quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Diga-me, afinal, para "quem é o yoga"? Quando a sutil arte de oprimir se canaliza na docilidade do compartilhar



Ouvi, certa vez, num retiro, algo que nunca saiu da mente.

O instrutor, um guru com 45 anos de prática de yoga, comentou que "se, em sua vida de yoga, você não mudou absolutamente NADA em sua vida, provavelmente o yoga não é para você".

Quando ele falou isso tive aquele susto, o ego analítico foi logo contestando mentalmente, dizendo "que absurdo", "como assim", "que elitização".

Afinal, num mundo "zen", "somos todos um" [aspas para designar a redução do rico universo desses conceitos ao que é caricaturizado] e outros estereótipos encaixotadores, fazer uma afirmação dessas, para mim, naquela época (2000) era algo inimaginável e afrontoso aos "preceitos éticos do amor universal" [entre aspas mesmo, porque é mais um julgamento encaixotador].

Fui logo fazendo um "tratado" sócio-político-mental, invocando Bourdieu, Gramsci, Diderot, Foucault, Morin (rs, uma salada mesmo, não liguem) e puxei na mente uma tonelada de páginas de reflexões sobre igualdade, democracia e tantos outros conceitos que, por segundos, perdi-me da palestra e fiquei boiando na agitação da tempestade mental que instalei no lindo mar espelhado que tanto queremos alcançar com as práticas entronizadas de autoconhecimento.

"Não, não, não, não, não" - pensava - "eu QUERO que o yoga seja para todos", "eu quero que todos façam yoga", "eu quero que todos sejam felizes como sou", "eu quero, eu quero, eu quero", "quero, quero, quero", "eu, eu eu".

Total rota de colisão contra um muro de contenção, não é mesmo?

Eu quero, quero e eu, tudo de mais egoico numa mesma frase, numa anestesia da felicidade histriônica, que se apresentava como desejo incontido de esparramar a felicidade e o amor universal.

Trabalho voluntário aqui e acolá, burros n´água aqui e lá e muro, muro e mais muro-namastê!

O que, céus, estava fora de prumo?

Claro que os outros! Os outros que estavam "errados"!

A humanidade "insensível", os seres "indisciplinados" e tudo aquilo que poderia eu utilizar para justificar lá fora as lições que deveria aprender ainda a respeito de mim mesma.

Mas, com o tempo e a prática, fui observando em mim, nas insistências e teimosias em continuar batendo a cabeça e o plexo solar na mesma tecla, na tecla do "eu quero assim".

Enquanto seguia nesse barco da marretada, lesionava-me muito, ora por autoflagelação, ora por antagonismo, pretendo provar algo a não sei quem.

Estou longe de ser modelo ou exemplo de perfeição que, aliás, nem bem sei o que é nessa tridimensionalidade, mas tenho aprendido bastante a lição da água e do bambu: seguir um fluxo (tem um fluxo, um caminho, não é nada esculhambado de "ver qualé" ou "sentir a onda") e, diante da vicissitude do vento, voltar, ir e vir.

Daí, aos poucos, fui percebendo o que o guru, com o universo semântico dele, trouxe de lição para mim...

Percebi que o yoga, para otimizar nossa vida, precisa sair do tapetinho e passar a integrar, aos poucos, nossa própria forma de pensar, agir, falar, calar, fazer etc., pois, caso contrário, apenas aprofundamos os abismos da dualidade, chafurdamos nela, usando o yoga como muleta existencial, um instrumento guardado no armário para ser usado como válvula de escape, e não como uma vara a nos impulsionar.

Por isso hoje entendo melhor e com amorosidade quem se dispõe a encarar o yoga como mera "ginástica funcional, mecanismo contestatório do sistema-matrix reinante, terapia semanal ou alavanca de malabarismos Cirque du Soleil", está tudo certo, trata-se do caminho do outro...

