quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A celebração da vida na contemplação da morte: fragmentos de reflexões

Fonte da imagem: http://adancadasfadas.blogspot.com.br/2012/02/macha.html

Cada cultura e religião têm suas peculiares formas de lidar com a morte, ora em completo júbilo libertário, ora revestindo-se de sisudez e silêncio profundos. Algumas pessoas vertem lágrimas desconsoladas (paradigma cristão de contemplação do medo da morte), outras tantas mantém em suas frontes o mais puro semblante de languidez e tranquilidade (religiões orientais).

Não importam as manifestações, pois, diante delas, nossa certeza derradeira sempre aparece: fim de ciclos, jornadas e da percepção material de nossa passagem por esse planeta Azul. Implacável morte como desfecho do protagonismo enquanto organismo senciente. 

Sempre me perguntei por qual razão, mesmo diante da inevitabilidade da morte, no Ocidente e, sobretudo, no Brasil, ainda se opta em alguns nichos por encarar a morte como a resultante pecaminosa do declínio do ser humano do Paraíso. Já ouvi muitas pessoas falarem em "descansar", "dormir", "repousar", ao mesmo tempo em que, dentro do suposto sistema de crenças espirituais, não seja lá isso bem satisfatório.

Por que pensar sobre isso?

Porque espiritualmente não se descansa, repousa, ou muito menos se dorme da maneira como, em vivência fisiológica, o ser humano usualmente faz. Aliás, sendo a não-matéria despojada de dimensões tácteis, nada existe de perda ou decomposição fisiológica, já que inexiste, a rigor, o que decair em termos energéticos. 

Energia não se anula ou destrói: outro mito desarticulado por Lavoisier, repisado na Física Clássica, Quântica, Astrofísica e Biociência em geral. De potencial para mecânica, elétrica ou térmica, não importa: o devir é uma constância de redefinições do humano enquanto síntese de processos sinérgicos. 

Mas, enfim, não consigo entender o dormir...

Na mítica celta, a morte marca o encontro desejado com o panteão ancestral, uma confraria bem regada a vinho, cerveja e outros acepipes ao redor da mesa redonda no Outro Mundo, lar eterno de todas as casas antigas. Se a morte adviesse de embate em lutas, mais nobre e digna seria a passagem do guerreiro ou da guerreira para o lar de sua família. Eis o motivo pelo qual os romanos não entendiam como uma horda pequena de guerreiros celtas estavam a rir diante da morte óbvia no confronto entre Suetônio e Boudicca, rainha vermelha que empunhou sua espada com o grito de incitação para seu povo. 

A morte, enfim, era apenas mais um momento separado de uma sensação pelo véu da invisibilidade. Temida apenas pelo fato de se desejar galgar a dignificação do lar dos ancestrais, mas, de resto, nada triste. 

Por que dormir? 

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