domingo, 19 de abril de 2015

Calar, silenciar ou não falar: a virtude da autopreservação espiritual

Fonte da imagem: http://www.nowmaste.com.br/wp-content/uploads/2014/03/sagrado-feminino.jpg

Sempre me perguntam qual é minha religião, ou se acredito em Deus...

O que acho bem pertinente e normal, por vários motivos. Primeiro, porque perguntar a religião sempre soa como abertura de um canal de comunicação entre as pessoas que estão se conhecendo. 

Afinal, religião e espiritualidade são sempre assuntos que geram empatia entre as pessoas, sempre curiosas e ávidas em saber o que nos aguarda depois que os olhos se fecham para esse mundo.

Segundo, estamos sob o manto do monopólio do paradigma judaico-cristão - sobretudo no Brasil, país da cristandade segundo várias religiões e herdeiro do forte lusitanismo católico filipino, que deixou suas marcas até mesmo em nossa arquitetura (basta ver a riqueza e a suntuosidade das igrejas espalhadas pelo Brasil afora).

Geralmente, porém, as pessoas perguntam minha religião, sobretudo, depois das aulas - ou de Direito Penal ou de Introdução ao Direito - pois sempre estou a insistir ferrenhamente na laicidade do Estado, bem como na necessidade de nos desvencilharmos de nossos paradigmas religiosos para a discussão dos rumos jurídico-políticos do Brasil. Ou depois de verem minhas tatuagens e este blog, que traz inúmeras postagens sobre o transcurso na senda céltica dos povos antigos.

De fato, dou a impressão de ser ateia convicta, por frisar nos encontros essa importância que a separação dessas fronteiras traz. Mas, por outro lado, não é somente por conta disso que o silêncio vale mais do que ouro para mim quando o assunto é religiosidade e espiritualidade. 

Não sou ateia. Não sou agnóstica. Apenas não comungo com um paradigma dominante em termos de vivência e expressão da espiritualidade e opto em ficar calada, na minha, sem que traga esse assunto para uma pauta de discussão.

Simplesmente não me apraz qualquer sorte de proselitismo, cristão, búdico ou pagão. Acredito tanto na singularidade das experiências que penso, do fundo do coração, sequer ser necessário trocar ideias a respeito delas quando, ao final, cada qual finda por "defender" sua bandeira espiritual, não deixando margem para o aprendizado que pode advir com a troca de informações.

Além disso, ficar falando gratuitamente sobre minhas predileções espirituais pode soar como um pedante diletantismo, por mais que a intenção possa ser a melhor do mundo, a troca de ideias.

Até eu falar sobre a desconstrução do paradigma ético-religioso masculinista, abordando como os antigos povos - sobretudo celtas - construíram uma percepção dual, eclética e igualitária de deidades, seria o bastante para meio mundo de pessoas dormir. 

Sair da zona de conforto, sobretudo em relação à fé e crença pode ser um movimento ousado, para o qual nem todo mundo está devidamente preparado (não que eu esteja!!). Quer seja professando, como, ainda, tentando professar um caminho, olhar para outro cenário denota medo do desconhecido, o que já nos faz congelar até os ossos.

De mais a mais, tantas foram as perseguições ao longo da História que a publicidade pode denotar "vitrinização" temerária. Ainda mais em se tratando do Sagrado Feminino ou, ainda, do paganismo celta, no qual deuses e deusas dividem funções em paridade de armas. 

Esse rol vasto e profundo de justificativas para não aprofundar as discussões sobre o Sagrado, não poderia deixar de citar os "assunteiros" ou curiosos de plantão, aqueles ou aquelas céticos, que sempre me fazem repensar alguns assuntos a desenvolver no espaço público. No caso, voltei a repensar nisso até no campo privado mesmo, em relação à proximidade de pessoas no campo de relacionamento afetivo.

Já ouvi, certa vez, alguém me dizer que fazia as celebrações (equinócios e solstícios) em nossa roda fraterna, mas que não acreditava em nada daquilo. Achava "legal", mas energeticamente não se afeiçoava, não acreditava e, por fim, não vivenciava.

Hoje penso que a pessoa levava a experiência como uma espécie de cosplay, ou, ainda, talvez uma experiência de RPG, na qual até encenava bem seu papel (consagrava o espaço, lidava com os elementos etc.), mas, no fundo, com essa fala, mostrava que minha experiência, de fato, nada mais era o que, de fato, era: minha experiência. 

