segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Quando o vento da mudança desmonta a pasmaceira do agressor de gênero...

Dia 8 de março está chegando e, com ele, providencialmente o vento da mudança.

No meu caso, a ventania que desmontou toda a estrutura frágil em que minha compreensão de relacionamento com o masculino, UM masculino, assentou-se.

Refiro-me a um masculino que vocifera palavras silenciosas que tentam minar, aos poucos, a autonomia do feminino. Um masculino que, não suportando contestação diante de sua lógica pérfida - que já matou, degolou e aniquilou muito na História - não descansa enquanto não submete...

Um masculino que utiliza do expediente da dissimulação para desarticular a força, o empoderamento, a autonomia...e que, com isso, sela o início de uma tentativa tosca de locupletamento da alma feminina, com a finalidade de ofuscar a estrela que não pode ter...

Mas esse masculino, enfim, esse pífio pedaço de carbono...não desmantela o que está arraigado com força ao solo. A força vital que me liga, por entranhas, ao que existe de mais sólido: a (in)compreensão de mim, na fortaleza do que é ser-sendo...

Para esse ser abjeto, apenas o recado...

Para que eu possa fenecer precisa muito mais do que palavras...e gestos...

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Nem tanto céu, nem tanta terra: da transcendência que imana para o mundano que se reconhece

Reza a lenda ser preciso um marco contundente para que a vida seja observada de uma maneira diferente. Uma espécie de "sinal" muito forte para nos fazer - ainda que seja na marra - impulsionar nossas vidas de modo absolutamente diferente do que usualmente estávamos acostumadas, abrindo, assim, uma verdadeira "fenda" a dividir a vida (e não raro, o coração) no ANTES e no DEPOIS.

Para algumas pessoas isso vem na forma de doença letal, vencida com luta e energia, pois, no caso, é a própria vida que pede por mudanças drásticas. Para outras, vem na perda de um ente querido, pois, nesse caso, foi o esvaimento da vida que produziu a retropectiva em relação ao que poderia ter sido vivido.

Restrospectiva ou culpa? Já não sei mais, porque, de tão "racional" na formulação de escusas, negligenciei o básico: emoção, hormônio, instinto, vontade de poder. O primitivismo que, um dia, uma pessoa bem me lembrou ("és primata"), mal sabendo que, com isso, ao contrário do que poderia supor, trouxe a lume uma genial percepção que, muitas vezes, negligenciei! Primata, primata, primata! Enfim, voltando...

Outras, contudo, sofrem acidentes, perdem membros necessários às tarefas básicas, tendo que aprender a se adaptar à nova condição. Dentro dessas perdas de membros incluo a perda simbólica - e física, por que não? - do CORAÇÃO, por ocasião de uma avassaladora situação que, além de trazer sequelas físicas inapagáveis da mente, traz a perda do músculo mais forte do corpo.

Não, não se trata de destruição do músculo, de pulverização de sua carne, mas de perda mesmo.

Daquela sensação de não saber por onde anda o coração que saiu do peito num baque forte o bastante para impulsionar o órgão para um lugar bem distante.

Na caixa toráxica, apenas um vazio e a sensação de se estar imersa numa grande massa amorfa de sentimentos sobrestados, que estão do lado de fora mas que não podem mais ser sentidos porque, enfim, o coração sumiu...

Tentando reavê-lo pedimos aos céus.

Alguns pedem a Hades, aos deuses e às deusas, não importa, pois, ao final, trata-se de uma saída de si para uma concepção de transcendência do aqui e do agora, pois, quem sabe, numa dessas viagens astrais, o músculo pode ser encontrado vagando em uma nuvem repleta de seres celestiais com suas harpas.

Com peitos vazios pela falta do coração, "saltamos" para um além que se projeta como esperança e expectativa, barganhando dádivas com uma comunidade deídica que apenas reproduz, como os vários panteões que se acotovelam no éter, as mesmas ladainhas a que estamos acostumadas nas liturgias de purgação de culpa que nos levaram às fogueiras.

Ou, então, desoladas pelo silêncio que não conseguimos interpretar (por mais que meditemos, deixemos de comer carne putrefata etc.), cansamo-nos também da transcendência e nos vemos como deuses e deusas, na mais alta conta de nossa atividade imanente...

Ateísmo proselitista, agnosticismo, não importa, pois, de fato, a vinda para o lado de cá marca também o reconhecimento de inexistência de qualquer "saída" de coração: músculo não se locomove sem impulso, é o que nos aponta a "racionalidade" iluminada do séc. 18!

