domingo, 10 de fevereiro de 2019

Sobre lojas e alternatividades: conversando sobre relações pessoais e consumo consciente

Lembrei-me esses dias de um filme bem interessante, que entrou em cartaz logo na época do boom da internet: o cult Mensagem para você (1998), protagonizado pela "queridinha da América" Meg Ryan e pelo simpático bonachãoTom Hanks, juntos em uma linda história de amor na virada para o cyber mundo em que o teclado substituiu a caneta, o papel e o envelope.

Trata-se da história da proprietária de uma lojinha de livros infantis bem simpática, Kathleen Kelly, que se vê às voltas com a expansão de uma megastore de livros que acaba, pouco a pouco, ocupando o espaço outrora intimista e pessoal da linda lojinha, que tinha sido herança da mãe da personagem. 

Nesse ínterim, Kathleen Kelly e Joe Fox acabam se encontrando: ela, num ativismo para permanecer no mercado. Ele, herdeiro da megastore, engolindo tudo pela frente com uma espécie de livraria empresarial. Depois de se odiarem mutuamente, ao final, descobrem, trocando e-mails com pseudônimos, que se amam.

Um filme lindo demais, que serve de pano de fundo para a conversa de hoje sobre a expansão do mercado alternativo, colaborativo, consciente e outras denominações, tendência crescente há 5, 10 anos no Brasil. 

Embalado pela conscientização em torno de temas como vegetarianismo, veganismo, consumo consciente etc., cada vez mais observamos grandes redes ou franquias abrindo suas portas no Brasil. 

Começou, no caso de Brasília, com o Mundo Verde e hoje temos, por exemplo, a loja Bio Mundo, presente em cada esquina. 

Todas com um design bem moderno, arejadas, prateleiras impreterivelmente simétricas e sem qualquer defeito. Quando entramos, já somos interceptados por gentis colaboradores sorridentes, que repetem um mantra de boas-vindas: "olá, bom dia, está procurando algo em especial?", "qualquer coisa é só chamar, meu nome é (....)".

Por outro lado, na verdade, no lado Kathleen Kelly  da história, ainda temos por aqui as lojinhas intimistas, simpáticas e aconchegantes, que cheiram a especiarias, ervas e sabedoria ancestral, mostrando os contrastes entre um paradigma que está se estabelecendo e o modelo familiar de loja de produtos naturais e alternativos. 

Um aspecto que muito valorizo bastante - herança da minha mãe, proprietária da loja Empório Verde, pioneira em Brasília, juntamente com outra, Verdura Viva - diz respeito às relações pessoais elaboradas com os proprietários, fornecedores e colaboradores dessas lojinhas lindas, o diferencial que o lado Joe Fox (personagem de Tom Hanks), não consegue imprimir em sua megastore-tubarão. 

Aqui perto de casa temos um exemplo de lojinha assim: Temperos e Mel, que fica no Jardim Botânico Shopping (Condomínio San Diego, 64), não tem site, perfil em instagram, facebook e tarrafas do gênero. 

É uma loja que parece muito o Beco Diagonal da saga de filmes do Harry Potter: lá tem absolutamente tudo, tudo e mais o que não se conhece, relacionado à alimentação e saúde integral, alternativa, consciente, vegana, vegetariana. Desde prateleiras repletas de ervas produzidas aqui mesmo em Brasília, passando por coxinha de jaca, kombucha e massa de tapioca. 

Pensou? A loja materializa para você!!! 

Ela "lê seus pensamentos" e imanta num cantinho de prateleira o que você deseja levar para casa. 

O mais impressionante e que faz com que sempre dê vontade de retornar é o atendimento e, sobretudo, o envolvimento do proprietário e dos colaboradores, sempre solícitos, sem que entoem mantras robóticos. As pessoas ali realmente te desejam um lindo dia e interagem com você, da forma mais espontânea e verdadeira possível.

Além disso e, o diferencial: conhecem o que comercializam e sabem as propriedades do que oferecem ao público. Nas lojas grandes, as lojas-tubarão do Joe Fox, isso não é possível. Basta um olhar mais atento - quem viveu a transição das livrarias pequenas para a Cultura, Saraiva e Fnac sabe disso - para perceber que o envolvimento e o conhecimento se perderam na expansão do grande comércio alternativo e natural. 

Os proprietários não ficam na loja, os colaboradores não sabem para que serve o produto que oferecem e, acima de tudo, em idos de sociedade líquida e distanciada, a indiferença blasé é a constante desses mega espaços de consumo. 

Sim, dentro de tal perspectiva, o que estou querendo dizer é que, apesar da boa vontade, do objeto legítimo (alimentação saudável), o consumismo finalmente chegou às portas do mercado alternativo, o que seria incompatível com a eticidade desse nicho diferenciado, onde, ao final, o que importava era o estreitamento das relações interpessoais e, com isso, o compartilhamento de valiosas informações sobre o bem-viver. 

Não desejo ser uma crítica do modelo de franquia alternativa, mas, ao menos, provocar uma reflexão sobre o tema. 

Sobretudo refletir a respeito de como, com minha prática de vida e com meus hábitos, posso contribuir para, de um lado, estimular que opções fora do mainstream cresçam e, de outro, não se transformem, elas mesmas, no tubarão criado em cativeiro para correr atrás do plástico dos cartões de débito, crédito e dos chips subcutâneos. 

Com isso, tenho prestigiado o básico: vou onde o conhecimento, o envolvimento e o aconchego se encontram e não tenho me arrependido dessa posição, porque até meu meu bolso agradece, já que os produtos tendem a ser mais caros em tais Mecas do consumo alternativo, até pela obviedade de manter a estrutura perfeita e clean.

Seguindo os ditames do coração, vou para onde minha alma se sente em casa, bem ali, na lojinha com aroma de especiarias, ervas e aconchego, pois o segredo da vida está na simplicidade das escolhas que fazemos para uma vida de verdadeira plenitude!

Namasté!