sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Nem tanto céu, nem tanta terra: da transcendência que imana para o mundano que se reconhece

Reza a lenda ser preciso um marco contundente para que a vida seja observada de uma maneira diferente. Uma espécie de "sinal" muito forte para nos fazer - ainda que seja na marra - impulsionar nossas vidas de modo absolutamente diferente do que usualmente estávamos acostumadas, abrindo, assim, uma verdadeira "fenda" a dividir a vida (e não raro, o coração) no ANTES e no DEPOIS.

Para algumas pessoas isso vem na forma de doença letal, vencida com luta e energia, pois, no caso, é a própria vida que pede por mudanças drásticas. Para outras, vem na perda de um ente querido, pois, nesse caso, foi o esvaimento da vida que produziu a retropectiva em relação ao que poderia ter sido vivido.

Restrospectiva ou culpa? Já não sei mais, porque, de tão "racional" na formulação de escusas, negligenciei o básico: emoção, hormônio, instinto, vontade de poder. O primitivismo que, um dia, uma pessoa bem me lembrou ("és primata"), mal sabendo que, com isso, ao contrário do que poderia supor, trouxe a lume uma genial percepção que, muitas vezes, negligenciei! Primata, primata, primata! Enfim, voltando...

Outras, contudo, sofrem acidentes, perdem membros necessários às tarefas básicas, tendo que aprender a se adaptar à nova condição. Dentro dessas perdas de membros incluo a perda simbólica - e física, por que não? - do CORAÇÃO, por ocasião de uma avassaladora situação que, além de trazer sequelas físicas inapagáveis da mente, traz a perda do músculo mais forte do corpo.

Não, não se trata de destruição do músculo, de pulverização de sua carne, mas de perda mesmo.

Daquela sensação de não saber por onde anda o coração que saiu do peito num baque forte o bastante para impulsionar o órgão para um lugar bem distante.

Na caixa toráxica, apenas um vazio e a sensação de se estar imersa numa grande massa amorfa de sentimentos sobrestados, que estão do lado de fora mas que não podem mais ser sentidos porque, enfim, o coração sumiu...

Tentando reavê-lo pedimos aos céus.

Alguns pedem a Hades, aos deuses e às deusas, não importa, pois, ao final, trata-se de uma saída de si para uma concepção de transcendência do aqui e do agora, pois, quem sabe, numa dessas viagens astrais, o músculo pode ser encontrado vagando em uma nuvem repleta de seres celestiais com suas harpas.

Com peitos vazios pela falta do coração, "saltamos" para um além que se projeta como esperança e expectativa, barganhando dádivas com uma comunidade deídica que apenas reproduz, como os vários panteões que se acotovelam no éter, as mesmas ladainhas a que estamos acostumadas nas liturgias de purgação de culpa que nos levaram às fogueiras.

Ou, então, desoladas pelo silêncio que não conseguimos interpretar (por mais que meditemos, deixemos de comer carne putrefata etc.), cansamo-nos também da transcendência e nos vemos como deuses e deusas, na mais alta conta de nossa atividade imanente...

Ateísmo proselitista, agnosticismo, não importa, pois, de fato, a vinda para o lado de cá marca também o reconhecimento de inexistência de qualquer "saída" de coração: músculo não se locomove sem impulso, é o que nos aponta a "racionalidade" iluminada do séc. 18!

O mais interessante dentro desse embate dialético do transcendente e do imanente resume-se na singularidade de como, ao final, os movimentos, ir para lá, voltar para o aqui e o agora, marcam a mesma fala, pois o ponto em comum não deixa de ser...o CORAÇÃO!

Sim, lembram dele?

O órgão que sumiu, evaporou e cujo destino nem a transcendência, muito menos a imanência, conseguem explicar, de tão ocupadas em se firmar aos olhos da humanidade.

O que resta?

Nem lá, nem cá, apenas o reconhecimento de si. Estar no mundano é, de fato, o primeiro ato digno em termos de localização do mapa de acesso ao coração que se perdeu. Reconhecer-se nos pequenos atos que se somaram até a chegada aos pontos de eclosão das pequenas tragédias de nossas vidas.

Enquanto estava lutando pela minha durante esses dias de guerra com meu corpo, com meu amor (não o outro, a pessoa, mas meu sentimento, aquele que é meu, sabem?), não foram os vocábulos encapsulados em rezas, mantras e orações que me impulsionaram.

Muito menos não foi o abraço à mera irascibilidade que me fez esquecer do que, um dia, acreditei...

Foi o sentimento, a gama de sentimentos confusos - emaranhados, de amor, ódio, vergonha, tristeza - que, olhados de frente e sem pudor, movimentaram a minha alma (se é que existe uma) para o desenlace dos braços da Morte. Isso é nascer de novo... O resto, conversa de conto infantil.

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