O mais interessante dentro desse embate dialético do transcendente e do imanente resume-se na singularidade de como, ao final, os movimentos, ir para lá, voltar para o aqui e o agora, marcam a mesma fala, pois o ponto em comum não deixa de ser...o CORAÇÃO!

Sim, lembram dele?

O órgão que sumiu, evaporou e cujo destino nem a transcendência, muito menos a imanência, conseguem explicar, de tão ocupadas em se firmar aos olhos da humanidade.

O que resta?

Nem lá, nem cá, apenas o reconhecimento de si. Estar no mundano é, de fato, o primeiro ato digno em termos de localização do mapa de acesso ao coração que se perdeu. Reconhecer-se nos pequenos atos que se somaram até a chegada aos pontos de eclosão das pequenas tragédias de nossas vidas.

Enquanto estava lutando pela minha durante esses dias de guerra com meu corpo, com meu amor (não o outro, a pessoa, mas meu sentimento, aquele que é meu, sabem?), não foram os vocábulos encapsulados em rezas, mantras e orações que me impulsionaram.

Muito menos não foi o abraço à mera irascibilidade que me fez esquecer do que, um dia, acreditei...

Foi o sentimento, a gama de sentimentos confusos - emaranhados, de amor, ódio, vergonha, tristeza - que, olhados de frente e sem pudor, movimentaram a minha alma (se é que existe uma) para o desenlace dos braços da Morte. Isso é nascer de novo... O resto, conversa de conto infantil.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Oficina da Maria da Penha

Confirmadíssima a data, dia 25 de março, com tempo bastante para que possamos programas nossas agendas para uma oficina sobre a Lei Maria da Penha, que abordará as questões principais sobre a constitucionalidade (acreditam que AINDA existe essa discussão), dialogando com as categorias de gênero e violência doméstica.

Inté!

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Nova safra de contos e picardias

Depois de uma tsunami, tempo de bonança! Com ele, a renovação dos posts do blog, pois decidi compartilhar meus contos e minhas picardias mais engraçadas. Claro que se trata de ficção, mas, enfim, qualquer coincidência não será meramente coincidente...será sincrônica e colidente!

Portanto, preparem a pipoca, façam ginástica facial, porque a ideia é rir bastante das aventuras e desventuras no maravilhoso universo do descalabro patriarcal em decadência!

Boa semana!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Sobre o estelionato emocional e outros ensaios

Tod@s já conhecem, ao menos por alto, a figura do estelionato, descrita no art. 171 do Código Penal Brasileiro, de acordo com a seguinte redação: "Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento".

Trata-se de um crime de astúcia, ou seja, que não verte sangue, perfazendo-se por meio da dissumulação, do ardil, do embuste, com a finalidade de auferição de benefício que, segundo a doutrina, tem conteúdo ou expressão patrimonial ou dimensão econômica.

Delito praticado pelo uso da potencialidade discursiva, mental, onde o algoz, quase sempre vestido de capa de bom moço, erudito, sedutor, engendra formas de submeter a vítima aos seus propósitos, no intuito de se locupletar emocionalmente de uma história de "amor" cujos dividendos apenas se direcionam ao "bom mocinho".

O sujeito ativo, ou seja, o ofensor, pode ser tanto um homem quanto uma mulher, mas, por motivos de pura epifania e deleite, hoje irei falar do estelionato emocional praticado no âmbito da violência de gênero e doméstica, por reconhecer que, historicamente situada, essa foi e tem sido a mais constante modalidade de agressão, em face da obviedade da tradição de sodomia emocional do feminino.

Na real? Danem-se os estelionatários emocionais, pois, hoje, minha língua ferina está alocada para esses mocinhos que vestem roupas de anjos, falam manso e, por trás das vestes talares, são pessoas frias, calculistas, incompetentes emocionais que necessitam plugar o cordão umbilical - ou cravar os dentes - em uma mulher empoderada (de preferência) para existirem. Todo estelionatário emocional é um vampiro, por excelência.

O que me interessa, por agora, é dialogar com a dimensão emocional, ainda não convertida em delito, do que seria um estratagema voltado para a usurpação emocional da pessoa, ou seja, o chamado "estelionato emocional", presente em inúmeros casos de violência doméstica, que demanda cuidado e, infelizmente, ainda não está previsto em lei, não obstante a Lei Maria da Penha fazer menção direta a essa modalidade de violência.

No estelionato emocional, o alvo é a integridade psíquica da vítima, que é atacada, pouco a pouco, por meio de um processo de esfacelamento e desintegração da sanidade. Quem já não ouviu de um canalha desses o clássico "você está louca?" após serem descobertos em alguma falha no plano "perfeito" de desestabilização da ofendida?

