não sei, nào tenho respostas, pois, no momento, estou a pensar apenas em repousar em meu casulo...

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Benção para nossas lutas pessoais e dias de glória!


(...)
No devenir de batalhas e glórias de teu espírito andarilho...
Que o vento sopre sempre ao teu favor,
abraçando tua alma com acalentados sopros de renovação.

Que a terra sempre esteja firme sobre teus pés,
fixando tua trajetória na jornada da lapidação eterna da alma que tens de andarilho.

Que a água satisfaça tua sede no caminho, refrescando-te nos dias quentes em que te sintas desolado.

Que o fogo aqueça teu coração e o alimente de intensos voos, lembrando sempre que existe alguém que vela por ti em incontinentes brados.

E até que nos encontremos nessa e em outras tantas vidas,
Que a Deusa, de mãos dadas com Deus, embale teu espírito na palma da mão!"

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Um mosaico de profundas marcas

Em um mosaico de gargantas sufocadas pela inquietude da incerteza encontrei meu nicho, sagrando-me maestrina de uma sinfonia muda em que a dor do incontido parece, enfim, subverter o lastro de calmaria em que minha alma se colocou.

Quero gritar mas não tenho fala.

Quero bradir incontáveis tropeços, mas a voz não se levanta, erigindo-me inconstante em meio caminho de inconstâncias, passo a passo com o desespero em que meu espírito se lançou apenas por querer viver o que não se viveu, querer abraçar o que não ocorreu, querer se perder em meio ao que, ao fim, sequer se percebeu.

Quero correr na direção dos afagos e abraços que nunca vi, do desconhecido que se me revela ainda mais misterioso.

Quero galgar cenários estáticos e superar as pasmaceiras, mas as pernas, trôpegas pelas vilanias de outros tempos, entranham-se no chão frio de um mármore indiferente ao meu sofrimento, uma lápide, em vida, de um segredo do devir fatal, selando o fim.

Quero os fins, quero interminantemente me deleitar nos fins.

Quero os finalmentes e temo as entrelinhas da constância que só existe para além de mim. Nada em mim permanece firme diante da impermanência que me faz chacoalhar os átomos. Temo o fim porque, existindo, pereço na efemeridade de mim sem saber se renascerei, robusta e firme, ao final da jornada que tanto me apavora.

Quero amar...nas marcas profundas de arremedos de tantas vivências que selaram meu destino rumo a este estado letárgico que me congela os ossos. Nada há de mais estático do que o medo de não caminhar: ele se mistura, numa explosiva miscelânea, com minha chama retumbando no peito, a centelha que insisto, como ninguém, em alimentar com minha natureza inefável...

Quero me lançar, mas os grilhões estão mais fortes do que a projeção rumo às estrelas desconhecidas. Prisioneira de minhas ilusões, estou amalgamada à fome e sede de me perder em meio ao sentimento tórrido que devassa cada ponto escondido da minha alma. Preciso depurar o sagrado inquieto que se escondeu de mim mesma, para ressurgir, cálida e plena, na ponderação da tranquilidade...

Tenho apenas - e que apenas - a perseverança em crer que sou, ao final, lançada no vasto continente de meus maiores atropelos e, a partir deles, acoberto-me com o véu da esperança em ter e crer...apenas...

Um belo texto de voo solitário...

Estou postando esse texto, magnífico, com o cuidado de citar a fonte...

Quero me despir, entrar em sintonia com os outros que existem em mim. Viver a eternidade em comunhão com as vidas que transitam nos escorregadores do meu tempo e vislumbrar os corações de outro que foram transfigurados mediante batalhas sangrentas em florestas escuras.
Sinta!
Percebo os poros da existência que respiram a fantasia e se alimentam de loucura quando amanhece o dia.
Sinta!
Sinta os sentimentos que gritam por você após o desmaio no meio de uma madrugada chuvosa e fria.
Quero voar mas não sozinho; já disse! Não quero voar sozinho.
Estou me desligando das investidas que revestem galhos de plástico em asfaltos imaginários e sombrios.

José Carlos Pereira de Amorim

sábado, 11 de dezembro de 2010

O que vem depois da felicidade?

Acordei embalada pelo abraço caloroso da Grande Deusa, beijando-me a face ternamente e me dizendo que minha sina estava se cumprindo. Pouco a pouco, todos os medos que ainda jaziam em minha alma calejada foram sendo gentilmente deixados de lado para a entrada da luz a povoar os espaços seculares entre cada um dos meus átomos.

Sim, liberdade!

A liberdade de não temer mal algum, não prantear o devenir que se esquadrinha logo agora, na materialização a prometer a pujança de um mundo novo que se revelou para a alma que se liberta de seus receios, medos, condicionamentos.

Onde existe liberdade permeia o amor imaculado, sem receio e sem condição de entrega, pois o coração - ah, esse coração acobertado de prantos silenciosos que se propagam no tempo - não mais se condoi pela impermanência. Ele é o próprio atropelo do amante cálido que sabe de seu destino ao final do dia. Tantos rios distintos em tantas trilhas que me fizeram diferente em cada momento peculiar de destemor na entrega...

Onde existe liberdade em se superar queda a felicidade em romper barreiras - quaisquer que sejam - para a explosão do que, ao final, era secreto: o simples sentimento de incondicionalmente se entregar. Lançar-se no vão profundo de um cânion silencioso e intenso, povoado por mistérios a serem descobertos, pouco a pouco, pela exploração cuidadosa e sem pressa, do andarilho que, passo a passo, começa a desbravar locais nunca antes percorridos em meio ao fogo.

A cada reverberação de estrelas pulsantes dentro de mim, a alegria contagiante ocupou seu espaço de sempre. O riso voltou ao semblante que trazia dúvida, o maremoto de intempérie cedeu local para a languidez da tranquilidade.

A era da mudança, enfim, atingiu seu apogeu... O que vem depois de tamanha felicidade?

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Musiquinha despretensiosa

Estou estudando aqui e escutando essa despretensiosa música chamada Magic Touch, um clássico para os ingleses, capela, numa harmonização bem legal do grupo Golden Silvers... O sotaque faz toda a diferença, bem como a ingenuidade da letra e a suavidade da melodia!

Golden Silvers - Magic Touch

O martelo e o cinzel

Dizem - são relatos quase míticos de bastidores, perdidas nos anais da historiografia oficial e, por isso, bem mais interessantes - que Michelângelo nunca conseguia entregar uma só encomenda no prazo avençado com o mecenato, pois sempre atrasava ou remarcava datas que não se cumpriam.

