quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A família e o eu


Segundo Gaiarsa, a família "está, deveras, muito longe de ser o melhor lugar do mundo para o desenvolvimento dos seres humanos" porque, dentre outras palas existenciais, priva e tolhe a capacidade criativa, o amadurecimento emocional e a autonomia do indivíduo perante a vida.

Acho que as relações familiares podem mudar, porque já estão mudando, de fato. E, talvez estejamos perdendo o bonde da mudança, por não observarmos as lacunas e insistirmos em idolatrar uma concepção muito doentia de relacionamento familiar, baseada numa lógica "comunitária" (que de comunitária não tem nada) que aponta para o fomento a relações de raiva, culpa e usurpação emocional, destiladas e diluídas, em doses homeopáticas, por toda uma vida (que dura, em média, 75 anos).

Sustentada em arquétipos idiossincráticos, a compreensão de família em que se reifica o indivíduo como propriedade privada acaba substraindo do ser a plenitude em relação à vivência de suas experiências, tanto pela reprodução de experiências dos outros (sob a escusa de compartilhamento familiar dos problemas), quanto pelo aprendizado da isenção de responsabilidade, para, quase sempre, atribuir ao outro a razão de uma demanda frustrada.

Pais e mães que punem uns aos outros, numa espécie de "alienação parental" que se prolonga por toda uma vida, corroendo a alma e ocasionando, aos poucos, a degeneração do espírito são a marca maior de um modelo de família que destrói também. Filhos e filhas sentem-se culpados e culpadas, devedores e devedoras dos pais, "por terem lhes dado a vida" (essa é a frase reificante mais idiota que já ouvi). Ou, pior, pais e mães que não são pais e mães, de filhos e filhas que são pais e mães dos pais e das mães. Não se duvida do amor, claro, porque, de fato, o sentimento de adesão e coesão é embalado pela perspectiva que se está fazendo o melhor de si. A questão é que a falta de uma séria reflexão sobre o que vem a ser o correto faz com que façamos o mal, muitas das vezes, achando que estamos acertando.

O mais interesante é o vale-brinde da questão: junto com o amor - penso - vem a cobrança do sentimento, mascarando-se sensações e as colocando embaixo do tapete, por meio do atropelamento da vida e da necessidade de se realizar nas potencialidades. Os filhos, quase sempre, são a moeda de troca e, por que não dizer, os substitutivos emocionais dos destinatários daquilo que seria objeto de resolução individual: autoconhecimento. Projetam-se nos filhos os fracassos, espelham-se na potencialidade dos filhos e das filhas, mas, por trás, com a dimensão do equacionamento para si, não raro se inserindo na manipulação parental, para que os filhos e as filhas, ao final, sejam o que seus pais e mães não foram.

Autoconhecimento não se compartilha e, portanto, não é possível se solidarizar no crescimento de cada um. Mas acho que não atrapalhar, quando não se pode fazer diferente, já seria um benefício...

Nenhum comentário:

Postar um comentário