O ciclo de violência começa com o ataque à mulher enquanto ser pensante e atuante politicamente: o estelionatário aprecia o lado "meiguinho", doce e sereno da "amada", não suportando as reações da vítima diante das manobras fraudulentas. O bandido toma isso como ato de agressividade quando, a bem da verdade, trata-se de ato de legítima defesa diante do ataque sofrido. Daí o ardil tomar outra forma: a de extirpação, ódio e violência recalcadas em mais e mais demonstrações de manipulação.

O estelionatário tem sempre o dom da palavra e possui múltiplas personalidades, beirando uma estrutura de sociopatia. Afinal, precisa cativar a vítima e, diante da pluralidade delas, ele necessita formatar o discurso.

No ano passado tive a oportunidade de encontrar uma figura dessas - um bom moço, cursando uma faculdade de ponta aqui na cidade, fazendo mestrado, envolvido com causas sociais e, acima de tudo, com uma lábia de fazer inveja a qualquer membro eclesiástico. Aliás, sem ser lombrosiana - apenas para não perder a piada - ele parecia um seminarista, pois falava pausadamente e revelava uma erudição ímpar, envolvente.

Envolvimento. Eis a dinâmica do estelionatário emocional, pois sendo frio e calculista, ele não se permite aprofundar emocionalmente os vínculos firmados com a vítima. Capta a fragilidade e, dentro dela, nada de braçada, escaneando os pontos que poderá explorar, quando tecer suas teias de histórias inverossímeis.

Esse percurso etnográfico - foi uma pesquisa interessante - levou-me à compreensão desse nível simbólico de violência, dada como sutial, mas que, diluída em doses homeopáticas, cega, fere e pode até matar.

O alvo? Mulheres empoderadas, dado o ódio feroz nutrido pelo feminino. Aliás, o estelionatário emocional odeia o feminino e faz questão de submetê-lo ao seu jugo, pelo simples deleite de integralizar alguma perversão que internamente nutre em relação ao suplício cometido. Assunto para mais outro post.

Parceria com Templo de Avalon

Mais um vez a genial Rowena surpreendendo a todos e todas com novidades no site do Templo de Avalon! Desta vez, uma página dedicada à divulgação de obras.

Achei MA RA VI LHO SA a formatação!

Convido tod@s para uma passadinha por lá! Boa leitura!

http://www.templodeavalon.com/modules/mastop_publish/?tac=Loja_Virtual

Manifestações de mulheres são «subversivas», diz Berlusconi

Seria CÔMICO, se não fosse TRÁGICO! Postando essa misoginia...

O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, classificou hoje de «vergonhosas» e «subversivas» as manifestações realizadas no domingo em várias cidades do país para defender a dignidade da mulher.

«São mobilizações subversivas, partidárias, contra a minha pessoa e impulsionadas por uma esquerda que utiliza qualquer meio para tentar vencer um adversário que não consegue vencer nas urnas», afirmou Berlusconi, durante uma participação telefónica no programa de televisão «Mattino Cinque».

«Pareceu-me um pretexto para apoiar um teorema judicial que não tem nada a ver com a realidade, uma manifestação partidária contra a minha pessoa por parte de uma esquerda que se vale de todos os meios possíveis para acabar comigo», disse ao programa da rede Canale 5 que pertence ao seu grupo, o Mediaset.

«Todas as mulheres que me conhecem sabem que tenho muita consideração e respeito (por elas)», acrescentou.

Centenas de milhar de italianas manifestaram-se no domingo em todo o país para dizer «Basta!» a Silvio Berlusconi, ao considerar que a dignidade das mulheres está a ser atacada pelo escândalo conhecido como Rubygate, que envolve o chefe do governo italiano.

Turim, Veneza e Palermo foram algumas das cidades cujas ruas são palco de novos protestos convocados pelo movimento social do Povo Violeta («Popolo Viola», em italiano), um dos mais críticos do líder.

Além das cidades italianas, estavam previstos protestos também em Amsterdão, Bruxelas, Londres, Nova Iorque, Zurique (Suíça) e Manchester (Reino Unido).

Na semana passada, a Promotoria de Milão solicitou o julgamento imediato por suposta concussão e incitação à prostituição de menores. A investigação apura os supostos serviços sexuais da jovem marroquina Karima El Mahrug, prestados a Berlusconi quando esta ainda era menor de idade, assim como a intervenção do primeiro-ministro junto à polícia para libertar a jovem depois de esta ser detida por roubo, em Maio de 2010.