Como o resultado, ao final, era a obra-prima inquestionável, o máximo que os clientes faziam era resmungar um pouco, reclamar diante da demora, respeitando, por outro lado, a genialidade do nobre escultor que desejava romper a imperfeição humana e retratar modelos límpidos de beleza e beatitude (mesmo nas esculturas mais pagãs)...

Numa conversa com um financiador curioso, este perguntou ao artista como ele conseguia extrapolar o prazo, e, mesmo assim, no último minuto, com o fôlego lhe faltando nos pulmões, entregar uma magnífica obra : afinal, a "pressa" em esculpir com o prazo exíguo poderia trazer o atropelo da imperfeição, o que seria odioso para um gênio tão detalhista e perfeccionista como Michelângelo.

Pacientemente, ele respondeu ao interlocutor que seu ofício era simplesmente retirar os excessos do mármore em volta do que ele, dentro de si, já antevira na pedra... E, com isso, por mais que se "apressasse", sabia sempre onde lapidar, pois o final já seria o processo em si...

Diante disso, penso que uma das grandes dádivas da Vida reside na compreensão de nossos processos internos de gestação de obras-primas perfeitas apenas pelo simples fato de serem promanadas de nossas entranhas criativas, de modo que o tempo - ah, o tempo - possa ser apenas uma das inúmeras possibilidades.

Não para marcar o final de algo, mas para sinalizar para a perfeição do processo contida em nosso afã pela superação. Dentro disso, penso, o que vem antes, como preparação calculada em seus mínimos detalhes, constitui mera técnica, acessível em um livro qualquer. Mas os momentos finais...sim, são os momentos derradeiros que marcam a eclosão da obra mais-que-perfeita.'

Por isso, sejamos artífices de nossas invenções, nossas artes, nossos poemas e nossos artesanatos, sabedoras do final, antevisoras das magnifícas esculturas que já sabemos estarem lá.

No fundo, sabemos o que desejamos encontrar em nossos ofícios, bastando apenas retirar os excessos de pedras que colocamos no manuseio dos temores internos que nos levam a acreditar que existe uma punição para a magistral genialidade contida nos espasmos criativos que nos permitimos sentir...

Talvez, com isso, quem sabe, a formiga possa ter menos inveja da cigarra cantadora...

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Spaniard. Carlos Nuñez, Galician folk, Spanish celtic music.

Dica da Rowena, valeu, linda!

Um bruxedo dos elementos...


"Em nome do amor e da magia

Que eu alcance, sem demora, o que eu mais desejo agora.

Em nome do ar que tudo clareia.

Da terra que a tudo dá forma.

Da água que a tudo permeia.

E do fogo que a tudo transforma"

Altar particular

Meu bem que hoje me pede pra apagar a luz
E pôs meu frágil coração na cruz
No teu penoso altar particular

Sei lá, a tua ausência me causou o caos
No breu de hoje eu sinto que
O tempo da cura tornou a tristeza normal

E então, tu tome tento com meu coração
Não deixe ele vir na solidão
Encabulado por voltar a sós

Depois, que o que é confuso te deixar sorrir
Tu me devolva o que tirou daqui
Que o meu peito se abre e desata os nós

Se enfim, você um dia resolver mudar
Tirar meu pobre coração do altar
Me devolver, como se deve ser

Ou então, dizer que dele resolveu cuidar
Tirar da cruz e o canonizar
Digo faço melhor do que lhe parecer

Teu cais deve ficar em algum lugar assim
Tão longe quanto eu possa ver de mim
Onde ancoraste teu veleiro em flor

Sem mais, a vida vai passando no vazio
Estou com tudo a flutuar no rio esperando a resposta ao que chamo de amor


A arara e o Sol

Essa arara aí ao lado tem uma história curiosa... Ela chega pela manhã, de mansinho, pousa próximo ao refeitório e aguarda pacientemente o pão integral que os hóspedes compartilham.

Mas ela não se acomoda não!

Além de bicar, aqui e ali, ela se vira e busca seu alimento! Domesticada? Penso que não. Acho que, ao final, nós somos os domesticados, na batuta da Natureza!

Maravilhosa arara...

Um lugar chamado Poço Encantado...

É encantado o poço, o caldeirão da Deusa em pleno coração do cerrado, sangrando a Terra e fazendo dela verter a caudalosa saudação de Gaia para nós, mortais! Os quatro elementos ali se reúnem em festa, celebrando os mistérios dos antigos deuses, em meio a uma paisagem magnífica e poderosa.

Das pedras surge a retumbância da Terra, silenciosa terra que tudo vê e ouve... A água vertida em dança espiral corta amorosamente Gaia, compondo, com o ar que se desloca em verso, o compasso com a respiração quente, que faz exalar o fogo!

Espirais, pentagramas, quem precisa de mais instrumentos quando a Natureza já ostenta, em si, a concretização do mágico e envolvente? O athame cerimonial é substituído pelo dedo de poder em riste, rasgando os céus com a invocação aos ancestrais do local. O cálice é o próprio poço... O incenso, os aromas proeminentes de mato... A terra é a Terra...

Tudo é ritualístico quando se está em comunhão com a Natureza!

domingo, 5 de dezembro de 2010

Os pés que morrem e liberam as estrelas

Os pés descalços sempre estão macerados pelos espinhos, mas dizem, o tempo inteiro, para o sábio homem que construía casas de tetos de estrelas, "esqueça de mim, estou morrendo, pois eis que desejo ser livre e flutuar". Esse foi o relato de um grande construtor, um poeta construtor que está aqui, compartilhando conosco, o que existe de mais belo dentro de seu coração, ou seja, apenas e grandiosamente ele mesmo, coração, vertido em prosa...

Ouvindo esse novo amigo cantar, penso em quanto já flutuei em meio à imensidão das casas que tentei construir dentro de mim. Umas caíram, desmoronando com o simples farfalhar da brisa e me lembrando, com isso, de apenas ser mais cuidadosa.

Outras, que sabe, sustentaram-se, por algum tempo, em certa pompa, mas, sob a ação de um tempo nem lá muito elongado, sucumbiram em meio à infiltração. Necessitava de mais zelo comigo...

Mas, em meio ao que todo mundo poderia pensar serem ruínas, eis que surgem os delicados tijolos dourados que, dispostos, um a um, sustentam uma casa ornada pela gratidão, pelo amor e, sobretudo, pela doação de minhas entranhas para a edificação de um palácio interno de pura felicidade descomprometida.

Eis um mistério...

O verde, as araras e as estrelas...

