sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Partindo sem olhar para trás

Existe um ditado que diz que o pescoço não dá um giro de 180 graus porque é necessário olhar sempre para frente e deixar o passado em seu momento. Mesmo que os músculos permitam a contração suficiente para que, de relance, possamos "olhar um cadinho", a verdade é que não se volta no tempo ou no espaço depois que motivamos toda uma série de atitudes e palavras, principalmente aquelas que trazem dor e desalento a quem está à nossa volta.


O tempo se desenrola no fluxo da vida que segue para a frente, independentemente do que aconteceu no passado. Daí, penso, ser uma arte não olhar para trás. Não havia aprendido essa lição até me deparar com uma noite de fina chuva, na qual, no silêncio taciturno de um estacionamento, compreendi o significado de não olhar para trás enquanto olhava uma pessoa que, nessa frequência, foi embora sem movimentar o pescoço sequer para me observar pela última vez.

Foi um impacto, bem verdade, porque sempre achamos que pode existir um milagre a mudar o coração e a alma de alguém. Mas o verdadeiro milagre, para mim, ao ficar olhando da janela do meu carro o afastamento, foi compreender que preciso deixar para trás também os movimentos cuja existência já se exauriu de minha vida. Daí, penso, a lição ter sido para mim...Uma rica experiência de contemplação do espetáculo humano em sua capacidade de ajuste ao que é novo e, por via reflexa, de abandono, a todo tempo, do que tinha dentro de si como realidade insofismável.


Como diria Virginia Woolf, viver é extrair o sumo, o que a vida traz e, depois, abandonar. Deixar correr, despojar-se. Foi o tempo, pois, do mais puro desapego em relação ao que ficou em suspensão naquele estacionamento... A síntese do que se revelou como uma miscelânea de sentimentos profundos de abandono, medo, frustração, intempérie, mágoa e dor, profunda dor, daquelas que se estabelecem, de tempos em tempos, para que outras tantas lições sejam sorvidas pela alma...



Lembrei-me, então, de sempre ser, ao final, uma pessoa resignada diante do que poderia ser entendido por outras pessoas como sofrimento, por trazer insculpida dentro de mim a certeza de tudo valer a pena pelo simples fato de ser a pulsão da vida o mais importante bem que podemos cultivar enquanto encarnadas. O que que coloca como aparente obstáculo nada mais é do que o processo de lapidação diáfana para que o movimento, lá na frente, resulte em um colorido ímpar de perfeição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário