quarta-feira, 28 de outubro de 2009

LCD, DVD, PQP: as siglas do sucesso de uma felicidade virtual



Sinceramente?


Não sei o que LCD significa. Na verdade, não tenho a menor curiosidade em saber e, quando a vendedora da loja me persegue para ver a novidade do momento, o único impulso que tenho é de simplesmente desviar a rota... Mentiraaaa! Tenho vontade de sair correndo para debaixo da cama, na esperança de passar o pesadelo do cancro chamado capitalismo consumista (desculpem a redundância), que nos reifica e nos coloca como presas na frente de um vendedor doidão pela promoção a gerente...

Em relação ao LCD, sei apenas que é uma tela de onde saem dados decodificados, que se reagrupam e formam imagens...Nada mais. Não sei da qualidade de definição, do controle da imagem, do tubo, do som... Não estou a fim de saber. Ponto. Não, não, antes do ponto: não estou interessada em consumir mais uma inutilidade que anestesia a minha mente e me empurra, de maneira pré-elaborada, pança a dentro, um monte de informação chucrute, "facim, facim", em relação a qual eu nem precisaria refletir, pois, afinal, já tem alguém que faz isso por mim, trancafiado ou trancafiada numa bat-sala de controle por aí...

Por que eu haveria de pagar mais caro por um embuste? Afinal, quem enxerga não são os olhos, mas o cérebro! Portanto, antes de programar o LCD, o DVD, PQP!!! Desprogramemos a mente, para que ela, ao contrário, possa enxergar onde nunca enxergou, e retirar a poeira que turva a alma e demole o senso crítico. Taí, gostei da marca...

PQP, eis uma sigla interessante para os eletrodomésticos. Só pelo caráter libertário, eu compraria um produto PQP... Uma televisão desprogramadora, que tivesse um mecanismo de explosão - in locu - do programa demente e rebolativo. Imaginem só! Ou, ainda, um fogão a lenha PQP, equipado com o forno a lenha PQP e, quem sabe, o poço artesiano ecológico PQP. Isso, sim, seriam produtos de qualidade. Quem sabe, ainda, uma lavadora de roupas PQP, que se limitaria a... uma bacia...sim, uma bacia basta para quem quer lavar. Não é demérito ter as mãos grossas pelo contato com a roupa, ou, ainda, com a Terra.

E por falar em terra, produtos orgânicos PQP, vendidos no supermercado. Mas, ao invés dos rabanetes e das alfaces, os produtos orgânicos PQP seriam um kit com sementes, pás, rastelos e adubo, para aprendermos a plantar, saindo, assim, da penúria da dependência de quem explora a ignorância...

Produtos PQP, esses eu indico!!

O grito sufocado de um Dedo Libertário


Era um dia, como outro qualquer...

O Sr. Dedo levantou com o raiar de mais um nascer do Sol, espreguiçando-se à sombra de uma frondosa jaboticabeira, ao mesmo tempo em que bocejava num gutural som de despertar. "Vejamos as notícias de hoje" - esperando, afoito, pela hora da leitura do jornal matinal, regada sempre com um maravilhoso café da manhã.

"O prazo termina amanhã", "As cópias não estão prontas", "Que trânsito dos infernos" - foram as manchetes daquele dia, que disputavam espaço com as informações sobre tempo, política e relacionamento humano. "Nossa, como tudo permanece igual, dia após dia" - pensou, com uma certa dose de desalento. Nesse mesmo instante veio à mente a pergunta que nunca se calou: como pode ser possível viver uma existência toda num marasmo existencial, sendo sempre cobrado por suas ações?

"Seja firme, Dedo!" - "Aguenta, você sustenta tudo acima" - sim, essas eram as máximas do cotidiano de Dedo, que sempre era lembrado disso por seus pares, de modo a saber muito bem o "seu lugar" na escala hierarquizada e fortemente rígida naquela sociedade de castas que drenava seu sangue e o espoliava até a exaustão. Afinal, ali tudo funcionava como um maquinário, onde cada "peça" era apenas um elemento a fazer parte de uma grande engrenagem.