«Sempre tentei fazer com que todas as mulheres se sintam especiais», afirmou. Berlusconi mostrou-se convencido de que as mulheres têm «algo mais» que os homens e sentenciou: «São sempre melhores na escola, são mais inteligentes e estão mais preparadas, são mais responsáveis e chegam à solução dos problemas sem tantos rodeios».

http://www.netmadeira.com/noticias/mundo/2011/2/14/manifestacoes-de-mulheres-sao-subversivas-diz-berlusconi

Odisseia de um médico-monstro: a pequenez da infância

Adailson acordou naquela manhã acinzentada atrasado para a escola, assustado pelo grito incessante de sua esforçada mãe, que preparava com esmero o simples e fumegante café-da-manhã para seus três filhos.

Abandonada pelo marido após anos de dedicação e sacrifício, não lhe sobrava muito ao final do mês, mas, zelosa, nunca deixava faltar à mesa dos filhos um bom café preto com pão e manteiga: o bastante para enganar a fome de todos, ainda que por alguns parcos momentos até à espera do feijão ralo do meio-dia.

O deleite de Adailson resumia-se em molhar o pão no líquido adocicado, na esperança de mudar um pouco o gosto da manteiga de terceira que comprara para sua família no dia anterior. Não era muito o que ganhava como vendedor de balas no sinal, mas a ajuda que prestava à mãe e o sorriso nos lábios dos irmãos o estimulavam a querer ser alguém na vida, na ambição comum àqueles que sobrevivem no desalento da periferia.

"Anda, mininu!" - esbravejou Dona Firmina - "Tu vai atrasar para a escola!" - a preocupação da zelosa mãe com a vida escolar do filho não era aleatória, pois sabia que Adailson tinha dois grandes sonhos em sua vida: passar em um concurso público e fazer Medicina, objetivo não muito fácil de ser alcançado pelas pessoas daquele nicho social.

Ela não media esforços para encaminhar o filho mais novo, já que Adailson era a promessa de um futuro melhor para toda aquela gente. Animada pela esperança, Dona Firmina já não contava mais os calos que brotavam insistentemente de suas mãos, preocupada que estava em entregar as encomendas de roupas lavadas às clientes "bacanas" dos bairros chiques que deixavam com ela suas fartas trouxas semanalmente.

Enquanto olhava a mãe torcendo as peças de roupas nobres que traziam os cheiros de perfumaria francesa, Adailson pensava no quanto desejava morar em uma daquelas casas "chiques" e sair daquela pobreza. Não suportava o cheiro de aspereza que se misturava com Givenchya cortar o ar da periferia que tanto odiava: nessas horas lembrava, com raiva e mágoa, do pai que anos antes abandonara a família para viver com a amante grávida.

A família repudiada girava em torno do adolescente crescido imerso na ideia de ser o grande "gênio" da família. Suas notas, seu desempenho escolar, sua precocidade e inteligência racional eram objeto de constantes elogios na escola, inflando, cada vez mais, o pequeno ego daquele ser que respirava Medicina por todos os poros. Não sabia, ao certo, se desejava seguir a Cardiologia ou a Psiquiatria, mas, ao final, nada disso importava, pois o importante para Adailson era sair da miséria de a qualquer custo.

Calculista e determinado a atingir sua meta de sucesso na vida, Adailson tinha planos... Muitos, mas, como toda pessoa que não acredita em si, não ousava se arriscar no que não poderia controlar em seu pequeno mundo. Sua mente era fecunda de planos mirabolantes, quase todos encobrindo, sob a capa de doação e fraternidade, o compromisso forte de alimentar o ego vaidoso de Adailson, cada dia mais intransigente em relação à sua meta.

O maior medo, contudo, batia sempre à porta do moço, na forma da incerteza em relação ao fato de nunca conseguir concretizar nenhum dos sonhos que plasmava do mundo abstrato em que vivia...

Quase um autista, destoava da família, numa relação de amor e ódio que trazia para o jovem o constrangimento e a obrigação de levar alguns trocados para ajudar na manutenção da prole de sua mãe. Era o bastante, pois, de fato, sentia que ninguém ali poderia compreendê-lo, muito menos despertar sua atenção, pois o rapaz confiava piamente que, do auge de sua genialidade auto-identificada, ele era muito melhor do que todos em sua estirpe.

Inseguro, egocêntrico, frio e indiferente, Adailson, então, cresceu, alimentando, de maneira obssessiva e neurótica, o desejo de progredir. Ninguém poderia supor que, por detrás da pele alva de cordeiro, da fala mansa e da paciência invulgar, escondia-se o protótipo de uma alma voraz e gananciosa, capaz de manipular a todos ao seu redor, no intuito de obter o que desejasse.