Passei a perceber a história de vida por trás da indisciplina, das ausências, da falta de compromisso, na medida em que recolhi o flap do olhar para o outro e passei a perceber em mim a extrema crítica, alta cobrança interna, culpa e tantos outros sentimentos que, juntos, traziam uma malha de ilusão em relação à expectativa quanto ao caminho do outro.

Isso porque, por várias razões e vários motivos (ora escolhas conscientes, ora pegadinhas do ego a usar desculpas, ora incidentes sincrônicos), precisei parar com as aulas que estava fazendo, para focar apenas nas práticas que compartilhava nas aulas.

Porém, voltando, eu mesma (ou o eu-ego-somos-um), a praticar com outra pessoa na instrução (chamem de instrutora, professora, mestra, enfim, rótulos) senti o valor que o yoga tem em minha vida, bem como como custa negligenciar o cuidado para comigo, seja lá por qual nobre razão que "aconteça" em minha vida.

Trata-se de escolha e precisamos, sempre, conviver com o sistema de decisões, já que ainda tratamos tudo como "perda e ganho" (aquele clichê de "toda escolha supõe uma perda").

Mas, a questão é que é percebi ser necessário parar e reelaborar a planilha de prioridades, ponderando o que realmente preciso fazer por mim em contraste com o trabalho formal e institucional que demanda horas sentadas, 30 gatos, 10 cachorros (mais uns 5 a 7 vindo), limpeza de casa, cozinha, horta, chácara, gestão, cuidado com a família, tensão com obrigações, efeito da covid que até hoje está aqui, blá blá blá (não vou ampliar porque não se trata de uma lista de vitimização).

Seria muito prático "contratar" eventualmente uma massagista ayurvédica, terapeuta, fitoterapeuta, naturopata e toda uma linha de produção industrial que se estabeleceu numa "indústria Namastê" que está aí para isso: realizar o mesmo consumismo que tanto se critica no mainstream. [percebam: não é o paradigma alternativo, em si, que está fora de prumo, mas a banalização da cultura da salvação, na qual as pessoas usam do instrumental apenas para darem vazão a mecanismos de troca, compensação e substituição, sendo passivos em relação ao seu caminho de autoconhecimento].

É cômodo alguém fazer isso...mas, não seria a mesma válvula?

Sair do casulo, respirar o arzinho e, depois voltar para a sufocação?

Então, pensando nisso, resolvi me desafiar mais, disciplinar mais, pois, afinal, quem ganha com isso é minha alma, que vai se libertando, sempre e sempre.

Hoje posso dizer que estou na modulação do giro de chave na vida, pois minha prioridade comigo é, antes de tudo, o yoga que sustenta o corpo, a mente, a mente e o espírito e todo o restante da vida se faz em função disso para mim.

As contas de água, luz, mercado etc. continuam chegando, as demandas também, pois não tenho nada de diferente de ninguém.

A diferença, percebo por experiência, é como lidamos com nossas prioridades.

Por isso que, a cada recomeço de aulas de yoga choro, por me sentir em casa novamente...

Om shanti, shanti, shantihi!!!






domingo, 15 de agosto de 2021

E sopra o vento lúdico da eterna mudança...

Quando pequena (por volta dos 3, 4 anos), passei um tempo numa estância no sul do país, cercada pelo verde dos pampas, pela maciez da lã dos carneiros, pela impetuosidade dos cavalos e por tudo aquilo que a natureza traz em sua composição de mundo a refletir a edificação harmoniosa de Deus.

Mais tarde, senti bem a boa influência desse período, pois, sempre busquei agir conforme minha personalidade bucólica, onde o menos sempre foi mais.

Comida saudável, roupas confortáveis e naturais, viver com simplicidade: essa foi a dinâmica que trazia para minha vida um colorido nostálgico que me impeliu a retornar à vida no campo.

Quando me mudei da casa da minha mãe - por volta dos 29 anos - segui, de imediato, para um apartamento, sentindo grande diferença. Isso porque, até então, havia morado em casas, vendo minha mãe cultivando a terra, plantando as hortaliças, criando galinhas e convivendo com cachorros.