Dedo se levantava, tomava banho, assistia ao espetáculo da escovação de seu vizinho Dentes. Observava a tudo atentamente do "topo" de sua colina, mesmo que, para os vizinhos e amigos, Dedo morasse, enfim, na periferia. Aliás, para o jovem, isso apenas confirmava o jogo geopolítico que sempre apontou uma inversão entre localidades centrais e periféricas, dentro da qual, Dedo, Pé, o casal Tornozelos e demais convivas, faziam, ao final, reverências aos nobres companheiros do topo...

Dedo estava cansado disso... Há tempos, em uma informal conversa, confessara ao Braço que não mais estava disposto a seguir num regime de exceção, uma ditadura de classes dentro da qual, mesmo sendo importante, sua opinião era deixada de lado, em prestígio dos dirigentes. O General Cérebro Encéfalo comandava aquele país com mão-de-ferro, não admitindo consenso, harmonia, sequer diálogo entre os cidadãos. Era difícil a reunião. Dedo sequer conhecia o general: nunca o viu pessoalmente e o máximo que conseguira foi alcançar o Queixo porque existia uma vigilância enorme forjada em torno do Líder Máximo do país.

Depois de tanto pensar - sim, Sr. Dedo era nitidamente um ser pensante, com altas notas na escola e um brilhante futuro pela frente, se não fosse o regime de exceção a limitar "seus passos" (que ironia!) - Dedo decidiu colocar adiante um plano mirabolante e, ao mesmo tempo, perigoso. Iria ser o baluarte de uma revolução. Estava disposto a destronar o poderoso Cérebro e instaurar a democracia no país, pois desejava igualmente de oportunidades para todos os cidadãos dali. Convocou uma reunião com seus irmãos mais novos (Dedo era o primogênito e, por isso, mais respeitado na família), concitando também seus vizinhos da periferia. "Sim, meus amigos, somos quem sustenta esse país e devemos perseguir o respeito dos demais" - essas foram as palavras de ordem que Dedo proferiu, sendo aclamado por todos que estavam ali presentes.

"Mas, se pararmos de trabalhar tudo acabará" - ponderou Joelho, a seguir. "O país conta conosco para que possamos ganhar nosso pão. Isso é um suicídio, Dedo!" - advertiu, sendo aplaudido pelos que estavam preocupados com as represálias.

Dedo refletiu, parou por aqueles segundos que representam uma eternidade... Olhou para cada um dos presentes, coçou a cabeça e suspirou: "Sabe o que mais me agradava em nosso país? FELICIDADE. E hoje, o que mais me entristece? Saber que, ao final, não vivemos uma felicidade plena, porque nos permitimos, sob tortura, ficar ao jugo de um tirano que destronou nosso Monarca. Sim, senhoras e senhores, tenho saudades do tempo em que Coração reinava num parlamentarismo constitucional. Tenho saudades de nossas assembléias, onde conversávamos, todos nós, em harmonia, e agíamos na uniformidade de espírito, sendo UNOS, e não fragmentados..."

"Longe de vão esse dias e, por certo, se não fizermos nada, morreremos sem atingir a consciência do que é o viver. Por isso, pedirei o apoio de vocês e me oferecerei em sacrifício. Vou, sozinho, para a guerra" - afirmou Dedo, já reunindo seus pertences para a batalha final.

Os membros silenciaram... Nada mais seria dito, porque, de fato, estavam esperando que alguém se oferecesse para o sacrifício. Faltava a todos a coragem que sobrava naquele baixinho chamado Dedo...

A possibilidade de malograr êxito era alta, porque os portões do Castelo do Casal Mente e Cérebro eram guardados por uma série de mecanismos de defesa: medo, espanto, ansiedade e toda sorte de sentimentos que eram mantidos como soldados de reserva e manipulados pelo poder do tirano, que se escondia para não ser encontrado, enfrentado e destronado.

Mas, mesmo assim, Dedo partiu, com a certeza que não mais voltaria para sua casa, porque a opção, dali para a frente, seria a morte ou a libertação. Com essa certeza, Dedo lançou um último olhar lânguido para sua casa, despediu-se dos irmãos e dos membros e partiu para sua jornada solitária, certo que, dali para a frente, encontraria seu destino...

