quarta-feira, 27 de julho de 2011

Ah, Clarice, Clarice!

Em dias de profunda reflexão - acho que nunca saí dela - nada melhor do que saber ter existido alguém, nessa encadernação, capaz de situar os dilemas mais apavorantes em singelas frases, que causam impacto profundo... Sentir-me forte em inquebrantável em mim mesma, agregando a amorosidade e a fortaleza, descobrindo em mim a bastança do existir.

Lições profundas de quedas, tropeços, de autoconhecimento... Mas, enfim, tudo vale a pena "quando a alma não é pequena", já dizia Fernando Pessoa. Quando estou cabisbaixa, perguntando apenas o que não se pergunta: "por que", leio Clarice Lispector, para me lembrar, em cada leitura, quem sou... Um dia, tenho fé, um dia...Eis que já é o dia e dele não me dei conta, mas sei, aos poucos, que a consciência e a lucidez estarão mais fortalecidas.

"(...)
E um dia virá, sim, um dia virá em mim a capacidade tão vermelha e afirmativa quanto clara e suave, um dia o que eu fizer será cegamente seguramente inconscientemente, pisando em mim, na minha verdade, tão integralmente lançada no que fizer que serei incapaz de falar, sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! O que eu disser soará fatal e inteiro! Não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões, não haverá espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante: sempre fundido, porque então viverei, só então viverei maior do que na infância, serei brutal e malfeita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei em ondas, ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a incompreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá meu caminho até a morte-sem-medo, de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo. (...)"

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