Da varanda do quarto avisto o mar bem no meio do cerrado antigo. Sim, estou no mar, flutuando na parte calma de um oceano pintado na aquarela dos mais diversos tons de verde, dispostos, um a um, nas copas das árvores e no esmeralda do tapete que encerra a proposição do perfeito em sua maestria diatônica.

Bem cedo as araras voltam para o aconchego do abraço amigo. Elas não precisam de nós, de nossa complacência especista na dação do alimento: são plenas e, em rasantes voos, sabem de si e de seu sustento. Mas as araras, ah, as araras!

Vêm simplesmente para cá por amor... Porque, em cada alvorecer, compartilham um pouco de sua compaixão pela humanidade e, fingindo que desejam comida, elas nos fornecem carinho, afago e luz. Hoje, ao acordar, pedi a uma delas para me aproximar e registrar o momento. Com o pedaço de pão fui conversando com ela e, ao final, tirei uma foto da magnífica ave. Que gratidão!

Agora, prestes a me deitar em profundo sono, estou contemplando o céu povoado de estrelas, tendo Vênus por testemunha da amorosidade presente em meu caminho. Tempo de Vênus, regente do Amor... Tempo de Terra, que estabiliza, ouve e tem paciência... É tempo de viver benesses e, em Alto, elas adquirem um colorido todo especial...

sábado, 4 de dezembro de 2010

A renovação que começou aqui

Pensei que iria viajar para Alto Paraíso com o propósito de renovar as energias e apascentar a mente, mas, desta vez, saio daqui com a sensação de me aquietar desde já, depois de um grande giro de roda que, mais uma vez, a vida traz para mim.

Uau!

Estou feliz, feliz, feliz, porque os tempos são outros, estão se realinhando com uma configuração ímpar em relação ao que celebro internamente como o ciclos de mudança e transmutação do velho. Para o novo entrar, é bem verdade, o velho precisa sair. É mais ou menos esse o processo em que me encontro, onde o paradigma antigo, resultado de uma série de atropelos e condicionamentos, dá licença - ou, melhor, acho, foi colocado para fora, extirpado - ao novo.

O que é novo exala ao frescor da renovação de cada dia. O velho está em mim, em cada uma de nós, em nossos padrões a vencer, a compreender, a superar. A sensação que tenho é a de que, a cada nova experiência, algo está se depurando, mais e mais, para, em cada movimento, surgir uma explosão de maravilhosas novas possibilidades.

Por isso o desapego é importante. Por isso não olhar para trás é importante. Se olhar para trás fosse condição imperiosa do viver, o pescoço daria um giro de 180 graus, literalmente. Mas, ao contrário, existe uma sabedoria ancestral na anatomia humana. A do pescoço é essa, não permitir que nos voltemos para trás em definitivo. Quando muito, aquele pouquinho, de relance...O bastante para sabermos do que ficou para trás e carregar como propulsão para a frente.

Sou muito grata aos brindes que a vida me proporciona...

Viva a vida...

Cèad mille fàilte!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O Segredo do Cálice da Soberania...


Dia novo, vida nova, novas experiências.
Tudo adquire um diferente e mágico significado quando, empoderadas e seguras de nossa Soberania, atribuímos ao mundo - e à nossa existência nele, com Ele - ressignificações e conteúdos inéditos, distintos do molde de condicionamentos que solapam e violetam as almas bruxas que, por pressuposto, são livres.
Às vezes nos esquecemos disso, mas, quando o fazemos, nada como o frescor de uma nova manhã para observarmos a existência de inúmeras possibilidades na vida, prontas para serem fruídas, captadas, vividas, agregadas. Essa é a eternidade que se adquire na lembrança...

Depois de uma ritual auspicioso para as grandes mudanças que estão chegando sem pedir licença - fabulosa expressão de caos criador - acordei com a disposição de quem decide olhar para o azul do céu e deixar para trás todas as hordas de energias desencontradas que resolveram coexistir, por frações infinitesimais, na trajetória mágica de experiências de vida.
Tenho aprendido silenciosamente que a luz pessoal atrai de tudo, desde "curiosos" que reificam nossas vidas no Sagrado Feminino para um simples arquétipo caricaturizado de bruxa-da-verruga, até antigos desafetos que, não satisfeitos com os bacanais de outrora, desejam, nessa existência, finalizar os genocídios que, por pacto, levaram-nos para as fogueiras. Não estamos imunes a isso porque essa é exatamente a sina de uma grande bruxa: enfrentar, sem medo, as malezas de um mundo que está carente de compreensão e amor-próprio. Diante dessa realidade, ataques psíquicos são bem comuns, drenagens energéticas por pessoas que estão perdidas em relação a si também. E nós? O que precisamos fazer?
Transmutar... O que fiz? Transmutei, transmuto. Transmutação. Não me peçam para fazer outra coisa... Sou fogo, ígnea, venho, vou, corro, voo, transformo, transmuto...
Deixei, assim, que o fogo transmutasse o desejo escrito em rima antiga, para, leve e serena, seguir na fluidez do que me é muito natural e suave: ser eu mesma, sem que nada ou ninguém se apoderem de meus sentimentos, amores e dores, ressurgindo firme e sabedora da parcela de Soberania a se desenrolar bem diante dos percalços que, sem saber, insisto em colocar em meus caminhos sacerdotais. Nada escapa da Soberana regente de si quando, não aceitando os pactos velados, saímos da escuridão para transformar, com a centelha criadora do elemento fogo, a sombra em perfeita luz.

A água, em sua leveza, purificou a rima devastada pelo fogo, fazendo com que aquele pedaço de papel que, outrora, havia depositado sonhos desfeitos, fosse, dali em diante, apenas um pedaço carcomido de cinza, pó e nada. Foi-se, assim como veio, a sombra de ilusão que banhava o ar de dúvidas.

Ao final, confesso, não foram horas de deleite erudito nas sendas hindus a me restaurar as forças: foi a magnitude reconfortante do afago da Grande Deusa que se apoderou de minha sina e, acessada pela egrégora de força, tornou-me mais e mais forte...
Lembrar de quem sou torna-me plena em relação ao percurso que escolho, às pessoas com quem encontro em face da vibração em consonância.

A terra sepultou, enfim, o grande engodo, sabendo, como ninguém, calar-se diante de meus atropelos para, sem proferir uma só palavra, estabilizar-me num manancial de lindas ondas faiscantes de um violácea brilhante a sair da ametista transmutadora.
E o ar, ah, o ar! Esse elevou meu pranto de gratidão aos céus e aos confins do Universo, imantando cânticos de verdadeira dignificação da luz que, ao final, une cada uma de nós...