Depois de 2 dias de caminhada, sendo criticado, advertido e ironizado, Dedo deparou-se com a estrada do castelo e, em sua frente, uma placa, dizendo "Não ultrapasse, campo minado" - Lembrou, então, que ali era zona de combate no passado e que deveria ter cuidado, pois muitas bombas poderiam explodir naquele local. Controlando a respiração, Dedo se lançou, vagarosamente, rumo à trajetória que escolhera para sua vida: iria contestar o domínio de Cérebro e fazer romper, dali, uma chuva de democracia em seu país.

Com a alma cheia de certeza e coragem, Dedo não teve tempo de se desviar de uma pequena mina, que explodiu e o atingiu, em cheio, bem no peito... Em meio a tanto sangue espesso e vívido à sua volta, Dedo olhou ao seu redor e se lembrou da época em que era apenas uma criança... Não precisava doar suas entranhas para uma jornada de robotização, pois o mundo era apenas o quintal e a jaboticabeira...

Sentia frio e não conseguia mais se mexer... "Vou morrer sem conseguir completar minha jornada" - pensou, ao mesmo tempo em que sentia uma daquelas lágrimas que caem sem querer de nossas faces, aquelas que orgulhosamente negamos, mesmo que desejemos vertê-las...

Quando já sentia a morte chegar, Dedo ouviu um pulsar se aproximando dali... "Bum-bum, bum-bum, bum-bum" - em passadas largas, afoitas, porém seguras e certeiras. Ao levantar os olhos, Dedo viu caminhando, em sua direção, o Grande Rei Coração, seguido de perto por todos os membros de seu país que, convocados, foram à guerra deflagrada por Dedo.

"Pé, Dedos, levem Dedo para a enfermaria" - bradou o guerreiro real enquanto lançava um sereno olhar de gratidão para o pequeno: "Meu amigo, você fez o mais importante, merece descansar. Graças a você a à sua indignação aprendemos aqui a nos solidarizar, a sentir e vivenciar a compreensão de um mundo de UNIDADE DE ALMA. Muito grato por você despertar isso, meu amigo! A Era da Mente acaba aqui hoje, para que o pulsar do Coração volte a unir a todos..."

Seguido pelos membros, Coração avançou, enquanto Dedo ia, feliz, para a tenda, a fim de receber o bálsamo que iria, dali a pouco, restaurar seu peito e cicatrizar suas feridas.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Homo demens

O assunto em cima do qual debrucei-me por toda essa semana relaciona-se a todas as referências a mim como uma pessoa "surtada", ou "louca". Vá lá, até de "excêntrica" já fui chamada, lembrando que excêntrica é quem sai do centro, não é mesmo?

Tudo por conta da desprogramação mental de um mundo de puro lixo e que, às vezes, muitas vezes, tentamos encobrir para que se pareça com algo "bonitinho", apenas para justificar nossa falta de coragem em romper com as limitações que nossa mente tenta impor ao coração. Pronto, essa frase é já o bastante para os que apontam o "surto psicótico" que tomou conta, segundo falam, da minha alma.

De início, preocupava-me... Talvez, hoje, ainda me preocupe com isso - sim, acho que o fato de ficar escrevendo e-mails e postando textos no blog ainda são um claro sinal de inquietação em relação a isso, porque, se realmente desapegada eu estivesse do meu ego que necessita de auto-afirmação, minha face não se modificaria um só centímetro.

E mais: não acharia cansativo e repetitivo ficar falando, o tempo inteiro, o que a palavra "surto" significa para quem, de maneira desavisada, não respeita, de fato, a opção de uma pessoa em simplesmente não querer mais um caminho. Mas, enquanto não entro num consenso com meu ego saltitante, prefiro transformar o sentimento de "bicudo" em texto, a fim de compartilhá-lo com as pessoas.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Senhora dos olhos vendados, tira e venda e veja quanta mentira!

Toda a vez que me deparo com um processo, tenho vontade de chorar... Chorar pelas árvores que caem para servirem de matéria-prima para as petições ctrl c + ctrl v de pessoas que se locupletam em cima das idéias dos outros.