Sagaz, logo passou em um dos muitos concursos em que haveria de se inscrever, pois, afinal, era o dinheiro que lhe movia a estudar e galgar, um a um, concurso por concurso, as dificuldades encontradas na vida, não tendo o menor pudor de começar um novo projeto sem, contudo, sequer fechar os que se amontoavam - em meio à poeira - em suas gavetas mentais tão confusas e massacradas pelas lembranças duras de infância.

Faltava-lhe algo, contudo, pois, inseguro de suas potencialidades, não arriscou inscrever-se para a Medicina. No ápice de um amedrontamento que lhe congelou o espírito, Adailson decidiu inscrever-se no vestibular de um curso menos concorrido, no afã de posteriormente, quando estivesse bem posicionado em um concurso que lhe desse respaldo financeiro, pudesse se dedicar à Medicina. Ele sabia que aquela não seria a opção consonante com seu coração, mas, em nome de sua ambição, o moço faria qualquer coisa, até mesmo passar por cima de si mesmo.

E foi assim, pouco a pouco, que a adolescência amarga de Adailson deu origem ao percurso de desumanização de sua alma, num percurso voraz de intensa consumação de sua sensibilidade, cujos resultados nem mesmo o jovem sonhador poderia ousar saber...

(...) to be continued (...)

Mulheres inteligentes, escolhas insensatas?

Conheço muitas mulheres admiráveis e, confesso, meu olhar de admiração talvez possa residir na projeção e na afinidade em relação às características que marcam a minha personalidade: fortes, poderosas, plenas, empoderadas, inteligentíssimas.

Mas, ainda que seja assim, ad + mirar é, em certo sentido, olhar em paralelo, de modo que a projeção, mesmo que presente, não desnatura as qualidades que residem nessas maravilhosas Mulheres de Gaia.

Dotadas de racionalidade sagaz, rapidez e requintes de genialidade, são autônomas e independentes economicamente. Excelentes profissionais, acadêmicas de mão cheia, todas respeitadas em seus respectivos nichos de atuação, nas mais distintas áreas.

Pessoas que realmente fazem diferença como seres humanos a extrapolar os limites de sua pequenez para se entregarem à maravilhosa aventura de se doar para as causas pela humanidade.

Ativistas, atuantes, preocupadas com a sociedade, o planeta, o meio ambiente mas, paradoxalmente, despreocupadas consigo, o bastante para empreenderem a nefastas escolhas, segundos critérios "cinderélicos" de escolha quixotesca de príncipes encantados.

Ou seriam "encatados"? Enlatados?

Não sei, mas penso que, em meio a tantas conquistas por liberdade e respeito, de maneira contraditória procuramos relacionamentos de desrespeito, deslealdade e mentira. Ou seja, na luta emancipatória, parecemos reproduzir a mesmice de escolhas baseadas em ilusões bem montadas por nossa atividade cerebral enganada pela mente que se desconhece nos processos e labirintos que mesmo fabrica.

De mulheres empoderadas passamos - permitimo-nos passar e, ao mesmo tempo (por que encobrir? Somos ludibriadas SIM) - por marionetes à mercê de laboriosos discursos, que vão, em nível de elaboração, desde o mais imbecil, até, no meu caso, com um estelionatário emocional, um patamar de "responsa".

Por que insistimos em enxergar o parceiro numa dinâmica de acobertamento dos déficits que, no caso do universo masculino, são e forma exata e pontualmente os marcos que trouxeram mais sofrimento ao feminino?

Numa espécie de passeio lúdico num parquinho de diversões, optamos por pactuar com as mentiras, legitimamos a omissão. Contentamo-nos com migalhas do egoísmo com que constroem suas vidas e seus barquinhos de papel à deriva...

Passamos a mão em suas cabeças, imitando suas mães oligofrênicas e neuróticas, colocando-nos, quase sempre, a ocupar um papel pífio de maternidade projetada na qual, bem sabemos, haverá o consolo na "boceta" de uma "amiga" - quando não, em um relacionamento "aberto": afinal, que homem transpõe o tabu e se deita com a mãe???

