segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O livro de ouro da sabedoria silente

Outro dia encontrei escondido na biblioteca o exemplar de um livro de tiragem única, tão raro que sua existência era diuturnamente colocada à prova por todos. Muitas pessoas, em vão, tentaram acessar a obra, como vassalos do Rei-Pescador em busca do valioso Graal a restaurar a Soberania perdida.

Capa dura, ornada de ouro, cravejada de diamantes, não acreditei no que vi...

Duvidei quando minhas mãos trêmulas pela satisfação do encontro alisaram carinhosamente cada pedaço da frente do livro, achando que, depois, tudo iria se dissolver no ar, como mais uma peça de minha mente incauta.

Num impulso de querer me fazer unir àquela preciosidade, levei-o em direção ao meu nariz, tentando, sabe-se lá, que alguma traça ancestral pudesse sair dali para habitar em meu pulmão já tão cansado desse "ar puro" que já se faz pesado... Tabaco, canela, morte e vida. Dor e amor, paz, guerra, conflito e paz. Estavam presentes todos os aromas exalados pelo opúsculo que se prostrava para ser desvendado na confusão de cheiros que a mente tentava, em vão, catalogar.

Em átimos de segundos toda eternidade passou por mim, sacudindo meu corpo num lampejo atônito a sussurrar em meu ouvido que seria o momento de abrir o livro para saber o que estava escondido naquelas páginas. Olhei para um lado, retornei ao outro: egoisticamente suspirei ante o vazio daquela sala em que os ecos sibilantes de pardais atordoados eram minha única companhia.

No arrebatamento de tamanha felicidade, pérolas brotaram em um sorriso: eu estava sozinha, prestes a decifrar os segredos mais profundos do conhecimento humano...Quanta alegria poderia uma alma ser capaz de suportar diante do Infinito?

Ao abrir as páginas, uma surpresa: nada estava escrito naquele livro secular. Nem uma só gota de tinta foi ali disposta para registrar a História e a humanidade. Revirei, folheei, abri e fechei, desanimando-me a cada alva folha perdida para mim em vão, pois a frustração diante do Vazio foi inevitável diante do desejo de completude.

Sentindo o gosto de fel a penetrar em minha garganta, deixei a ira tomar conta de mim, aquecendo explosivamente cada centímetro do meu corpo e me lembrando que a paixão e a raiva sentam-se e se enamoram no mesmo banco de praça. Tive vontade de lançá-lo contra a parede, mas, diante da culpa antecipada, calei-me e apenas tremi, sentando-me quase desfalecida no chão frio do mármore sacrificial daquele sepulcro abissal.

Foi quando diante de mim abriu-se uma aquarela a desenhar no livro em branco algumas sílabas que iam se justapondo em singelas palavras de conforto, dizendo-me: "a sabedoria reside no silêncio". Entendi, então, que palavra alguma poderia ter sido escrita naquele livro, bem como resposta alguma seria revelada de maneira absoluta: foi quando descobri estar diante do livro da sabedoria silente, guardado na estante de nossa própria existência, escrito com a caneta dourada das experiências nossas, que são únicas...

Eis o silêncio...

Nenhum comentário:

Postar um comentário