sábado, 5 de agosto de 2023

A insustentável sustentabilidade do SER

Ontem fui sondar uns produtos de higiene offgrid que costumo usar, pois a dobradinha shampoo/condicionador, depois de 6 meses, está nos finalmentes [as vantagens do cabelo curto prático 😉].

Como tenho um hábito de usar o que está funcionando, fui atrás de uma marca específica, pois o custo-benefício compensava. 

Tudo ecologicamente correto no checklist sustentável: nada de testes em seres não humanos, sulfatos, benzenos ou outros ingredientes que colocam em risco a saúde. 

Além disso, o preço era acessível, dentro das opções que o mercado offgrid oferece. 

Enfim, um belo pacote!!! Meus cabelos eram felizes!

Tomei um susto ao encontrar meu shampoozinho ecoquerido!!!

Isso porque ele custava, em média, R$ 18,00, valor que já não era lá acessível a todos, mas era mais em conta que os similares.

Quando voltei, vi que ele deu um salto quântico para custar R$33,00, o preço também cobrado pelo condicionador, valores que estavam mais em conta, se comparados com outros locais. 

Se eu quisesse sair da farmácia de manipulação ecologicamente correta, teria que desembolsar a "módica" quantia de R$66,00. 

Isso me fez refletir mais um pouco sobre os rumos que o mercado sustentável está tomando na contemporaneidade.

Um aspecto inegável e bastante positivo é a disseminação, cada vez mais, de novos produtos, com a publicidade quanto aos riscos, custos, benefícios. 

Há 20, 30 anos, o consumo consciente era restrito a uma espécie de subcultura, na qual as lojinhas de bairro e as feiras eram a única forma de acesso às novidades do paradigma sustentável.

Com a popularização da internet, além da circulação maciça de informações em redes e mídias sociais, o "boom" do mercado nos trouxe muito a ponderar sobre antigos hábitos: vegetarianismo, veganismo, coleta seletiva de resíduos, reciclagem de roupas, conscientização sobre novas formas de energia renvável, por aí vai.

Passamos a nos reciclar, como também nosso cotidiano, nossa vida. Afinal, o mundo está superpopuloso e abarrotado por nossos resíduos.

O mercado, por sua vez, acompanhou a nova onda de consumo, seja pela explosão de novas lojas de produtos naturais, ou até mesmo pela criação de franquias nesse nicho.

Os supermercados, que antes possuíam apenas um simples espaço para produtos diet e light, expandiu seus horizontes para gôndolas inteiras dedicadas ao novo mundo consciente. 

As sacolas de plástico estão sendo abolidas, pouco a pouco, para caixas e ecobags. 

Quase sempre, a justificativa dos preços está relacionada aos custos de elaboração, igualmente fora do mainstream mega industrial que o mercado alternativo tanto critica.

Deixar de consumir manteiga para as delícias da vida saudável do ghee traz um custo de 300% a mais, justificável pelos benefícios, claro, inquestionáveis, que a manteiga clarificada traz ao organismo, usada há 5.000 anos pela medicina ayurvédica. 

Do auge dos meus 30 anos de vida sustentável, vegetariana, saudável, yóguica, meditativa e todos os rótulos que indiquem alguma legitimidade de lugar de fala, tenho ponderado sobre mais uma forma de exclusão sócio-política: o mercado alternativo não constitui uma via de acesso democrático a todas as pessoas. 

Ao contrário, é elitista e excludente, pois somente a ele tem acesso quem possui renda per capita digna da média em Dubai. Isso é facilmente perceptível empiricamente: basta sair e observar.

Feirinhas orgânicas, lojas naturais, retiros, palestras, mercados colab: com raras exceções (não encontrem nenhuma até agora, mas estou confiante), o público sempre é o mesmo, num recorte sócio-econômico definido.