Somos instadas - dentro de uma dimensão estilo "Madre Teresa de Calcutá" a "perdoar" e "compreender" a sacanagem do outro, passando por cima de nossa dignidade que, pouco a pouco, num verdadeiro ciclo de violência doméstica, esfacela e denigre nossa dignidade. Isso porque, afinal, na hipocrisia da fala religiosa - escrita por homens, dotados de falo, claro (nunca vi Deus descendo aqui e pegando numa caneta) - "eles não sabem o que fazem". Sabem, sim! E muito bem! Fazem isso há pelo menos 3.000 anos de jugo em relação ao desrespeito à mulher.

Por que pactuamos a mentira hipócrita de tentar nos convencer a respeito de "mudanças" vetoriais nos comportamentos dos nossos "amados"? Afinal, citando a fala de um amado sociopata que conheci sob a alcunha de um respeitável profissional, somos primatas" e, dentro dessa inexorabilidade, repetimos padrões. Esqueci apenas de falar que o dele é de sociopatia e assassínio. Hehe, mas é assunto para outro post.

Pois bem: exigimos muito de uma espécie - sim, acha que pessoas assim são, afinal, padrão mesmo, de outra espécie - que nào pode muito mais do que as parcas sinapses regadas por esperma e testosterona podem oferecer... Queremos muito de seres imbecilizados e infantilizados por suas mórbidas mães, que juram, ao final, estarem fazendo o melhor por seus filhinhos, dizendo para eles, a todo tempo, que são 'reizinhos'. Quem não cresce deformado moralmente diante dessa atrocidade?

"Reizinhos" precisam de súditos, ou melhor, vassalas para lamberem seus "sacos reais". Reizinhos precisam de um arsenal científico a justificar sua superioridade a partir da teorização da "porra" que jorra de seu pinto em contínua derrocada gravitacional.

Reizinhos precisam de imbecis a teorizarem Édipos, falos, vaginas dentadas e bocetas "engolidoras" porque, no fundo, temem, como fracos que são, serem 'engolidos' pela complexidade e inteireza de uma fêmea. Temem a caverna escura, úmida e quente porque, num piscar de olhos orgástico, a vagina se contrai e ameaça quebrar o falo ereto: a arma de empoderamento do primata decadente.

E nós, diante desse espetáculo, apenas nos compadecemos da miséria masculina...

Quando tudo parece desmoronar renasce o lótus para lembrar que existe vida!

Quando tudo parece desmoronar e o céu parece cair em nossas cabeças sobrevem o tempo para ressignificar a tragédia e contemplá-la com o vitorioso gosto do júbilo, transformando parte do suplício em uma deliciosa força motriz de elevação.

Não, não se trata de experiência espiritual, de "testemunho", de profissão de fé ou qualquer narrativa religiosa que expresse algum "milagre": refiro-me apenas ao básico, que é a mera mundanidade e a capacidade que temos de ressurgir de um colapso utilizando a força do que seriam os sentimentos tomados como mais abjetos (ira, raiva, ódio, mágoa) mas que, como em um golpe preciso de aikidô, trazem, a partir do oponente, o impulso para sairmos dos eventuais buracos em que nos metemos no decorrer da trajetória.

Como? De que forma? Ira? Raiva? Dor? Sofrimento? Uau, como, se tais sentimentos, por excelência - e dentro de um ethos moralizante e quiçá religioso, seriam expurgáveis e condenáveis por boa parte das institucionalizações? Seria eu uma herege, pois, ao apregoar a legitimidade de tamanhos sentimentos escusos?

Acho que não e, na verdade, enxergo-me como baluarte de um movimento de ressignificação disso tudo, uma espécie de "tomada de consciência" a respeito de si para sair do marasmo idealista de tentar atingir um mundo surreal de transcendência a trazer um cisma bipolar para minha alma: talvez tenha realmente precisado morrer para tudo que outrora tomava como absoluto e irrefutável para, a partir do NADA erigir algo mais sólido em minha vida...

Despojada de mim em todos os níveis inimagináveis, eis-me aqui apregoando a completa falência - ao menos em minha tenra vida - de um paradigma discursivo que me colocou em franca mercê para os destemidos algozes que se posicionaram em meu caminho exata e pontualmente se prevalecendo do "rostinho feliz" e de um fajuto discursinho de pseudo evolução espiritual para, com isso, auferirem dividendos de mim...

Não estou à venda. Nunca estive. Meu corpo e minha alma pertencem a mim, a mais ninguém e, com isso, descobri-me imersa no mundo da matéria, mesmo tentando encontrar uma justificativa em um mundo etéreo que, grosso modo, apenas existiu no mais profundo devaneio da minha mente fértil.

