sábado, 19 de fevereiro de 2011

Sobre o estelionato emocional e outros ensaios

Tod@s já conhecem, ao menos por alto, a figura do estelionato, descrita no art. 171 do Código Penal Brasileiro, de acordo com a seguinte redação: "Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento".

Trata-se de um crime de astúcia, ou seja, que não verte sangue, perfazendo-se por meio da dissumulação, do ardil, do embuste, com a finalidade de auferição de benefício que, segundo a doutrina, tem conteúdo ou expressão patrimonial ou dimensão econômica.

Delito praticado pelo uso da potencialidade discursiva, mental, onde o algoz, quase sempre vestido de capa de bom moço, erudito, sedutor, engendra formas de submeter a vítima aos seus propósitos, no intuito de se locupletar emocionalmente de uma história de "amor" cujos dividendos apenas se direcionam ao "bom mocinho".

O sujeito ativo, ou seja, o ofensor, pode ser tanto um homem quanto uma mulher, mas, por motivos de pura epifania e deleite, hoje irei falar do estelionato emocional praticado no âmbito da violência de gênero e doméstica, por reconhecer que, historicamente situada, essa foi e tem sido a mais constante modalidade de agressão, em face da obviedade da tradição de sodomia emocional do feminino.

Na real? Danem-se os estelionatários emocionais, pois, hoje, minha língua ferina está alocada para esses mocinhos que vestem roupas de anjos, falam manso e, por trás das vestes talares, são pessoas frias, calculistas, incompetentes emocionais que necessitam plugar o cordão umbilical - ou cravar os dentes - em uma mulher empoderada (de preferência) para existirem. Todo estelionatário emocional é um vampiro, por excelência.

O que me interessa, por agora, é dialogar com a dimensão emocional, ainda não convertida em delito, do que seria um estratagema voltado para a usurpação emocional da pessoa, ou seja, o chamado "estelionato emocional", presente em inúmeros casos de violência doméstica, que demanda cuidado e, infelizmente, ainda não está previsto em lei, não obstante a Lei Maria da Penha fazer menção direta a essa modalidade de violência.

No estelionato emocional, o alvo é a integridade psíquica da vítima, que é atacada, pouco a pouco, por meio de um processo de esfacelamento e desintegração da sanidade. Quem já não ouviu de um canalha desses o clássico "você está louca?" após serem descobertos em alguma falha no plano "perfeito" de desestabilização da ofendida?

O ciclo de violência começa com o ataque à mulher enquanto ser pensante e atuante politicamente: o estelionatário aprecia o lado "meiguinho", doce e sereno da "amada", não suportando as reações da vítima diante das manobras fraudulentas. O bandido toma isso como ato de agressividade quando, a bem da verdade, trata-se de ato de legítima defesa diante do ataque sofrido. Daí o ardil tomar outra forma: a de extirpação, ódio e violência recalcadas em mais e mais demonstrações de manipulação.

O estelionatário tem sempre o dom da palavra e possui múltiplas personalidades, beirando uma estrutura de sociopatia. Afinal, precisa cativar a vítima e, diante da pluralidade delas, ele necessita formatar o discurso.

No ano passado tive a oportunidade de encontrar uma figura dessas - um bom moço, cursando uma faculdade de ponta aqui na cidade, fazendo mestrado, envolvido com causas sociais e, acima de tudo, com uma lábia de fazer inveja a qualquer membro eclesiástico. Aliás, sem ser lombrosiana - apenas para não perder a piada - ele parecia um seminarista, pois falava pausadamente e revelava uma erudição ímpar, envolvente.

Envolvimento. Eis a dinâmica do estelionatário emocional, pois sendo frio e calculista, ele não se permite aprofundar emocionalmente os vínculos firmados com a vítima. Capta a fragilidade e, dentro dela, nada de braçada, escaneando os pontos que poderá explorar, quando tecer suas teias de histórias inverossímeis.

Esse percurso etnográfico - foi uma pesquisa interessante - levou-me à compreensão desse nível simbólico de violência, dada como sutial, mas que, diluída em doses homeopáticas, cega, fere e pode até matar.

O alvo? Mulheres empoderadas, dado o ódio feroz nutrido pelo feminino. Aliás, o estelionatário emocional odeia o feminino e faz questão de submetê-lo ao seu jugo, pelo simples deleite de integralizar alguma perversão que internamente nutre em relação ao suplício cometido. Assunto para mais outro post.

2 comentários:

  1. adorei, pode ser de chefe para funcionario

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  2. Siusi, com certeza todas as formas de interação estão suscetíveis disso. Bem lembrado! Grata!
    Céad mille fáilte!

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