Depois desse lindo passeio mágico nos mistérios dos elementos, embalei-me para dormir, imersa na felicidade do meu fluxo de fêmea a escorrer de minha caudalosa entranha.
Uma gana incomum tomou conta de mim logo pela manhã, quando fui buscar minha herança recém chegada da casa materna em Natal: um antigo cálice sagrado, repositório de nossa força, temperança, passionalidade e impetuosidade. Mas, sobretudo, legado ancestral que nos une, em vida, às espirais helicoidais das grandes matriarcas brujas (ou meigas, em galego) da família de La Vega.

Eis o grande segredo do legado...

Um cálice voluptuoso como cada uma das minhas curvas repletas de audácia e intempérie. Formas sinuosas de uma mulher moldada com ferro, fogo e veludo doce: é o segredo que ninguém revela, mas que professa, em palavras silenciosas que apenas os mais acautelados conseguem sentir com a alma: reside no reluzente cálice a própria Soberania do Feminino manifestando-se na ondulação das águas que se deitam no útero da Grande Mãe...

Eis-me presente, de corpo e alma, no cálice guardado com tanta sabedoria e força. Eis o receptáculo que detém o conhecimento ancestral que se propala no tempo e atravessa espaços. Indo e vindo, absorvendo e devolvendo o grande espírito selvagem da guerreira incontida, da sacerdotisa que tudo sabe, pois tudo tem em torno de si como calmo, sereno e tranquilo.

Sim, a vida flui e no constante devir do que não será porque já é, compreendi na lição do dia que é preciso me lançar no mundo para saber mais dele...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O coração e o zíper...

Desolada em meio ao olhar vidrado e perdido no horizonte a depositar o adeus de mais um dia, Anita lembrou-se de abrir o zíper de seu coração, para ver se ali, mesmo diante de tanta atrocidade cometida por um mundo que muito pouco sabe sobre amar, ainda existia algum vestígio hábil a bombear sangue para seu corpo desfalecido.

Mesmo sendo o músculo mais forte do corpo, o nobre coração da jovem não mais aguentava as incertas de um pulsar que não sabia se era a batida de tantas ilusões que não se findavam na vida da jovem, ou se, de fato, era remanescência da força em superar a si e à sua dor.

Tantos foram os atropelos de sua vida que, mesmo disfarçados em frases de amor a se propalar na mesmice como o cheiro de sândalo a encher o ar, o único pensamento de Anita era saber a razão pela qual o aroma maravilhoso encobria, lá no fundinho da alma dos adorados, o cheiro virulento de ocre e fel emanados da boca vazia de palavras sinceras.

Tentava manter impoluto seu coração para acreditar na vida, pretendendo, com isso, trazer esperança para sua trajetória tão calejada em marcas que somente naquele momento de desalinho Anita poderia realmente ver.

Sim, queria finalmente abrir seu coração, para saber quão profundas foram as laceradas feitas nele!

Teria sido Anita, afinal, uma péssima "dona de coração"? Onde falhou com seu querido órgão? Estaria faltando algum pedaço dele? Como consertar? Onde buscar compor o buraco que sequer sabia se existia ali? Definitivamente precisava abrir o zíper. Assombroso zíper. Indecifrável zíper. Temido pechado de ferro a separar Anita da carne trôpega a lhe fazer tanta falta.

A culpa lhe invadia o ouvido, sussurando-lhe a aspereza dos segredos mais ocultos que a moça não desejava mais ver. Não poderia mais dar atenção àquelas palavras: era necessário vencer o medo e abrir, de vez, o zíper.

Nunca havia feito isso...

O fecho estava emperrado, quase enferrujando diante do tempo incessante, desanimando Anita, por segundos. Ah, quem deseja realmente ver um coração doído? Quem seria louco o bastante para abrir as portas de sua vida e de sua alma o bastante para olhar dentro de sua miséria mais profunda e extrair de lá as lições que poucos desejam ver?

Isso bastou para dar ânimo à intentada e, com a mão trêmula que parecia ter vida própria ao se negar a obedecer a jovem, Anita segurou, enfim, o zíper de seu peito, respirou fundo e, num movimento só, abriu a couraça de seu invólucro.

Sentiu ao mesmo tempo, uma dor tão profunda que, diante do impacto do ato, a corajosa mulher quase sucumbiu ao desmaio... Era muito perdi-lhe que se mantivesse íntegra diante do momento incomum de olhar para dentro da chaga purulenta que insistia em não ceder. Urrou, bradando com o útero a dissonância incontida em seu peito.

O tempo é uma categoria realmente interessante, porque não sabemos realmente quanto significam segundos. O certo, porém, foi que Anita não soube quanto tempo durou a sensação de extirpação. De súbito não sentia mais as pernas, os pés, as mãos. Tudo era uma grande massa amorfa de dor, invadindo-lhe, sem pedir a menor licença, seu receptáculo tão precioso.

Mas toda essa sensação nefasta trouxe o presente que Anita aguardava, pois, enfim, conseguira abrir o zíper, retirando cuidadosamente cada pedacinho de coágulo que havia se depositado ali. Afastou cuidadosamente cada lado de seu peito e afagou carinhosamente seu músculo, querendo retirá-lo dali para saber se ainda restava algo nele para que pudesse funcionar.

Ao pegar sei coração, a jovem fitou, por momentos, aquele receptáculo rosáceo, não acreditando na beleza do que via ali, pois, àquela altura, pensava que não tinha mais nada dentro do peito. Julgava que as dores, uma atrás da outra, haviam secado o órgão ou, talvez, lacerado de tamanha sorte que, ao menor toque, o coração pudesse se esfacelar. Mas diante do seu coração disposto em suas calejadas mãos, Anita teve uma bela surpresa: ele estava ali, pleno! Forte, bombeando sangue como nunca!

Havia marcas, sim. Uma, duas, três. Nossa, Anita desistiu de contar quantas eram, pois o desânimo a invadiu quando chegou ao vinte. Decidiu parar naquele número, percebendo, entretanto, que as cicatrizes estavam secas. Algumas eram mais recentes, outras já tinham deixado espaço para um fino tecido dourado a revestir o lugar onde haviam sido produzidas.

Seu coração, enfim, ainda estava ali, intacto! Depois de avassaladoras contingências, o órgão ainda pulsava! Fortalecida em seu propósito, Anita, então, compreendeu que as marcas sempre existiriam, mas, lembrando-se de Nietzsche, tornavam-na mais forte se, de fato, não a matassem...