Não morri em carne, é bem verdade, mas a alma desintegrou-se totalmente, abrindo espaço para a deterioração do que ainda persistia em se mostrar como um mundo feliz...Pacato mundo feliz que, ao final, apenas revelou o que era, no fundo: um amontoado de dor. Amei a dor... Abracei a dor porque, com ela, senti-me viva o bastante para enfrentar a morte e, experimentando a doçura do sofrimento regado ao ódio, sobrevivi...

Como assim?

Afinal, dor é dor, sofrimento é sofrimento. Sozinha em meio às reflexões sobre minha vida e a nefasta convivência com um ser robótico que se vê como um Deus olímpico, pensei sobre tudo.

Em meio à desolação diante de amores desleais que apunhalam pelas costas, amigos e amigas infiéis com zero grau de sensibilidade e compreensão do que está além dos próprios umbigos e pessoas ignorantes ao sofrimento alheio, não existiram reza, oração, Deus, Deusas que me aquietasse o espírito, pois, em meio aos urros de dor, o transcendental não deu conta do aglomerado carbônico a compor minha identidade...

Sim, danem-se os credos e a transcendência! A vivência de um sentido de além-vida está na maneira como vivenciamos o aqui e o agora, e não a perspectiva de um devenir-que-nunca-virá de uma fantasiosa missão existencial de sublimação das mazelas que afetam a alma porque são parte integrante de nossa matiz... E o sentido de vivência do mundano reside na manutenção da vida na experienciação até o âmago, do último filete de percalço, do mergulho enfurecido na ferida lacerada.

Ao invés de recalcar a ira, a raiva, a mágoa, colocando-as embaixo do tapete e as encobrindo com um sorriso amarelo de pseudo transcendentalismo puritano que, no máximo, semeia os cânceres e as cardiopatias, melhor eclodir no salto para a glória de se olhar no espelho e observar tais sentimentos saindo pelos poros.

Trata-se da sodorese beneplácita, da autenticidade em ser o que se é, sem mantos de hipocrisia que possam assolar o humano com véus da mais completa mentira. De mentira, basta a de acreditar em um ser "elevado", um filantropo que apareceu em meu caminho, falando, como um autêntico "estelionatário emocional", em ONGs, em trabalho social, voluntariado...enfim, em tudo que exata e pontualmente era o oposto da verminose cancerígena que ele representou em minha vida.

Um cancro que, ainda bem, extirpado foi, sem efeitos colaterais que não sejam apenas o saboroso alimento do espetáculo de vendeta que está por vir: a vida miserável que ele poderá auferir em sua pequenez humana...Grandiosa pequenez...Paradoxal pequenez diante das juras a Hipócrates que daqui a pouco irá fazer. Ou seria Hipócrita? Tão próximos semanticamente...

Ser humano é ser o que se é... Nada mais... Essa é a valiosa lição: não colocar lentes para alterar uma realidade que se apresenta "redondinha" para os olhos afoitos...

No mais completo momento do total sofrimento que, por vias tortas, escolhi viver efemeramente ao lado deste insano que quase extorquiu minha alma com uma carnificina física e mental a me custar a saúde (um caso clássico de sociopatia edipiana mascarada em comportamento ético e livre em sua origem), percebi que a raiva, a ira, o ódio e a mágoa, inevitáveis sentimentos, podem ser um trampolim para a autoreflexão e para a saída do limbo.

Não foram preces, orações, muito menos meditações ou posturas de yoga que me retiraram da morte: foi o gostinho adocicado da vendeta, o fel que sibila na garganta quando, na solidão, lembrei-me desse crápula travestido em cordeirinho com estetoscópio - sim, é a única palavra que tenho para um representante falido da matriz patriarcalista em degeneração (ele que está em degeneração, claro: o patriarcalismo já faliu há eras!) - e, dada a imagem, meu coração em festa jubilou, pulsando o único mantra que poderia entoar, a cantiga do escárnio e da raiva.

Com elas retomei minha trajetória...

Vivi e sobrevivi, alimentando, sempre, a cada dia, a ação positiva de me fazer melhor a partir das porradas que tomei. Não por esperar a "conspiração" divina ou um embuste de "lei cármica", pois, sinceramente, não acredito mais em nada disso e acho que nunca acreditei, de fato, por nunca me importar com o devenir. Apenas me importei e importo com quem eu sou e posso ser de melhor HOJE: no que posso fazer por mim e pelo mundo na agenda do AGORA, nunca em função de um pós-morte cuja existência é-me estranha desde sempre.

Mas por querer crescer em meio à dor e usar a dor para refletir sobre minhas ações...

Simples...