Chorar pela arrogância com que alguns (claro que não são todos, mas, surpreendentemente, os que se colocam em minha frente) membros de Poderes se colocam acima do Bem e do Mal, fazendo valer apenas o vazio de suas almas que jazem na mais perfeita escuridão.

Não acredito que seja feita justiça... Aliás, quanto mais estudo Antrologia, mais saio da robotização que um imbecil plano normativo kantiano insiste em cadavericamente se manter. O mundo real não se opera no dever-ser porque somos, e simplesmente não devemos, ou não quermos dever: isso é a própria negação do SUJEITO em si... E, ainda por cima, em cima de puro sofrimento...

Sim, o Direito regula sofrimento, ele existe para regrar sofrimento...Vivemos como urubus, tripudiando da alteridade, zombando da dor alheia e jurando que somos os senhores e as senhoras dos destinos da humanidade!

O Direito deixou de ser a alta e alva torre de marfim... Não tem mais graça: nunca teve, mas, talvez, minha mente ainda insana tenha acreditado que, algum dia, seria possível tornar a vida de alguém mais plena por decisão judicial. Que ingenuidade achar que bonitas palavras (somente entendidas por quem se "adestra", como um poodle circense, ou talvez, uma "foca", nas "artes" secretas da retórica - quase sempre de quinta expoência). Que meus clientes sairiam satisfeitos, mesmo não entendendo "necas" do que e falado em tanta água que corre das salas e dos gabinetes..."ad argumentandum tantum", "per via de consequentiam", "data venia", "ex nunc" e "plic ploc" (esse é invenção minha, a língua do meu país de origem, não liguem).

Talvez estejamos a brincar de exercício de poder: advogados, advogadas, promotores, promotoras, juízes e juízas...

Quando encontrar com a Deusa da Justiça, pedirei a ela que tire a venda e veja quanta mentira é produzida em seu nome!!!

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Cobrando dos outros o que se exige de si


Mahatma Gandhi sugeriu certa vez: "Seja você a mudança que pretende ver no mundo" e sempre pensei, com isso, que a idéia seria cada qual saber de si e, com isso, a conscientização se fazer de dentro para fora, pouco a pouco, individualmente (individual enquanto ilusão de ego).

Não importa, o que é claro para mim é a certeza de não podermos incidir em uma opressão do outro, sob qualquer hipotése, ainda que sejam nobres os motivos, lembrando sempre que o enunciado de "nobreza" igualmente possui diferentes compreensões, de acordo com o que cada cultura cria como universo simbólico, religioso, social etc.

Por isso, mesmo sendo uma pessoa sensível ao vegetarianismo, à auto-sustentabilidade e à conscientização, achei muito doida a situação de "cobrança de conscientização", quando, a interlocutora - supostamente engajada em uma organização não governamental - pretendendo conscientizar meu namorado sobre o impacto do consumo de carne, foi indagada: "Tudo bem, mas você come carne?"

A resposta, que me espantou muito, foi o SIM da pessoa. Não por ela comer carne. Nada contra, afinal, uma pessoa comer carne (sou vegetariana e não acho legal proselitismo opressor, é tão radical quanto o mais reacionário discurso pró-Nhacdonald's), pois é direito dela...

Mas, creio, uma organização não governamental direcionar uma pessoa carnívora para fazer propaganda de conscientização sobre carne é, no mínimo, algo que aponta para a necessidade de reflexão em relação à coerência...

Ela poderia participar de todas as campanhas da ONG, mas, exatamente de uma sobre a carne e o desmatamento, não....
Não se extorque vontade. Não se oprime para conscientizar. Com isso, o uso do verbo no imperativo - "faça isso", "faça aquilo", "deixe de fazer" - soa como atentatório à liberdade. Cada um tem uma linha de pensamento, ação, um posicionamento. "Evolução espiritual" é uma expressão de largas fronteiras, mas que, ao meu entender, tem um único sentido: respeito à opinião e à evolução individual...
Ser objetivamente vegetariano não transforma ninguém em bodhisatva: já convivi com pessoas extremamente apegadas à idéia de vegetarianismo "a fórceps", e que, por isso mesmo, longe de se desapegarem, manifestam o puro apego à idéia...