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O vento traz a mudança

A mandala astrológica repleta de fogo traz muita necessidade de mudança...

Áries, áries, áries. Fogo, fogo, fogo, seguido pelo impulso frenético de não me conter e desejar gritar aos quatro cantos: "resolvam-se! resolvam-me! devora-me! enlaça-me"...

A lua, saturnina em capricórnio, freia o incontido e soterra, ainda que por segundos, a propulsão da lança tórrida que rasga o céu da pasmaceira humana.

Para onde me volto Marte está à minha procura, como um amante apaixonado que deseja, a todo custo, possuir sua contraparte ideal. O ímpeto de voo me faz alçar vales dentro dos mais coloridos palácios da minha alma, para, devastando tudo em mim, quedar-me livre em meus instintos e, seguindo minha sina, traçar meu caminho de transição para a casa ancestral dos que aguardam por mim.

Mercúrio em peixes a torna um epicentro de ludicidade, fazendo com que meu coração e minha alma desejem habitar, talvez, quem sabe, um lugar em meio aos céus, ou abraçado por cachoeiras. Muito verde, muito mato. Plasmando isso para a concretude, meu espírito inquieto de andarilha já não está mais desejosa de se fincar aqui.

Nunca esteve e, a cada dia, o chamado da Deusa e de meus ancestrais convoca-me para a serena missão de me albergar em mim, de estar imersa numa onda esmeralda de puro ar, esperando o orvalho de cada manhã anunciar o começo de mais uma aventura.

Desejo mudar... estou mudando, estou mudada. O que será de mim? Não me importa, meu caminho grava-se na efemeridade das pegadas deixadas na areia de uma praia onde ondas desmoronam os sonhos de uma torre segura e firme. Desconheço, no mundo dos humanos, o que é sentir tamanho lastro de sufocamento. Segura? Firme? Em que mundo? Num em que as carnes ainda habitam? Quimeras, apenas quimeras.

E desejando o mato estou...

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Ana Julia e seus balões...

O dia rasgou o horizonte e o azul, enfim, pôde encontrar a Terra, tisnando o despertar com um afago de oceano ante a imensidão acobreada do cerrado. Ainda sonolenta, Ana Julia olhou pela janela de seu quarto, apreciando cada pedacinho de firmamento que refratava em sua retina, atenta e curiosa para o que iria aprender naquele dia de intenso Sol.

Sem dar ouvidos à mãe que a chamava para o café fumegante que pedia um bolo muito macio de fubá, Ana Julia tratou de se levantar, pois desejava aproveitar o dia fazendo o que mais desejava: sendo ela mesma. Sem os livros da escola ou a conversa da professora. Apenas ela.

"O que farei nesse dia tão lindo?" - conversou consigo enquanto vestia seu bermudão e amarrava a camisa de flanela quadriculada. Decidida a otimizar o sentido de carpe diem, Ana abriu seu baú de inventos, pois, quem sabe, dali sairia uma nova brincadeira para se deliciar enquanto o céu passava por ela.

Torcendo o nariz, olhou as aquarelas na parede, ao mesmo tempo em que deixava de lado seu nankin, não estava inspirada para aquilo. Fuçou, um pouco, suas revistinhas, sem desejar passar mais os olhos pelas histórias das heroinas que, no fundo, Ana Julia sabia serem ela mesma desenhada no papel bíblia delicado.

A bicicleta reluzente também não chamou lá tanta atenção. Ana Julia queria mais, sempre mais. Queria transformar o simples uma engenhosidade nunca experimentada antes. Desejava subverter a si nas brincadeiras que, uma a uma, criava no universo mágico de seu grande quarto lilás...

Foi quando viu no fundo do baú um pacote repleto de balões vermelhos. Os olhos de Ana Julia cintilaram diante da possibilidade de inventar alguma nova peripécia usando aqueles balões vazios. Encher os balões com seu próprio ar não era opção para a menina, pois isso seria de uma simplicidade que trazia certo desconforto a ela. De súbito, Ana Julia lembrou-se de uma oficina onde poderia encher os balões, apenas porque desejava vê-los flutuando em pleno ar.

Pegou sua bicicleta e, com pressa, levou em sua mochila o saco de balões, bem como um rolo de linha de pipa, afinal, não queria que os balões se soltassem tão facilmente.

"Oito balões!" - disse Ana para o senhor da oficina. "Eu gostaria que o senhor enchesse para mim esses oito balões!" - ansiosa, a menina ia pegando um a um e, enquanto o sinhozinho lá enchia os demais, ela ia dando os nós de marinheiro que havia aprendido nos almanaques do baú.

"Preciso dar um nó bem forte na linha!" - pensou Ana, cruzando as pontas para lançar melhor a ponta do balão com a linha dura de pipa. Pouco a pouco, cada um dos balões subia aos céus - sim! Aquele lindo céu que a abraçara pela manhã, trazendo-lhe um sorriso de ponta a ponta de sua boca cor-de-rosa, que se misturava ao rubro do balão que acabava de fechar.

Despedindo-se do senhor, Ana, feliz, saiu pedalando com seus balões, intrépidos, que se misturavam aos aromas e às cores do dia. Todos na rua olhavam para a menina, maravilhados com seus balões, pois o colorido intenso era perceptível a metros de distância.

Segura de si, Ana Julia olhou altivamente para a dança cósmica que acontecia em cima de sua cabeça. Eufórica, segurava o guidão com a mão esquerda, porque, pensando bem, para manter firmes e seguros os balões, precisava usar sua mão "boa", a direita.

Nesse compasso a menina andou, andou e andou, vendo o mundo se desenrolando, com num filme, à sua frente. Nada mais importava a ela, pois estava com seus balões dançantes. Sentia-se feliz, segura, mais poderosa do que qualquer das heroinas da revista que deixara de lado mais cedo, pois seus balões, seus lindos oito balões vermelhos a faziam experienciar a beleza da plenitude incontida naquele pequeno corpo de criança.

Embalada pela sensação orgástica de se soltar com os balões, Ana Julia não teve sequer tempo de observar que diante de si apareceu um bebê que se soltou de sua mãe em pleno parque. No atropelo, para não abalroar o menino, Ana Julia deixou seus balões escaparem. Colocando as mãos no guidão, evitou o pior. A criança, enfim, foi salva. Mas os balões...

Ah, os balões! Todos os oito lindos balões vermelhos alcançaram a liberdade e se misturaram com o ar, o vento, o azul do céu. Um a um, dissiparam-se em meio aos algodões de nuvens que entreolhavam a menina, lançando-lhe ternuras de um afago maternal de quem sabe o desfecho da história.