É assim que o lótus nasce, da lama e do cheiro fétido que desponta do solo...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

"Ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a incompreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá meu caminho até a morte-sem-medo, de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo" CLARICE LISPECTOR

Eis aqui um grande lema, forte, intenso, poderoso lema.

Um mantra diante das vicissitudes que assolam o espírito que se assombrou diante de um espetáculo em que a crueldade ocupou o cenário do que, um dia, vagamente, poderia ter sido chamado de amor.

A missão nesses dias de horrendo impacto trazido pelo atropelo da essência rompida em lágrimas: levantar-me plena e vigorosa como o cavalo branco de Clarice, depois do sangue lavado de uma batalha árdua contra um exército insano e sedento pelo trago de mais precioso em mim: eu mesma...

Levantar-me para cumprir meu caminho rompido bruscamente por devaneios partilhados com a sandice de um imaginário de psicopatias...

Anomalias, perfídias clericais.

Sim, a destruição do singelo existe e aprendi, fendendo minha carne e entranhas, que o caos espreita e beira, apto a nos empurrar para o mais abscôndito celeiro de nossa escuridão. O caos que se disfarça de ordem, de assepsia, de benevolência, de amabilidade. O caos que simplesmente corroi a alma, aos poucos, pela desconfiança, pela raiva, pela mente. Poderosa mente, brilhante mente que, de maneira astuta, maquina males e sofrimentos...

Levantar-me para surgir da dor, renovada, contornando o percalço e confortavelmente me situando em minha sina. Novamente...doce sina, de onde nunca deveria ter saído...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A tempestade e a cama...

Olhando a praia completamente destruída pelo ciclone que havia deixado seu rastro no dia anterior, Otília perdeu-se no horizonte, tentando admirar o que restou do cenário do que, um dia, foi o braço alentado de suas melhores lembranças. A metereologia não soube antecipar o evento, pois, como quase sempre no mundo dos humanos, a tecnologia se descompassa da inevitabilidade do imprevisível.

"Radares inútis" - pensou - "Como ninguém percebeu a cisma da tempestade ontem?", lembrando que ela mesma, com toda sua "experiência de vida", não teve sequer tempo de reunir seus pertences: tudo foi levado, dragado para os confins de um mundo cuja localização nunca iria descobrir.

Mas, mesmo que um dia soubesse, ainda assim Otília não poderia fazer nada, pois o esforço físico feito no dia anterior para salvar o fragmento que restava de vida havia retirado o sopro da última força para tentar qualquer outra aventura, quem dirá a que poderia rumá-la para uma vã possibilidade de encontrar seus pertences.

Para sempre se perderam sem que pudesse olhar para trás...E, mais uma vez, a amorosa figura foi traída pelo pescoço que não torna a face para o que passou. Só que, daquela vez, era ela a não conseguir olhar para o que ficou...

"Onde estão os ipês?" - perguntou para si a mulher, ao mesmo tempo em que procurava o resquício sutil da mônada lilás que sempre pendia da frondosa árvore que a esperava no retorno para o lar. O amigo fiel de longa data, pintura que a moça - teimosa - fazia todos os dias em sua mal-enjambrada aquarela, sumiu, talvez banido para a zona acinzentada que passou a ocupar o lugar do que era a praia mais bela daquelas redondezas.

Sim, tudo era uma grande faixa cinza a desalojar arbitrariamente o coração de Otília. Sua casa, sua mobília, seus pertences mais íntimos, nada escapou do arco-íris que aparentemente estava "contido" da linda chuva a prenunciar a devassa.

Fora, então, aquela mulher, enganada pelas matizes que as gotículas formavam, pois, sem saber do inafastável, achou lindo o espetáculo feito pela conjunção carnal do Sol com a Chuva, encontro que, ao final, assolou sua vida, sua alma e seu corpo. Corpo de quem? Do Sol? Da Chuva? Ou de Otília? Não sabia mais, ao certo, pois a dúvida era o único pensamento a povoar seu imaginário.

Próximo onde se localizava sua casa, sentiu o frio a povoar a espinha: um grande rombo onde, em outras épocas, reinava, em absoluto, a felicidade. O vento não teve piedade de Otília ao profanar sua morada e devassar tudo que representava a vida da moça. Seguindo para o que sobrou do quarto, observou, curiosa, um detalhe: diante de tanto que lhe fora tomado, lá no fundo, a cama de Otília sobrevivera...

Com um sorriso entremeando sua pintura facial, a esperançosa mulher foim então, dormir: estava cansada do que voou, mas, ao mesmo tempo, renovada pelo embalo que o aconhego do que lhe restou trouxe para sua alma...E dormiu o sono dos vencedores...