quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O martelo e o cinzel

Dizem - são relatos quase míticos de bastidores, perdidas nos anais da historiografia oficial e, por isso, bem mais interessantes - que Michelângelo nunca conseguia entregar uma só encomenda no prazo avençado com o mecenato, pois sempre atrasava ou remarcava datas que não se cumpriam.

Como o resultado, ao final, era a obra-prima inquestionável, o máximo que os clientes faziam era resmungar um pouco, reclamar diante da demora, respeitando, por outro lado, a genialidade do nobre escultor que desejava romper a imperfeição humana e retratar modelos límpidos de beleza e beatitude (mesmo nas esculturas mais pagãs)...

Numa conversa com um financiador curioso, este perguntou ao artista como ele conseguia extrapolar o prazo, e, mesmo assim, no último minuto, com o fôlego lhe faltando nos pulmões, entregar uma magnífica obra : afinal, a "pressa" em esculpir com o prazo exíguo poderia trazer o atropelo da imperfeição, o que seria odioso para um gênio tão detalhista e perfeccionista como Michelângelo.

Pacientemente, ele respondeu ao interlocutor que seu ofício era simplesmente retirar os excessos do mármore em volta do que ele, dentro de si, já antevira na pedra... E, com isso, por mais que se "apressasse", sabia sempre onde lapidar, pois o final já seria o processo em si...

Diante disso, penso que uma das grandes dádivas da Vida reside na compreensão de nossos processos internos de gestação de obras-primas perfeitas apenas pelo simples fato de serem promanadas de nossas entranhas criativas, de modo que o tempo - ah, o tempo - possa ser apenas uma das inúmeras possibilidades.

Não para marcar o final de algo, mas para sinalizar para a perfeição do processo contida em nosso afã pela superação. Dentro disso, penso, o que vem antes, como preparação calculada em seus mínimos detalhes, constitui mera técnica, acessível em um livro qualquer. Mas os momentos finais...sim, são os momentos derradeiros que marcam a eclosão da obra mais-que-perfeita.'

Por isso, sejamos artífices de nossas invenções, nossas artes, nossos poemas e nossos artesanatos, sabedoras do final, antevisoras das magnifícas esculturas que já sabemos estarem lá.

No fundo, sabemos o que desejamos encontrar em nossos ofícios, bastando apenas retirar os excessos de pedras que colocamos no manuseio dos temores internos que nos levam a acreditar que existe uma punição para a magistral genialidade contida nos espasmos criativos que nos permitimos sentir...

Talvez, com isso, quem sabe, a formiga possa ter menos inveja da cigarra cantadora...

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