Decidi, desde então, que iria fazer um movimento gradual de retorno à vida simples do campo. Mais, que efetivamente iria retornar ao campo, à vida rural, longe do frenesi da urbanidade. Do apartamento, fui para uma casinha charmosa dentro da cidade mesmo, reproduzindo contudo, um modo de vida campestre. 

Plantei uma amoreira, iniciei meu jardim de ervas e fiquei ali, contemplando o início dessa jornada. Aprendi muito com as amizades que me trouxeram essa visão, aliada à alimentação saudável e frugal. 

Grana curta para os padrões sociais de uma ilha de fantasia, mas abundante para os propósitos que estava ressignificando para minha vida.

Saía para estudar (fazia doutorado em direito na época), indo de bicicleta da Candangolândia até a Universidade de Brasília, observando, contemplando, contentando-me com a vida, simples, como ela é. 

Dinheiro rendia, mesmo contando as moedinhas do porquinho para comprar a ração do dia para os catiorros e gatíneos, meus companheiros de vida simples.

A brisa no rosto me indicava sempre o caminho literalmente certo, pois a paz era uma constância dentro de mim, mesmo diante, claro, dos desafios que diariamente se colocam à nossa frente. 

PLENITUDE, a palavra-chave. 

Mais tarde encontrei um chalezinho no jardim Botânico. Terreno maior, mais árvores frutíferas, córrego passando lá no final do condomínio. 

Imergi mais no processo, porque o local era propício ao silêncio e à simplificação. 

De lá dei um salto para um condomínio ainda mais distante, com outro chalé avizinhado pela mata e por macaquinhos. Clima ameno, estrada verdejante, um sonho, literalmente. Como a distância havia aumentado, passei a racionalizar demandas. Sair de lá? Apenas diante de uma extensa lista de itens.

Cachoeira no local, trilha meditativa, yoga na comunidade: tudo estava de acordo com o ritmo da simplificação e do despojamento. Assim como a pele da cebola, fui me descascando, aos poucos, para a próxima etapa. 

Na última casa de condomínio, horta mais ampla, mais plantio de frutíferas, fogueira, cerradinho. Vista do horizonte verde do vale. O mesmo córrego, agora, de uma perspectiva um pouco diferente, lembrando-me que o rio e o ser humano não são os mesmos de qualquer forma. 

No início do ano, o vento da mudança. Encontrei uma chácara, longe da urbanidade, com 3 km de estada de chão, mais 8 km até a cidadela mais próxima. Local promissor para tudo que sempre desejei desenvolver, agora em escala maior: compostagem, galinhas, hortaliças, água. 

Sobretudo, o silêncio. O silêncio que nos coloca a refletir sobre o propósito de nossas vidas, sem o ruído que o ego distraído busca imprimir para não se sentir sozinho. 

Cada dia apresenta seu peculiar modo de vida. Agora, literalmente não tenho à disposição a possibilidade de pegar o jipe e ir ali, em 3 minutos, comprar um fósforo para acender a chama do fogão. Descobri que preciso me virar um pouco mais com o que tenho aqui em casa. 

A despensa me mostrou o que nutria, ainda, de medo, da escassez. Encontrei comida estocada que sequer sabia que existia. Ela se transforma, todos os dias, em surpresas criativas, nos pratos que invento, na alimentação que busco balancear. 

Depois que contraí covid (em fevereiro), voltei a comer carne e tomar leite depois de 20 anos.

Foi um momento interessante, um mix de terapia com desespero, pois havia ficado 3 meses sem olfato e paladar. Agora, naturalmente, volto - sem drama, sem querer dar lição de moral, ética, especismo etc. - a retirar a carne, sem me ocupar se isso é "para sempre", quando eu mesma não sou.

"Sou vegetariana"? 

"Sou ovo-lacto-alguma coisa"?

