segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Cuidando do nosso coração: o desafio de dizer NÃO para as demandas alheias



Já perdi as contas de quantas vezes deixei de realizar algo bom, útil e necessário ao meu crescimento pessoal (no caso, crescimento emocional, mental e espiritual), para administrar demanda alheia que, "supostamente", não poderia esperar!

Aulas de yoga não realizadas, meditação abandonada no meio do caminho, leituras deixadas de lado, atividades ao ar livre que coincidiam com tarefas, almoço em 5 segundos. Má digestão...

Na afoiteza de atender ao outro, esqueci-me de mim, várias e várias vezes, ao longo de vários e vários anos. 

O início é sutil: a gente acha que será "mais valorizada", que está fazendo "algo legal pelo planeta", um esboço de adaptação saudável ou resiliência, em nome do altruísmo que nos elevará à condição de avatares nessa terra.

Contudo, depois vem a armadilha do ego, que inicia um processo de construção de expectativas em cima dessa, que é uma premissa totalmente falsa.

Isso porque, na medida em que vamos cedendo às demandas, sem observar nosso próprio tempo e necessidade de autocuidado, um rolo compressor começa a nos oprimir, e nossa luz vai oscilando e ficando mais pálida.

Quando nos damos conta, adoecemos, porque o corpo, afinal, responde, quando a alma não é ouvida. 

Por que deixamos isso acontecer? Por que nos agredimos tanto? 

O que fazer diante disso? 

Olhando para meus processos de sabotagem, percebi acreditar piamente que meu esforço seria reconhecido pelo outro. Que "os outros irão nos valorizar" e, noutra ocasião, "devolverão a benesse feita". 

Ou, então, dentro de um paradigma espiritualista pingue-pongue (travestido de reciprocidade, carma ou lei de atração), que "somos todos um", que o "divino que habita em mim respeita o momento do divino que habita no outro" (licença poética do namastê meio fora de contexto). 

Que, num dia em que precisarmos, todo mundo entenderá e cederá, porque, de fato, fomos nós quem cedemos.

Diante do silêncio ante nossa ação, vamos perdendo o rumo acreditando na assertiva sedutora que esse "sacrifício não é em vão", quando, de fato, já foi em vão há tempos, porque nos colocou na posição de nos agredir. 

De nos anular ou, pior, nulificar. 

Tudo em nome de um ideal, seja pessoal ou coletivo.

Eis, então, o derradeiro momento de parar, respirar, esvaziar a mente para retomar a consciência do que somos, e não do papel egoico que nos impelimos a realizar, nas várias facetas de nossas atividades.

Passamos a perceber que esse ideal - como tudo para o qual direcionamos motivação, desejo e vontade - nada mais é do que a boa e velha fórmula do velho apego à ilusão. Iludimo-nos todos os dias, concentrando razão e ação em ideais, de modo que a frustração de metas traz decepção e cobrança. 

O outro inconveniente, esse tal ideal

Trata-se do outro (que pode ser uma pessoa, uma instituição, uma ideologia, um projeto etc.) que não está em nossa pele para arcar com o resultado de nossas ações "contra nós mesmos". 

É o outro que "nos suga" e drena até o último filete de nossas energias, deixando apenas um trapo, onde, antes, habitava a plenitude. 

Olhamos no espelho nossas olheiras e percebemos nosso corpo fraco, além da mente dispersa em mil pensamentos e conexões. 

O outro no espelho...

Não, esse outro não está fora de nós

Essa foi a maior lição da minha vida: recolher a tarrafa da responsabilização do coletivo anônimo, ou de um bode expiatório, para esquecer de que sou EU quem está à frente desse processo

Quando passei a falar mais NÃO para esse sabotador interno, o resultado veio logo...Primeiro, o ego passou a cobrar, eu passei a me cobrar resultados, a manifestar síndrome de impostora, a me desvalorizar, a mergulhar no poço. 

No fundo do poço...

Mas quando se chega ao fundo do poço, descobri que só se pode, a partir daí, olhar para cima. E, com isso, cavar mais fundo e se enterrar não é mais opção. 

Escalar rumo aos céus, sim! 

Daí, olhando para as necessidades da minha alma, passei a reconhecer o momento para mim...a falar sonoros NÃOS também para a culpa e sabotagem e, com isso, a falar não para pessoas, projetos, instituições

Para quem quer que seja...

O NÃO passou a ser libertador, porque, de fato, diante dele comecei a perceber que, de fato, as demandas de tempo, ação etc. SÃO DOS OUTROS, não minhas. 

Que não posso ser responsável pela ansiedade alheia ou por todas as desconhecidas variáveis do mundo além do meu umbigo, já que gasto uma energia administrando a minha própria ansiedade, o que já é um saco também (hahahahaha). 

Com isso, passei a ser protagonista de eventos, estabelecendo limites para o mundo afora. O tempo dedicado ao autocuidado e autoconhecimento veio se elongando mais e mais, trazendo plenitude e consciência. 

O tempo para a aula de yoga sem culpa foi se operacionalizando, a meditação foi se desenhando como ritual espontâneo e as atividades lúdicas foram se realizando de forma orgânica e natural.

E o mundo, as pessoas, os demandadores de plantão? 

Continuam em suas trajetórias pessoais de demandas e expectativas não resolvidas. O que não é mais problema meu

Esse é o ponto...seguir adiante, com a espontaneidade do processo interno e se desvincular, desapegar, retirar o peso que as pessoas, coisas e estados das coisas representam em nossas vidas. 

É uma jornada desafiadora...mas, o que, de fato, assim não é nessa vida?

Então que seja e traga crescimento e bem-estar para a alma.

Caso contrário, seremos apenas discos furados repetindo padrões, pelo infinito...