Vai aí o alerta geral!

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A arte zen de desmontar as armadilhas da mente

Um koan é um enigma absurdo para a mente analítica e racional, cuidadosamente preparado para que percebamos as limitações da mente, da lógica e do raciocínio, desentrelaçando, assim, a consciência superior e transpondo, com isso, as barreiras das limitações físicas, emocionais e mentais.

A compreensão de um koan não se faz com a lógica: essa, ao contrário, limita o conhecimento, cataloga, fragmenta, restringe... Não adianta o cérebro aqui, gente!

"Qual a imagem do seu rosto antes de nascer? Você consegue vê-la?"

"Um cão possui a natureza de Buda? Mu"

"Você pode produzir o som de duas mãos batendo uma na outra. Qual o som de uma das mãos?

"Não tente entortar a colher, é impossível. Em vez disso, tente se dar conta da verdade, a colher não existe. E verá que não é a colher que entorta, é você" MATRIX.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O trabalho enobrece a alma...quem disse??? Locke?


Estava um dia desses lendo o pessoal que deu origem a posterior compreensão de um mundo pautado na apologia do trabalho como um meio de alcançar Deus... Li um pouco de Locke, outro tanto de Weber (adorei, achei pertinente o desvendamento da lógica protestante).
Daí me peguei a pensar no grande e profundo contingente de pessoas que simplesmente vegetam em seus ambientes de trabalho, sem a menor satisfação, apenas porque se convencem que o dinheiro, ao final, compensaria todo o despropósito de uma vida de mesmice e sofrimento no apego...
Ser ferramenta de um mundo maquinário é, sobretudo, ainda encontrar desculpas para se manter na programação. "Tenho que manter o básico" daqui, "a gente precisa sobreviver" de lá. Mas, dentro da vassalagem ao vil metal, não se SOBREvive, mas, antes, SUBvive-se num mundo de completa escuridão.
Quantas vezes nos deparamos com os questionamentos sobre o que fazemos nessa lógica perniciosa? Quantos e quantas de nós conseguem se desprogramar de um condicionamento tão profundo e centenário?
O quão longe podemos ir? E o medo de arriscar?
Não sei...
Não acredito ou sinto que o trabalho enobrece alguém. O trabalho forçado, às custas da integralidade da alma que busca a evolução não pode cruzar o mesmo caminho da usura e da sodomia monetária. E não existe MAS.
Não passa, criamos isso e aceitamos essa anestesia, porque simplesmente não ousamos fazer melhor. Não ousamos dar vazão ao nosso lado cigano e andarilho, que vai e volta, vem e se vira, porque nossos antepassados assim faziam.
Não temos mais garras, "evoluímos" para a tecnologia que destrói, para o papel higiênico que perfuma nossos traveiros e, sem que percebamos, nos mata com tantas bactérias.
O que enobrece a alma é o conhecer descompromissado, a experiência por ela, e não como meio a outro fim que não seja a contemplação do mundo. Nada mais...

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O que realmente vale a pena nessa vida...

Todo dia é sempre um mesmo expediente burocrático que a vida de "gado" faz conosco...

Acordamos, quase sempre sem querer, porque nossa alma anseia por algo muito mais profundo do que a alienação da mão-de-obra para lutas com as quais não concordamos...Escovamos os dentes, fazemos uma liturgia sempre bem cadenciada, para, depois, lançarmo-nos no "maravilhoso mundo do ganha-pão", sem sabermos que, pouco a pouco, gota a gota, nosso sangue se esvai de nossos corpos, tomado de sola pela pasmaceira de um cotidiano virtual, mecânico, sem novidades, previsível em seus mínimos detalhes e enfadonho em seus propósitos.

Saímos, trabalhamos, achando que nossa atividade mecanizada trará melhorias para todos... Ledo engano, nada pode melhorar numa lógica de puro engano e egoísmo, porque, de fato, o bem do outro é apenas o discurso que ilude nossa alma, para, ao final, nos impulsionar ao abismo da solidão.

