quarta-feira, 1 de junho de 2022

Observando "limites" na prática do yoga: o ir e vir da mente na superação da zona de conforto

Quando olhamos as bonitas fotos no instagram, quase sempre vemos postagens mostrando posturas difíceis e mirabolantes, executadas com perfeição por praticantes e instrutores de yoga. [chamei "postura", e não asana, porque sinto que a mera performance executada em frente à câmera, para fins expositivos, sem o contexto amplo e profundo do que o yoga significa, não é asana].

Admiramos tamanha plasticidade, beleza e desenvoltura, não é mesmo?

Pensamos "uau, como alguém consegue fazer isso?"

Ou, ainda, naquela fração de tempo em que a estima é abalada, achamos que "nunca vou fazer isso" e "yoga é para quem tem flexibilidade". 

Ângulo da luz, bonitas paisagens, malha bonita e corpo "sarado", elementos que se somam para a construção de uma "selfie" que reflita a postura compartilhada na rede social para divulgar o fantástico trabalho que o yoga faz em nossas vidas, por meio dos benefícios que essa senda milenar traz para a jornada do praticante. 

Diante desse contexto lindo de contemplação da arte, podemos cair na tentação de olhar apenas a perfeição...do outro. 

Afinal, ela nos seduz e cativa, por conta de tantos componentes imagéticos que são acionados por meio do registro virtual, trazendo um desejo de alcançar, a todo custo, aquele ideal de execução do asana.

"Treinamos", praticamos, exigimos de nós a excelência, tudo no intuito de, um dia, podermos executar o asana de forma minimamente parecida ao ideal que "printamos" em nosso HD mental, graças ao bombardeamento de imagens que assolam o mundo das hashtags.

Se não atentarmos para esse processo sutil, entramos numa espiral de condicionamento da mente, do emocional e do corpo rumo à extrema pressão, podendo resultar no esgotamento e na ocorrência de lesões que, quase sempre, deixam-nos de molho por dias e até meses. 

Como lidar com essa linha tênue entre se desafiar, de forma saudável, e de se agredir por pura projeção de uma egotrip

Essa pergunta traz muitas reflexões, permitindo, ali, na prática no tapetinho, que a articulação entre alguns dos princípios (membros) do yoga - os angas - contribua com o desnudamento dessa linha tênue entre a prática desapegada e a ostensividade nociva da obsessão pela realização do asana.

Hoje, em especial, falaremos sobre alguns yamas (preceitos éticos, de observância interna, que se projeta na conduta do praticante, em relação a si, com o outro e, por que não dizer, com a vida)

Quando estamos no tapetinho, geralmente ouvimos a instrução para não praticar violência e observar nossos limites naquele momento, componente básico de ahiṁsāum preceito genérico que não apenas se relaciona ao aspecto qualitativamente físico, mas a absolutamente tudo que diz respeito à agressividade, refletindo, em nossa jornada no dia-a-dia, a modulação de nossas conduta, em relação aos outros e a nós mesmos.

Como ele se materializa? Como se respeitar na hora da prática?

Na observação de si, como aquele terceiro que se olha, percebendo alguma alteração, dor ou dessintonia potencializada que, mais adiante, com a prática, pode se plasmar de forma mais direta e contundente. Assim, de início, perceber uma câimbra, luxação, uma dor latente ou até um leve desconforto já nos acena maior zelo em observar, dentro da dinâmica da prática, o que podemos fazer e em qual medida. 

E quando estamos no asana

A estabilidade confortável nele já sugere o conforto. Muitas vezes existem variações do asana que podem ser trabalhados na prática. Esse momento é o desafio para o praticante: ir ou ficar na "zona de conforto"?

Já me lesionei muitas vezes por trazer justamente para esse momento zero esse pensamento, essa dualidade: sair da zona de conforto e me arriscar? Outras vezes, minha mente ia mais longe, chegando a querer prever riscos (parecendo seguradora cotando seguro de acidente). 

Esse é momento para o desapego dessa dicotomia, pois ela, vindo da razão (julgamento, valoração, crítica) reafirma a tensão e faz transparecer o ator por trás dessa inquietude: ego...

Como resolver, então? 

"Resolver"? 

Não se trata de resolução (de novo, a razão dando pitaco), mas do isolamento da percepção, com a realização do asana. Se fluir e a entrada se der nessa dinâmica de leveza, sem que desfoquemos para avaliar ou racionalizar "perdas e ganhos", já obtemos o resultado. 

Importante lembrar que, algumas vezes, nosso corpo imanta barreiras ou travas, por cautela em relação à exposição ao risco (receio): uma espécie de congelamento ou tensão que enrijece musculatura, articulações, tudo fica "duro". 

Creio ser o momento propício para aprofundar o pranayama, investindo no ir e vir da inalação (pūraka) e exalação (rechaka), sobretudo nessa última, ocasião em que podemos nos recolher e entrar no asana, se esse assim o pedir (cada imersão tem uma dinâmica de respiração, impactando, assim, o pranayama). 

Nesse mergulho, satya reluz como verdade maior que, aliada ao desapego (aparigraha), traz o fluxo para a simples realização, e não para a busca de resultados. Essa verdade interior manifestada se revela por trás da máscara do "eu vou de qualquer jeito", esse "ardil" que damos em nós mesmos para nos "forçar" a fazer o asana, por puro apego ao sucesso e à obsessão de superação de limites.

Quando comecei a realizar esse caminho, um mundo novo se abriu. Isso não quer dizer que, volta e meia, eu não saia me lesionando por aí, em face da teimosia egoica, mas que, dentro dela e, para além dela, hoje consigo perceber melhor todo esse processo, a partir do tapetinho e, como lição, também fora dele. 

Uma leveza sem medida ou limite, potencializadora do bem-estar que o yoga proporciona em nossa vidas.

Namastê!




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