sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A tempestade e a cama...

Olhando a praia completamente destruída pelo ciclone que havia deixado seu rastro no dia anterior, Otília perdeu-se no horizonte, tentando admirar o que restou do cenário do que, um dia, foi o braço alentado de suas melhores lembranças. A metereologia não soube antecipar o evento, pois, como quase sempre no mundo dos humanos, a tecnologia se descompassa da inevitabilidade do imprevisível.

"Radares inútis" - pensou - "Como ninguém percebeu a cisma da tempestade ontem?", lembrando que ela mesma, com toda sua "experiência de vida", não teve sequer tempo de reunir seus pertences: tudo foi levado, dragado para os confins de um mundo cuja localização nunca iria descobrir.

Mas, mesmo que um dia soubesse, ainda assim Otília não poderia fazer nada, pois o esforço físico feito no dia anterior para salvar o fragmento que restava de vida havia retirado o sopro da última força para tentar qualquer outra aventura, quem dirá a que poderia rumá-la para uma vã possibilidade de encontrar seus pertences.

Para sempre se perderam sem que pudesse olhar para trás...E, mais uma vez, a amorosa figura foi traída pelo pescoço que não torna a face para o que passou. Só que, daquela vez, era ela a não conseguir olhar para o que ficou...

"Onde estão os ipês?" - perguntou para si a mulher, ao mesmo tempo em que procurava o resquício sutil da mônada lilás que sempre pendia da frondosa árvore que a esperava no retorno para o lar. O amigo fiel de longa data, pintura que a moça - teimosa - fazia todos os dias em sua mal-enjambrada aquarela, sumiu, talvez banido para a zona acinzentada que passou a ocupar o lugar do que era a praia mais bela daquelas redondezas.

Sim, tudo era uma grande faixa cinza a desalojar arbitrariamente o coração de Otília. Sua casa, sua mobília, seus pertences mais íntimos, nada escapou do arco-íris que aparentemente estava "contido" da linda chuva a prenunciar a devassa.

Fora, então, aquela mulher, enganada pelas matizes que as gotículas formavam, pois, sem saber do inafastável, achou lindo o espetáculo feito pela conjunção carnal do Sol com a Chuva, encontro que, ao final, assolou sua vida, sua alma e seu corpo. Corpo de quem? Do Sol? Da Chuva? Ou de Otília? Não sabia mais, ao certo, pois a dúvida era o único pensamento a povoar seu imaginário.

Próximo onde se localizava sua casa, sentiu o frio a povoar a espinha: um grande rombo onde, em outras épocas, reinava, em absoluto, a felicidade. O vento não teve piedade de Otília ao profanar sua morada e devassar tudo que representava a vida da moça. Seguindo para o que sobrou do quarto, observou, curiosa, um detalhe: diante de tanto que lhe fora tomado, lá no fundo, a cama de Otília sobrevivera...

Com um sorriso entremeando sua pintura facial, a esperançosa mulher foim então, dormir: estava cansada do que voou, mas, ao mesmo tempo, renovada pelo embalo que o aconhego do que lhe restou trouxe para sua alma...E dormiu o sono dos vencedores...

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