Encontramos pessoas, quase sempre em seus mundinhos, vibrando essa mesma energia. Carros, motos, viagens, roupas caras e chiques, festas, sensações e sentimentos de puro vazio, que é preenchido pela roda viva de reprodução do consumo desenfreado, que tenta, tal qual os meninos nas estradas esburacadas do Nordeste, tapar os buracos que eles (nós) mesmos reforçam.

Almoçamos, ouvimos a família, comemos a sobremesa. Trancamo-nos nos gabinetes, nas salas, apertamo-nos nos carros quentes, nas estradas quentes, nos engarrafamentos quentes, na esperança de, algum dia, quem sabe, nossa alma se entregar a isso, pois, sem isso, sentimo-nos impotentes perante a lógica pérfida do materialismo.

Buscamos o status, o reconhecimento em relação a nós, sem, contudo, muitas vezes, sabermos até quem somos. Porque não sabemos, não temos condição de saber, de uma vez, quem somos, num caminho de tanta transformação...

Vamos ao fórum, damos boa tarde ao porteiro. Entramos numa audiência, já sabendo que tudo que será ali julgado foge do direito, se é que algum dia isso realmente existiu...quem sabe tudo não passe de um holograma, uma imagem projetada na mente de todos nós, na qual acreditamos, e pela qual damos a vida, sem sabermos que, dentro disso, nem vida mais temos.

Hora do lanche, oba! Pensamos que estamos a fugir, mas, de fato, corremos, mais uma vez, para os doces braços e abraços da ilusão de fuga, sendo engolidos pela sensação rápida de estarmos "dando uma escapadinha" desse mundo. Olhamos o relógio - sim, claro, precisamos de um relógio a comandar nossa vida, porque, há tempos, não mais olhamos o Sol... Apagamos o sol e sua medida de nossas vidas, e agora estamos apagando o que ele representa em nossa sobrevivência.

Voltamos ao escritório, cheios de cópia e papéis que fizeram tombar árvores. Papéis que, mais adiante, farão homens tombar, dada a frustração de uma das partes que, já insatisfeita, recebe ainda mais frustração da vida, num Judiciário macabro e falsiforme, corrompido pelo fracasso do homem em se conhecer e reconhecer no outro. Conversamos com os colegas, tiramos onda, fazemos pactos de verdadeira miséria e mediocridade, dia após dia, hora após hora...

Vamos, ao final, para a faculdade, enganando... Fingindo dar aula, fingindo receber lições, porque, de fato, a mente não está ali. Uma mente consciente não pode, realmente, habitar outro plano que não o céu. Uma sala de aula é um espaço diminuto para uma alma que precisa se fazer livre para ser feliz...

Nesse giro da roda da vida, da vida de gado, voltamos, ao final, para os braços de Morfeu, esperando a virada do dia para que a mesmice retorne, tal qual o dia anterior, na metódica ciranda da vida.

O que vale a pena?

O que tem valido a pena?

A morte de uma vida que já vinha moribunda, mas que, com sua passagem meteórica, tem se mostrado natimorta.

O que vale a pena para mim é o amor...

Apenas isso, porque no amor me realizo na expressão de mais sutileza, pureza, sinceridade e honestidade de alma. No amor não preciso girar no giro da roda da mesmice...não preciso fazer parte de algo em que nunca acreditei.

Nada mais. Tudo, para mim, que foge disso, afasta-me de minha alma, de minha luz.

Nasci e vim ao mundo para amar... Para aprender a amar...

É isso que me preocupa hoje: COMER (para manter a carcaça até os últimos dias) - REZAR (como expressão de consciência do Todo, que ne renova, em deus, na deusa e na natureza) e AMAR (como linguagem universal). Não estão na ordem, porque, de fato, esse é o nome do livre de uma jornalista americana que, assim como tantas pessoas, largou tudo para ser feliz consigo...para se realizar.

Estou pensando muito nisso - que estou cansada do que estou fazendo, encontrando a mesmice da minha alma, que se renova a cada rosto em que me encontro. Tenho por certo que mesmo diante de todas as dificuldades pelas decisões que estamos tomando, o caminho do amor é sempre edificante!

Estou cansada, num lindo dia de segunda-feira, da pasmaceira do viver fora do mundo de paz em que me encontro...