Ana Julia olhou a cena e não pôde conter as lágrimas que saim quase sem que ela pudesse fazer alguma coisa para impedi-las. Não conseguia compreender onde havia errado e o que havia feito para os balões irem embora assim, tão facilmente. Desolada, saiu da bibicleta e sentou-se numa pedra para acompanhar o voo solitário dos balões.

Perdida em seus medos mais profundos, Ana Julia chorou. Chorou como nunca antes havia chorado e, tamanha a dor em seu coração, não percebeu uma dor lacerante despontando em seu útero. Olhou para baixo e viu brotar de sua bermuda o mesmo tom de grená dos seus oito balões. Ana Julia sangrava, ali, sobre a pedra, pela primeira vez. Tornara-se adulta no mesmo dia em que perdera os balões que tanto desejava reter na segurança de suas mãos.

O tempo, de súbito, parou ali. Os pássaros não cantaram, por momentos. Apenas o vento veio brindar a descoberta de Ana Julia: o silêncio...

Enxergando apenas os balões indo de encontro ao horizonte, Ana, acalentada, compreendeu o significado de tudo aquilo: precisaria soltar todos os seus balões seguros, pois só assim o mundo e os céus poderiam receber as dádivas do que de melhor a menina teria a compartilhar com a Vida!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O livro de ouro da sabedoria silente

Outro dia encontrei escondido na biblioteca o exemplar de um livro de tiragem única, tão raro que sua existência era diuturnamente colocada à prova por todos. Muitas pessoas, em vão, tentaram acessar a obra, como vassalos do Rei-Pescador em busca do valioso Graal a restaurar a Soberania perdida.

Capa dura, ornada de ouro, cravejada de diamantes, não acreditei no que vi...

Duvidei quando minhas mãos trêmulas pela satisfação do encontro alisaram carinhosamente cada pedaço da frente do livro, achando que, depois, tudo iria se dissolver no ar, como mais uma peça de minha mente incauta.

Num impulso de querer me fazer unir àquela preciosidade, levei-o em direção ao meu nariz, tentando, sabe-se lá, que alguma traça ancestral pudesse sair dali para habitar em meu pulmão já tão cansado desse "ar puro" que já se faz pesado... Tabaco, canela, morte e vida. Dor e amor, paz, guerra, conflito e paz. Estavam presentes todos os aromas exalados pelo opúsculo que se prostrava para ser desvendado na confusão de cheiros que a mente tentava, em vão, catalogar.

Em átimos de segundos toda eternidade passou por mim, sacudindo meu corpo num lampejo atônito a sussurrar em meu ouvido que seria o momento de abrir o livro para saber o que estava escondido naquelas páginas. Olhei para um lado, retornei ao outro: egoisticamente suspirei ante o vazio daquela sala em que os ecos sibilantes de pardais atordoados eram minha única companhia.

No arrebatamento de tamanha felicidade, pérolas brotaram em um sorriso: eu estava sozinha, prestes a decifrar os segredos mais profundos do conhecimento humano...Quanta alegria poderia uma alma ser capaz de suportar diante do Infinito?

Ao abrir as páginas, uma surpresa: nada estava escrito naquele livro secular. Nem uma só gota de tinta foi ali disposta para registrar a História e a humanidade. Revirei, folheei, abri e fechei, desanimando-me a cada alva folha perdida para mim em vão, pois a frustração diante do Vazio foi inevitável diante do desejo de completude.

Sentindo o gosto de fel a penetrar em minha garganta, deixei a ira tomar conta de mim, aquecendo explosivamente cada centímetro do meu corpo e me lembrando que a paixão e a raiva sentam-se e se enamoram no mesmo banco de praça. Tive vontade de lançá-lo contra a parede, mas, diante da culpa antecipada, calei-me e apenas tremi, sentando-me quase desfalecida no chão frio do mármore sacrificial daquele sepulcro abissal.

Foi quando diante de mim abriu-se uma aquarela a desenhar no livro em branco algumas sílabas que iam se justapondo em singelas palavras de conforto, dizendo-me: "a sabedoria reside no silêncio". Entendi, então, que palavra alguma poderia ter sido escrita naquele livro, bem como resposta alguma seria revelada de maneira absoluta: foi quando descobri estar diante do livro da sabedoria silente, guardado na estante de nossa própria existência, escrito com a caneta dourada das experiências nossas, que são únicas...

Eis o silêncio...

domingo, 28 de novembro de 2010

A Lua, o Mar e o banquete que nunca finda...

Numa noite plácida em um reino bem distante do mundo que, há tempos, deixara de acreditar na magia, a cintilante Lua deitou-se com o Mar. Seus corpos, em atropelo, emaranhavam-se num frenesi que se estendia na melodia lírica do compasso de espera pela saciedade que titubeia diante de um farto banquete, enquanto a fome, por outro lado, rodeava um intrépido andarilho que ali se lançava, rumo à alvorada de mais um dia cujo deslinde lhe era totalmente desconhecido...

Acarinhada pelo veludo a transbordar, em mãos, das ondas de seu consorte, a Lua, sonolenta, veio cochilar na praia, velando o sono de seu imortal amado que, dali a poucos momentos, acordaria para mais uma lânguida revoada de sublime amor.

Enquanto aguardava o farfalhar da maré cheia a se lançar nas folhas de palmeira caídas à margem, não pôde a Lua deixar de perceber os passos largos e ansiosos do andarilho errante que, afoito, olhava de um lado para outro, buscando, a todo custo, encontrar algo que pudesse afastar a escassez de sua tribo.

Espiando entre as conchas que ornavam seus aposentos, a bela Lua sentia em seu peito o ecoar descompassado do coração do homem... No arroubo de sua intempérie, ele tentou, sem êxito, haurir do Mar o doce provento para levar para sua tribo faminta, mas como o Senhor das Profundezas estava em profundo sono, tudo, ali, parou: peixes, sereias e golfinhos, sempre silenciosos e solidários ao Rei em seu repouso sagrado.

Vendo as lágrimas descendo do rosto cansado do nobre homem, a bela amante não se conteve: olhou, ao longe, seu amado e, vendo que ele não poderia acordar tão cedo, compadeceu-se do amor profundo do guerreiro errante por sua tribo e, diante dele, fez reluzir, descido dos céus em uma cortina de prata, um grandioso peixe grená, cujas órbitas ostentavam rubis apenas ofuscados pelos raios de alegria que brotavam da Lua compadecida.