Não sei, o rótulo oprime demais, traz para a gente uma tábua de lei que, sem fé, nada quer dizer. Ainda mais com o verbo ser, outro problema existencial, posto que confundido, sempre, com a ideia de perpetuidade, num mundo em que tudo se transforma. 

Estou fazendo amizade com os pássaros que ficam por aqui, cada qual com um som diferente, que nunca ouvi antes. Um deles, um amarelinho, vem todos os dias até a janela do banheiro, olha para dentro e vai embora. Livre e solto. 

O sono voltou a ser leve, o tempo, a esticar e parar. Estou aprendendo, ainda, falta muito que assimilar. Estou na lição do despojamento das planilhas do "a fazer", porque existe muito a ser feito, e não tenho mesmo o controle de variáveis.

O salário precisa render mais para que a chácara se pague na restauração feita para que pudesse me mudar. A seca castiga o cerrado, com o fogo dando seu alô de vez em quando. A chuva, em outubro, marca a necessidade de resolver o galinheiro e a horta o quanto antes. 

Mas o "antes", agora sei, é de acordo com o fluxo, e não segundo minha vontade. 

Deixei a aula presencial, grata pelo tempo em que passei indo ao Condomínio Verde compartilhar o yoga. A turma, contudo, segue. Seguimos o fluxo que o coronavírus nos deixou de lição para o yoga on line, direto da "fazendinha". 

Enquanto a chama persiste, eis-me aqui para continuar. 

Estou conhecendo pessoas novas, com novas experiências a compartilhar. Gente simples, num mundo simples, que me faz perceber o quanto existe ainda de possibilidade a ser agregada, basta a disposição interna. 

O mundo, aos poucos, vai se redefinindo, moldando, modelando ao estado de alma, mostrando que, ao final, é o que trazemos dentro de nós que marca as escolhas a serem feitas...

São os ventos de mais uma mudança...

Gratidão, gratidão e gratidão.
 

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Quando a mudança vem e o propósito vai: lives for a new life, reflexões sobre a experiência da plenitude


Mudanças sempre nos trazem o convite para sair da zona de conforto e de uma espécie de "ostracismo" existencial, catapultando-nos a novas experiências, ressignificações, bem como a novos valores e atitudes.

Estava lendo aqui minha última postagem, láááááá em dezembro. Muita água rodou moinhos: contraí covid-19, fiquei meio sequelada, renovei algumas convicções, implodi outras tantas. 

Concretizei um projeto antigo de ir para uma chácara e incrementar, ainda mais, a visão living off the grid de mundo. Ovos, horta, pássaros, silêncio, liberdade, plenitude para os catiorros, gatíneos e, claro, para minha jornada. 

Desafios que se descortinam todos os dias: como lidar com o lixo produzido em casa, como lidar com a distância até o trabalho, estrada de chão, acesso a bens de consumo, enfim, elementos que, outrora, estavam na pauta de um dia-a-dia que, a cada dia, tenho descoberto ser apenas uma perspectiva.

Daí a ideia de compartilhar essa fase da vida, pois sempre escuto atentamente pessoas queridas desejando "dar um novo rumo na vida", "desacelerar", "mudar de vida". 

Como, então, fazer isso? 

Não sei, não tenho fórmulas prontas, muito menos que sejam universalizáveis, pois cada um tem a singularidade de jornada, que traz opções e escolhas distintas, ainda que, em regra, os dilemas humanos possam ser os mesmos, em menor ou maior grau de sofisticação. 

Esse vídeo acima inaugura essa fase fecunda: chama-se Lives for a new Life, iniciando com uma reflexão que tomo como premissa para o restante da conversa: qual é o seu propósito?

O quanto estamos dispostos a lidar com apegos e desapegos, para que possamos alimentar mais o espírito e esvaziar, assim, um pouco, o saco sem fundo do ego que vive para desejar, expectar e se frustrar. 

Fica o convite à reflexão...