domingo, 14 de fevereiro de 2010

Viver ou morrer na dualidade que não se unifica

Hoje acordei pensando na dualidade e na condição humana de viver, o tempo inteiro, na dualidade. Tenho feito umas pesquisas de campo envolvendo casais - esse é o caso clássico de dualidade que menciono, por ser o mais claro e óbvio, no momento - em conflito. Mais especificamente em situação de violência doméstica, motivada, muitas vezes, pela existência de um conflito não administrado e levado às raias de irascibilidade.

Não gostamos uns dos outros, de verdade, num relacionamento. Primeiro, admiramos no outro qualidades - ou que apresentamos (daí vemos um espelho siamês) ou que desejamos. Em ambos os casos, o fomento ao ego, porque, se, um lado, vemos espelhos, estamos olhando o outro como um prolongamento de nosso ego (não de nossa essência) e, a partir daí, reificamos a alteridade, e, com isso, desejamos controlar. De outro, quando desejamos, por não nos sentirmos aptos ou aptas a manifestar tal qualidade desejada, invejamos e, na inveja, desejamos destruir o Belo, tal qual o invejoso Salieri emboscou emocionalmente Mozart, reduzindo-o a pó, pouco a pouco, mesmo jogando confetes, o tempo inteiro, no gênio musical.

Não saímos de nossos umbigos e, com isso, a convivência passa a ser uma batalha campal, dia após dia, hora após hora, minuto após minuto, uma geopolítica de gêneros. Sim, porque além dos egos que saltam por aí, ainda construímos relacionamentos em cima de hierarquia de gêneros, dentro da qual, diga-se de passagem, o papel que nos incumbe como MULHERES é sobreviver a um patriarcado que está em derrocada, mas que insiste em dar as últimas braçadas no mar revolto das relações humanas.

Boa parte do patriarcado, imerso num inconsciente coletivo de centenas de décadas - milênios - odeia o feminino. Sempre fomos seres "sem alma" para os prestigiados filósofos que hoje cultuamos como magnânimos. Sacos de recepção de esperma, aptas e prontas para recolher o "líquido sagrado" que, é claro, somente "poderia vir de um homem" apto a perpetuar sua linhagem ancestral, no filho HOMEM que viesse a ter.

Ficávamos em casa na clássica guerra, enquanto nossos maridos levavam seus pajens para o campo e lá, antes ou depois das lutas, refestelavam-se de prazer. Nunca fomos chamadas para as grandes comemorações em que se discutiam filosofia, política, religião: nossa "função" - como latinas - era ficar em volta da prole, garantindo que o primogênito, depois, fosse honrar o "fogo sagrado" da cidade antiga. Vou me poupar (e poupar a todos) de uma excursão histórica pelo femicídio coletivo da Idade Média, porque entendo que eu não suportaria isso, muito menos minhas pares. É muito sofrimento saber que para uma parte do patriarcado, nós somos ainda reificadas.

O mais legal, porém, é saber que mesmo os que apregoam serem homens libertários e não misóginos, esse discurso produz uma latência no estômago: cuidado, é a misoginia inoculada nas "entranhas", dizendo que, longe de estarem libertos, nossos maravilhosos homens ainda chafurdam na lama das contradições, amando e, ao mesmo tempo, odiando suas mulheres.

O Terceiro Milênio marca, dentro disso, uma necesária mudança de paradigma consciencial, sob pena de nos perdermos em brigas odiosas e raivas incontidas. Ao homem, perceber a pobreza existencial de um discurso - e prática - de misoginia, que reduziu a mulher à reificação, em nome da glória do falo que, dia após dia, pende para o chão, fruto da gravidade (não adianta VIAGRA, como diria Machado de Assis, "o interno não aguenta tinta"). À mulher, acordar do sonho da fada madrinha, que faz plim-plim e aparece um lindo príncipe, "para não ficarmos sozinhas", porque "ser sozinha é triste". Mentiras. é muito bom estar sozinha, pois é na solidão que falamos conosco e nos conhecemos mais e melhor.

Uma mulher empoderada não se preocupa com solidão, porque sabe, no fundo, que somos únicas, solitárias e sozinhas. Vamos embora desse mundo - na morte - sozinhas em nossas experiências e sozinhas seguimos rumo ao crescimento espiritual (para quem acredita nisso). Por que, então, o desespero de causa? Por que a desculpinha medíocre de correr um "relógio biológico", um tic-tac que comanda nossas ações para "casar e ter filhos"?

Quem foi que disse que "uma mulher somente se realiza casando e tendo filhos?" Desculpem-me aquelas que militam essa frase, mas ser mulher é uma experiência muito mais rica e densa do que firmar a naturalização de uma função procriativa: é reconhecer a multiplicidade e a diversidade contida no conteúdo do que vem a ser uma mulher.

Se existem muitas mulheres, uma tipologia de mulher (não é crítica) que se satisfazem cumprindo missões sociais de procriação e satisfação egóica do falo alheio, existem também outras e várias tipologias do feminino, que rompem com essa formatação, para desenvolverem outros tipos de satisfação. Para se lançarem no mundo atuando, sendo senhoras de seus destinos e, sobretudo, não esperando por um milagre quanto a um relacionamento. Não somos incompletas e, com isso, agregar-se a um companheiro não é procurar completude de coisa alguma. Isso é fruto,mais uma vez, de um torpe discurso romântico (séc. XVIII) que, resgatando uma percepção parcial, diz que somos seres que "estão em metades". Daí o absurdo do outro ser "tampa de panela", "outra metade da laranja" e demais absurdos.

Somos todos e todas seres completos e completas em nós mesmos e mesmas: não nos falta pedaço. Agregamo-nos ao outro pela afinidade em sermos completos, e não porque estamos cingidos em partes. Essa falácia produz relações de parasitismo atrozes, porque sempre que dizemos que somos incompletos e tentamos nos completar no outro, exercitamos relações de vampirização, impedindo o outro de crescer e a nós mesmos e mesmas de também desenvolvermos o que nos falta.

Andar sozinha é um caminho. Andar com alguém é outro. Não tecendo críticas a um e outro, ambos são perspectivas que podem e devem ser tomadas conscientemente. O que não vejo como honesto é estar com alguém desejando estar só, ou, ainda, fingir que se está sozinha e feliz, quando, dentro do peito, bate o "complexo de Cinderela".

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