O bravo andarilho, olhando a cena, não acreditou no que vira, pois diante de um mar infecundo a encerrar inglórias, não imaginou que algo assim poderia acontecer. Lembrou-se de sua casa ancestral, vendo no horizonte o rosto estampado de cada um de seus irmãos, cuja existência, até ali, não era mais tão certa diante da fome.

Foi quando, de súbito, resignou-se diante da Lua compreendendo a magia antiga que estava sendo feita ali.

Empunhando sua adaga e cortando o ventre da oferenda, o errante guerreiro viu sair de lá outro peixe, cujo ventre, por sua vez, pulsava na consonância do coração do nobre. Abriu-lhe as entranhas e, com isso, viu sair outro peixe, e mais outro, outro. Dali a pouco, cestos e cestos não seriam o bastante para carregar tantos peixes que brotavam incessantemente uns dos outros.

Agradecido pelo dadivoso presente da Lua, o homem ajoelhou-se no veludo da areia, acariciou as entranhas da Terra e elevou sua alma aos céus, cantando para a formosa Rainha que, ouvindo atentamente a música entoada, derramou, em prantos, múltiplos diamantes coloridos... Foi então que, ali, a Lua, sentiu, mais uma vez, o Mar carinhoso a lhe abraçar, lembrando-lhe que em poucos momentos seria Ela a se sentir saciada...

Perdida em mim para me encontrar em você...

Queria saber como me perdi em mim para encontrá-lo, pois, assim que me encher de mim novamente, minha plenitude não mais acomodará espaço para seu o diletantismo de uma profecia que nunca irá se cumprir. Perdida em holocausto, não existi, por módicos segundos, dentro do meu nicho de certeza e, vagando intrépida, julguei, lamento, que me revelaria um mundo ao me deparar com você.

Encontrei o que estava incólume em um canto escuro indecifrável, jungido em vestes adornadas por diamantes que apenas me lembram como o cintilar da pedra escoa o sangue vertido da Terra desentranhada. Os fantasmas reclusos na imensidão de um aconhego que exala tédio, comodismo e pervesão saudaram-me, todos eles, bailando em valsa rumo ao cadafalso do além-morte que, um dia, trará pelas mãos, em salvaguarda, a vida.

Encho-me de mim e repleta de meus fluidos divinos, afasto tua presença docemente, embalando-o numa canção de ninar, para que nos braços da inconsciência idiossincrática, o eterno sono nos aproxime. Eis-me aqui, firme, forte, poderosa e plena, tão frágil, simples frágil, doce frágil de ardência que, adiante, queda-se em incontida imensidão.

Tal qual um Sagrado Cálice enebrio-me de mim para, plena de mim, você não existir. Está, não é, perfaz, não retém, em largos passos de identidade que se projeta, nos recônditos refúgios do que fui... um dia!

Sou?!!

Sou?

Duvido...

Apenas estou, assim, mesmo, sem qualquer transitividade no verbo, porque meu destino apenas aqui se grava como tênues passadas na areia cuja efemeridade o mar sempre põe à prova.

Se estou aqui, quem sabe, é porque não existem porquês. Sequer sentido existe em me enganar no mar de incompletas indecisões de uma vida que se acossou num bombardeio de sentidos, para, ao final, eclodir na presença do Divino apenas porque... não existe porquê...

A impermanência penetra em cada poro longínquo do meu pequeno grande espaço e se desaloja, sempre, sempre, nas estrelas de minha imensidão... Aceito-me como sou, reflito o ser em quem estou, caminho lado a lado com a incerteza que rodeia a vida, maravilhada com o mundo que se põe ao gosto, como uma loja de doces, para ser haurido em plena luz do dia!

Idas e vindas numa impermanência que sempre esteve aqui...

Sabe quando acordamos com tamanha sensação de plenitude e bem-aventurança que até o retorno de momentos e situações passam a ser vistas como a renovação do mundo dentro de nós?

Sim!

Enchemo-nos de júbilo, atravessamos as fronteiras de nossos nichos compactados de uma falsa sensação de segurança externa a tal ponto que achamos que tudo é diferente quando, consultando o vértice da impermanência, é nosso ego frágil a nos enviar novas lentes para que possa, mais uma vez, ludibriar nossa alma e se estabelecer como o monopólio de identidade e verdade.

Plenas, seguimos, firmes em nossas resoluções compassivas, olhando para o outro como se fora um ser que, de fato, nunca será porque simplesmente o que é é, sem que predicativos sejam necessários - predicativos são nossas experiências, alegrias e dores, a coroar a maneira como insistimos em "ler" o outro, quase sempre, de uma maneira que ele - ou ela - nunca será. Porque não é. Não são. Estão.

Somos nós.

Estamos nós, isso, sim, é o deslinde de impemanência que se propaga, como água pura, a nos dizer que estamos mudando e, dentro dos maravilhosos idos de mudança, o ar avassalador desmonta os castelos construídos em bacias sedimentares.

A beleza da Natureza em sua veste de sabedoria reside na maneira como nos ensina, pelo simples deslinde de si, o motu de impermanência. Tudo soa impermamente nos elementos...

A água, que leva tudo que ao seu leito se dirige.

O fogo que modifica estruturalmente o que tangencia.

O ar que esparge tudo por onde quer que vá e...

... ainda assim, a terra, que, com sua aparente imobilidade, observa o devenir dos dias, vendo nascer e fenecer todo o ser que em sua lápide natural deita a cabeça...

Contemplar a impermanência é, pois, olhar a mim e me enxergar no outro, olhando para ele como se, a cada instante, renovasse seus votos de benesses e atropelos. Afinal, estamos nós, sós...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Os ares de mudança

O ar é mesmo um ousado...

Chega com toda sua potestade e, sem a menor cerimônia, esparge tudo ao seu redor, num bailado frenético sintonizado com uma fina harpa universal, absorta nas manifestações de um mundo para lá de lúdico, que pulsa a partir da constância do meu coração a se regozijar com a melodia...

Entrar na energia do ar remonta voos ímpares em que nos lançamos na vacuidade e no desconhecido, rendendo devoção a algo magicamente inexplicável aos olhos fragmentados de uma razão que se cala para a robusteza do etéreo, pois o vento traz muito mais do que o deslocamento em face da diferença de pressão...

Traz os idos de mudanças internas, produzidas apenas porque nos permitimos deixar fluir o que existe de aparentemente seguro dentro de nossos corpos, soltando-nos em um eterno sentido de volatilidade. Afinal, quantos sentimentos, quantos amores, quantas alegrias e quantas dores vieram e se foram?

