terça-feira, 12 de abril de 2022

Mantras, os sons de Deus e a força da criação



Quando a palavra "mantra" vem à mente, logo pensamos no famoso Om, cuja sonoridade nos embala para um estado de concentração, oração ou meditação, conforme nossa convicção e percepção a respeito do que significa essa vocalização. 

Quase todos os livros sagrados das mais antigas culturas do mundo convergem para uma ideia: a de que o Cosmos foi elaborado a partir de luz e som (o que, de fato, não diverge tanto assim do que desenvolve a ciência a respeito do tema). 

Com isso, em muitas dessas culturas, a prática de cânticos, o entoar de mantras e partículas sonoras, bem como a busca de alinhamentos lunares e solares foram a maneira de se conectarem mais ao divino, a Deus.

No yoga, a vocalização dos mantras cumpre essa função de conexão. 

Mantra, do sânscrito man (pensar) + tra (instrumentalidade), constitui um fonema ou repertório de frases, aparentemente ininteligíveis ao ego condicionado na língua-mãe de cada um de nós, mas com signo, significado e significante antigos, presentes no akasha ou repositório universal (uma espécie de dicionário linguístico da humanidade, em seu aspecto individual). 

Para Feuerstein, o fonema pode, ou não, ter um sentido comunicável, destinando-se a nos levar para a contemplação, a partir de um sentido iniciático, no qual a sílaba ou o fonema só adquire sentido após ser compartilhada com o discípulo pelo mestre (guru).

Assim, longe de ser algo despretensioso, o mantra agrega, para a cultura indo-védica, na sua origem, esse aspecto iniciático de conhecimento transmitido numa linhagem, tradição e disciplina próprias. 

Porém, para além de um dogma iniciático e hermético, tenho, por experiência, que a função do mantra (maneira de pensar, forma de pensar) se destina, em nível consciente, a chamar a atenção do ego vacilante e falante (pensante), enquanto que em nível subconsciente, de produzir gatilhos para essa semântica sagrada, que não é entendida pelo ego, mas acessada pelo Eu Superior, em nível inconsciente

É entre o subconsciente e inconsciente que opera a maravilhosa atividade mântrica. 

Quando entoado com a convicção de sua atividade, ele produz profundas transformações, pois reverbera no ambiente, bem como adentra as camadas e os subníveis energéticos mais profundos (lembrando que, ao final, somos poeiras subatômicas ordenadas e plasmadas no material, mas fundamentalmente energia pulsante), produzindo ondas que anestesiam a mente pela repetição do som no qual está aderida a mensagem.

Assim, quando mantramos, nossa mente não reconhece a língua ou o significado estrito do mantra, ficando inquieta e, até mesmo, insana, tentando "quebrar a cabeça para tentar descobrir o que se fala e, com isso, como sempre, produzir um "mar de sabotagens" ("eu não tive tempo", "eu tenho que fazer isso", "eu não consigo" etc.)

Quanto menor a frequência de onda, o que se percebe, por exemplo, no mantra acima, entoado guturalmente e com timbre grave, mais se acessa a camada de unidade mais básica do humano. 

Os monges tibetanos, por exemplo, revezam-se entoando OM ou AUM-OM (sons primordiais) para descondicionar os 3 primeiros chackras, que são, em nível de desenvolvimento espiritual coletivo, os que demandam mais atenção, porque nos ligam ou conectam ao material, mundano, tridimensional, com tudo que diz respeito a ele enquanto alicerçado nessa 3D. 

Na meditação cristã, os hesicastas reverberam "Jesus, Filho de Deus", ou "Maranata" (vem, Senhor). 

Qualquer que seja a tradição, na medida em que se alavancam outros estados de consciência, bem como frequências mais amplas, amplia-se para os demais chackras todo esse trabalho que se inicia na inalação de prana, bem como na movimentação das cordas vocais e se alastra para os vórtices e pontos de energia (chackras e nadis). 

Qual a diferença entre um mantra em sânscrito e tibetano para uma oração em português ou inglês (ou a língua original da pessoa)? 

A diferença é a sofisticação do ego, que se desenvolve também em nível intelectual (aliás, intelectualidade, vaidade e ego caminham, muitas vezes, juntas no não desperto) e, durante a entonação na língua conhecida, começa e enviar e desenvolver pensamentos que, como um fluxo, desviam de rota a finalidade conectiva. 

Por isso que palavras têm poder, tanto de nos elevar, mas, também, de nos fazer decair. 

A escolha sempre é nossa, seja em nível de ego ou alma.

Na prática de yoga, por intermédio da puja, entoamos mantras com o propósito pedagógico de adestrar o ego, para que, durante a prática, tenhamos consciência do que ele promove de sabotagem específica do tapetinho, que se irradia para a vida, se deixarmos ("isso é difícil para mim, é impossível fazer isso, não dou conta, vou levar muito tempo para fazer, sou muito duro, não tenho flexibilidade"). 

Assim como podemos escolher o que podemos degustar para nutrir nosso corpo, podemos escolher o que falar, pensar e ouvir, para que a alma também seja nutrida de afeto, amor, autoaceitação e coragem para os desafios que se apresentam durante nossa jornada. 

Gratidão!