sábado, 22 de dezembro de 2018

Quando é tempo de não retornar...

Segundo Heráclito de Éfeso, "homem algum pode se banhar duas vezes no mesmo rio". Dito de outra forma, o tempo não volta, fazendo com que tudo que experimentemos em dado período de nossas existências se firme na ideia de instantaneidade e irreversibilidade dos processos, sobretudo aqueles que dizem respeito à maneira como elaboramos relacionamentos.

Nesse contexto, considerando o referencial que adotamos como padrão de mensuração, fincado na ideia clássica de linearidade temporal (anos, meses, dias, horas, minutos, segundos etc.), inexiste retorno nos processos e nas situações vivenciadas em cada fractal de tempo

Cada momentum traz em si a referência do início-meio-fim, ou seja, sua completude enquanto evento, acarretando perdas e ganhos em escolhas em relação ao que fazemos diante da inevitabilidade da seta temporal que nos move, nesse contexto, para a frente, até o devenir do fim de nossa permanência física nesse planeta.

Ainda que se saia da "reta" de determinabilidade temporal linear - típica do sistema ocidental de mensuração - para adotarmos movimentos cíclicos e estados temporais relativizáves, o retorno absoluto ao estado das coisas também é discutível. 

Os celtas, por exemplo...

Mesmo que vivenciassem a espiralização da ideia do triskle com seus três braços numa roda de onde não se consegue visualizar o início ou o fim, concebiam o tempo como um suceder ou um movimento espiral, no qual os processos, ainda que similares e intercomunicantes (como se vê na passagem do dia para a noite e vice-versa), são distintos. 

É o que sustenta, de um lado, a concepção de eterno retorno da alma para experienciação de novas vidas e, de outro, o ineditismo dessa vivência em termos de memória e replicação de fatos e eventos.

Em nível de experienciação no aqui e no agora, estamos sempre sujeitas ao conteúdo latente de nossa memória emocional, sensação nostálgica ou lembrança do que se viveu, uma espécie de print na tela de nossa consciência e, sobretudo, do acervo de sensorialidade que acionamos sempre que vivenciamos algo. 

Tal memória, ora vivenciada à integralidade - como se nos transportássemos para o passado - ora sentida em lapsos, contudo, também não faz com que retomemos a configuração tridimensional do que passamos. 

O que foi, foi-se...

Mas, a despeito disso, em algumas vezes (para alguns, muitas vezes), esse eterno retorno da emoção latente que não se esgotou pode elaborar uma continuidade de repetições de eventos, numa sensação de se estar vivendo, a cada experiência que se afina com o padrão repetitivo, a "mesma história" várias vezes (lembrando aquele filme Feitiço do Tempo).

Ou então, a percepção de continuidade de histórias que, de fato, já se exauriram e ficaram para trás, impedindo-nos, dentro disso, de superá-las e seguir adiante em nossas vivências. 

Quem nunca teve aquela pontada de nostalgia diante de uma história de amor, interrompida e que nunca foi concretizada? Aquela sensação de "como teria sido se não fosse"? 

Essa "alça" temporal, contudo, constitui processo que, de fato, além de não ser mais o mesmo, acarreta tentativas frustradas de retorno a algo que não irá se refazer, muito menos prosseguir ou continuar, pois o momento, as pessoas, o mundo, tudo é distinto...

Isso não quer dizer que não se pode pretender concretizar algo...quer dizer que todos os processos, ainda que se firmem em aparentes repetições, são movimentos novos, que demandam novas posturas emocionais, na medida em que amadurecemos diante do transcurso da vida. 

Se não amadurecemos, o preço a ser pago é bem alto: repetição das "velhas"/novas lições, que representam os padrões em nossas vidas, numa espécie de sensação de não se estar "saindo do lugar". 

Aprender, então, com o processo no passado, rompendo a alça da memória emocional que nos encaminha para esse "patinar" infinito, é uma grande tarefa existencial.

Diante disso, não é possível retomar um relacionamento que ficou lá atrás, nas mesmas configurações em que se firmou no passado. Não existe "dar continuidade", "prosseguir", "retomar", mas a necessidade de se conscientizar a respeito do que se findou, tendo por contexto nossa forma de encarar o processo lá atrás, em contraponto à maneira como, no aqui e no agora, podemos nos movimentar diante do que se apresenta. 

Os chamados "relacionamentos cíclicos", segundo a PhD Amber Vennun (Universidade da Flórida), tendem a tornar as pessoas infelizes, tendo em vista que, mesmo com a ideia que "será diferente", existe uma reprodução de hábitos e comportamentos antigos. 

Segundo a mesma pesquisa (2014), os membros desse tipo de relação têm autoestima baixa, mostram-se menos satisfeitos com o parceiro, além de não se dedicarem à comunicação necessária para a elaboração do relacionamento. Dentro de uma "zona de conforto", o discurso dos casais é ambíguo, acarretando incertezas e inseguranças: a receita certa para o fracasso.

Ou seja, não há retorno...Outras emotividades, outras bases de relação, outras reações e outras reações. 

Só assim é possível, não viver novamente o que poderia ter sido vivido, mas iniciar uma nova trajetória, conquanto as pessoas que elaboram o relacionamento tenham consciência de todo esse processo, pois, dito de outra forma, a assimetria emocional acarreta a sensação de fardo, peso e repetição de processos e, dentro disso, o desânimo e a perda do sentimento.

A ideia hollywoodiana, pois, do herói que volta para a amada, depois de 40 anos, é uma fantasia. Real é a percepção e a consciência de efemeridade dos eventos, pois na experienciação da instantaneidade, quando fazemos escolhas conscientes, somos mais responsáveis pela elaboração de nossos caminhos...

Simples assim...


2 comentários:

  1. Alessandra, quanto tempo! Que texto maravilhoso! Tenho sempre falado com a Priscila, ao longo do tempo! bjs

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    1. Olá, querida Anatilde, tudo bem? Uma alegria enorme tê-la por aqui! Gratidão!

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