Se deixam marcas - as marcas da Terra que vinca - é apenas para nos lembrar da necessidade de não contenção da energia...Mas, assim como levam, trazem, um devir que nos transporta para nossos maiores deleites secretos, o colorido de uma realidade absurdamente mágica em nossas vidas, que apenas faz sentido para a alma que festeja...que celebra o ar...

A mudança e o igualistarismo do ar assumem ares democráticos na república dos elementos... um reino, quem sabe, afinal, tão sem sentido a burocratização da liberdade. Fiquemos com a plenitude da vaporosidade que não necessita de formatos para expressar o divino!

sábado, 20 de novembro de 2010

Café com Ícaro

Fique com seu café, pois meu desjejum tomo ao lado de Ícaro...
Voamos juntos para ver o mar!
Do alto de nossa robusta janela o Sol insiste e brilha
testemunha a radiância de uma intensa trilha
a deixar um mundo que já ficou para trás...

Esparramo-me no voo e sublimo-me em pleno alto,
Entoo, breve, aos quatro cantos
O intenso raiar de minha chama
Que se perfaz esvaecendo vertendo o fogo num bradar de prantos.

Lanço-me intrépida ao horizonte
Consumo da centelha as entranhas descobertas de meu mundo.
E com um sorriso intenso
e bailar profundo
Desprendo-me em sonhos rumo ao desterro

Sim... Ícaro!
Insculpe-me em seus atropelos em meio à sorte
Este, sim!
guerreiro desarmado que não teme a morte
Voa, pleno, em direção ao mar...
Afaga-me e me conforta em seus braços fortes
Adorna-me em seu peito heróico,
Entoando a sinfonia que só se assanha quando se sabe amar...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Eterno tempo de despedida...

Em tempo de despedida, não quero choro nem vela
Olhe apenas da janela e veja porque perdeu o mar.
Derrame suas lágrimas, mesmo que as esconda do mundo,
penetre em seu abscôndito profundo e se dilua na sinfonia do adeus eterno!
Depois disso, renasça, enfim, na paz!

Momento de calma inconstante,
tombada no passado tão distante
cujo sentido perdeu-se em meio ao descaso.
A dor que lacera hoje o meu peito,
a mesma que deseja todo esse jeito
de me afagar em seus braços.

Num alento doce e comedido
Encerra um beijo vendido
a me trocar por tantos lábios...
Vazio de tantas bocas,
donde promanam apenas o silêncio errante.
findo o elo e o coração pulsante
que o deseja, mesmo frio e distante...
Desarmou-se o cenário de um guerreiro em luta
que trava guerras impolutas...
de emboscadas perdidas em meio ao caos
Vivendo na mordaça do adeus
Num atropelo em que acena para fariseus
Diáconos purgados em seus mantras sem sentido...
O mantra da anestesia de caustica a culpa
Revestida em ódio, intempérie oculta
atropelo dos nefastos tristes olhos...
Que me olham ao longe, temerosos olhos
a me perder de vista...
Para todo o sempre...
É o adeus que chega, enfim, a coroar
Um dia após o outro a se fechar
A cortina da paixão simples e recolhida.
Acabou-se o sonho, quedou-se em pranto
Para ali na frente se recordar...

Egotrip da ilusão

Sabe aquela paixão avassaladora, tão avassaladora que chega a ser redundante em face do que é paixão? Pois bem, embalada numa dessas, penetrei numa egotrip digna de um filme de Stanley Kubrick... ela começou insinuante e ingênua, descomprometida e dócil... Seduziu pela aparente leveza, regada a desejo e vontade. Mútua vontade de devoramento...

Voraz apetite que cercou os indóceis amantes em um embalar de teias que, ao final, enredam-se em suas próprias mazelas existenciais. O torpor da paixão outrora profunda cedeu espaço para a superficialidade do encobrimento do outro, a partir da completa falta de propósito com si mesmo.

Comigo... mesmo...caindo em ciladas da mente condicionada, por vezes, nas aguras das relações dissimétricas de gênero que tão arduamente labuto contra.

Sim, pus-me na boca da guilhotina e, confesso, a lâmina somente não penetrou minha carne porque a alma, tão sucateada e malhada pelas experiências anteriores, empurrou-me escadaria abaixo, fazendo com que eu saísse do cadafalso de minhas armadilhas, não sem antes deixar verter um pouco, que seja, do sangue que seria derramado.

O filete rubro coloriu a escada, mas não foi o bastante para retirar de minhas entranhas o que persiste como fogo flamejante que acena a paixão pela vida. Pelo movimento, pela fluidez...a verdadeira fluidez, posto que não regrada pelas instituições que, por expiação, poderia distrair minha mente do que realmente importa: PERMITIR A CHEGADA DO AMOR...

Uma relação pós-moderna de descompromisso não está imune ao recorte de gênero, principalmente quando um dos participantes não se vê fora de si e, com isso, no automático, age no mais perfeito estado letárgico de reprodução da mesmice existencial do descaso patriarcal para com a ludicidade telúrica do feminino expoente...

Quando, ainda, age no estereótipo de pseudo-libertário, o viajante da egotrip, então, perde-se em si e, achando que está fluindo, perde-se no sentido do que entende de si, um ser sem sentido, num mundo sem sentido, condicionado apenas pelo propósito de escapar de tanathos por meio da apologia do id...

Doce id que, aos poucos, tenta seduzir o superego forte do indomável guerreiro, que intercala horas de atrocidade beligerante com o desarmamento amoroso do carneiro que se entrega... O forte e pesado soldado se ergue, lutando contra a areia movediça de seus recantos mais profundos, cuja dor ainda lacera e, de tão intensa, permeia os poros e se revela, no cheiro, para quem quer que aguce os narizes sutis do etéreo. Do não dito. Do que está escrito num rincão confinado no além-mar que o guerreiro bravo deixa embaixo do tapete, para que ninguém nele pise.

Pisar no escondido desvendado é espezinhar o calo doente...que doi...e, na dor incauta, produz a apatia de quem não se permite desvendar os mistérios do outro, porque, afinal, num mundo pós-moderno, os relacionamentos são como queijos na prateleira do supermercado: debruçam-se à escolha do freguês que vibra na lei de Gérson: ele vai lá, sem ninguém ver toma um pedaço, olha para um lado, para outro, pega um "tiquim" e, na maior cara-de-pau, devolve para a prateleira, na esperança vã de estar predisposto a experimentar todos os queijos disponíveis no mercado...