Classe média alta, quase sempre intelectualizado e, ao mesmo tempo imerso nas questões morais e espirituais da reinvenção de um novo mundo. Não, não se trata de crítica a isso, mas de percepção pura e simples do bolso do público que está disposto mesmo a gastar R$66,00 no kit de cabelo, ou R$500,00 em um tapete de yoga de 4 mm.

A clientela das classes C, D e do alfabeto inteiro simplesmente não usufrui disso. A propaganda não a alcança. A promessa de salvar o mundo não comendo carne não funciona muito bem para quem passou parte da vida já tendo dificuldade em fazer isso para sobreviver.

Reciclar o lixo passa a ser uma tarefa sem sentido para muitos, assim como desejar ter acesso a bens de consumo para satisfação do básico dos desejos. 

Quem está no offgrid já passou pelo consumo mainstream...mas, no mainstream já excludente, muitos sequer obtiveram o básico de sua lista de desejos de consumo, de modo que falar em mercado alternativo constitui até mesmo uma hipocrisia em perspectiva.

O que fazer?

Não sei. 

Eu, talvez, vá pensar no sabão de coco, pura Natureza!



domingo, 23 de julho de 2023

A eterna ARTE de se implodir para se reinventar...

Depois de quase um ano de silêncio profundo nesse blog, ensaiei várias vezes escrever alguma coisa, sem sucesso. A inspiração simplesmente não vinha.

Um vazio ensurdecedor retumbou dentro de mim o eco do silêncio durante todo esse tempo.

Nada a dizer...Nada a compartilhar.

Observando, durante esse "quase ano sabático", algumas postagens aqui no blog, percebi o quanto escrevi sobre ciclos, mudanças de ciclos e tudo mais que signifique alguma transformação sem, contudo, ter publicado coisa alguma sobre disrupção e reinvenção...sobre desintegração, implosão ou algo dessa natureza, a representar o efeito de uma bomba atômica interna...

Afinal, foram tantos textos sobre sagrado feminino, yoga, vida simples,  relacionamento tóxico e abusivo, que, sem perceber, estava finalizando um ciclo para, ali na frente, retornar para um padrão mais sofisticado, com "novos" atores representando velhos roteiros de vida.

Reinvenção não é sinônimo de final de ciclo, mas o total desapego de personagens que abraçamos inconscientemente, desapego em relação às experiências, interações, aos relacionamentos. 

Nada fica intacto nesse processo, ao contrário do que acontece no usual final de ciclo.

Um elemento, porém, manteve-se intacto no processo todo: a solitude ao percorrer o caminho, um percurso de autoconhecimento que realmente precisamos fazer sozinhos e sob o mais profundo recolhimento, internalizando, em cada passo, a lição apreendida e aprendida ao longo do trajeto.

Mudança de casa, de bairro, de estilo de vida e até mesmo de percepção espiritual do mundo.

Pessoas que entraram e saíram. 

Jornadas com início, meio e fim.

Relacionamentos familiares que foram descortinados pela luz da convivência, trazendo clareza a tudo aquilo que, antes, encoberto, contribuía para minhas escolhas infrutíferas.

O mais surpreendente, contudo, tem sido descobrir novas cascas de cebola que precisam ser retiradas para o bulbo poder brotar, e isso não pode ser feito sem o mínimo de honestidade.

Aprender que os outros são os outros e que posso arcar com minhas escolhas, com ou sem os outros, é um grande ponto de mutação dessa jornada. 

Abandonar a ideia de alcançar objetivo também. A vida está aí para ser vivida, e não para ser projetada em uma mapeamento, como se tudo estivesse em nosso pleno controle. 

Quando existem outras pessoas no meio do caminho, nada é estático e sujeito ao nosso arbítrio: construímos, todos juntos, uma grande teia que se emaranha e desenrola, trazendo à tona nossos desafios e êxitos.

O mais legal disso tudo é simplesmente isso: observar tudo em perspectiva e abandonar a casca que não mais comporta o novo ser!