Essa experiência, em especial, fez alegremente com que eu revesse, ainda mais, a virtude do silêncio em minha vida, pois, afinal, como poderia sustentar proximidade com alguém que simplesmente estava tão distante do caminho que escolhi e, para além disso (pois isso, apenas, não era justificativa), vivenciar, celebrar, ou, ainda, agregar algo em que, no fundo, não acreditava?

Mais do que isso - e, para além disso - as experiências realmente são de cada um, não sendo razoável se deslegitimar um ou outro caminho em nome de um paradigma único de contemplação do sagrado. Acho que isso ficou mais ressaltado com essa experiência providencial que se colocou à minha frente.

Não gosto, por conta disso, de associações, federações, muito menos de espaços físicos institucionalizados: soam como uma forma de apropriação do monopólio do conhecimento que, a rigor, está aí para todos e todas desfrutarem.

Associações, grupos, rodas etc., no Brasil, são segregatórias: traçam rumos do que deve ser feito, em que se deve acreditar ou, ainda, discriminam reversamente. Já li textos apregoando certas "virtudes" que seriam exclusivas do "feminino" (geralmente ligadas à submissão), enquanto se conclamava os "homens de verdade" à ocupação de um lugar proativo no mundo.

Ou, ainda, templos construídos quando, a bem da verdade, a celtologia nos mostra que a vivência no campo levava os antigos a fazerem seus cultos sagrados nas florestas e bosques, por conta da proximidade com a Natureza venerada. Ou seja, blog, site, facebook, tijolo e argamassa; nada disso, para mim, celebra o sagrado que está presente dentro do coração coligado à Natureza.

Dogmas, dogmas e mais dogmas.

Por isso saí dele, bem como de um número considerável de grupos com os quais julgava ter afinidade energética, preferindo minhas atividades solitárias e ermitãs. Sozinha na calmaria do lar sagrado - bem como em ótima companhia, dos familiares - consigo refletir mais e me conhecer mais.

Esse tempo fora do facebook me fez reafirmar o completo desacerto de me dedicar a infrutíferos debates, que mais pareciam uma batalha nos mares em idos de Segunda Guerra Mundial, com egos saltando para todos os lados. 

Estou aprendendo a separar o joio do trigo nas experiências que se apresentam, bem como lidar com as situações embutidas nas escolhas que faço ao longo da vida. Na tentativa e no erro componho a sinfonia da melodia que irei seguir até o Outro Mundo.

"Em que acredito?" Bom, enfim, esse era o tema da postagem. Não penso que essa seja, ao final, a pergunta mais importante. "O que vivencio?" é, para mim, a quintessência da realização do espiritual no plano material. Os antigos celtas vivenciavam esse mundo intrinsecamente coligado a outro, apenas invisível. 

Mas, importante frisar que até mesmo os deuses e as deusas celtas eram palpáveis aos olhos mortais, podendo até mesmo se chegar às suas moradas (sídhes) por intermédio da honorabilidade e do merecimento em faces dos atos praticados em vida. 

Não acredito em deuses e deusas. 

Não, não acredito porque eles já se fazem imantados, para mim, no que a Natureza apresenta de beneplácito a cada dia em que me permite respirar e vivenciar o pequeno mundo mágico da vida. 

Acreditamos ou depositamos fé em algo que não podemos ver ou nos certificar a respeito. Nada disso me apraz. O que me alimenta é a vívida chama de sentir em meu coração - quer seja olhando para os gatos e cães que me dão a honra de serem minha família, ou, ainda, uma gota de chuva caindo ao solo - a força da deidade.

A gratidão em estar, a cada dia, vivenciando isso, cultivando isso, quietinha, sem que tenha que me justificar dos porquês agradeço à terra, à água, ao fogo e ao ar, ou, ainda, a razão pela qual convoco minha ancestralidade para as celebrações. 

Isso só tem significado para mim, para ninguém mais. Já pensei - como postei em outra oportunidade, no texto Clãs, covens e solitudes: derradeiros momentos de escolhas - em montar um clã para compartilhar as práticas ancestrais. Mas, sinceramente? De novo a sensação de que a coisa só faz sentido para mim. 

Egoísta? Pode até ser que algumas pessoas me vejam assim. 

Não creio, na medida em que posso continuar desenvolver algumas atividades e as compartilhando com as outras pessoas. Gosto de ler runas para meus amigos e minhas amigas, imantar objetos e cristais para cura. Ou, ainda, realizar rituais para propósitos solicitados. Volta e meia alguém me pergunta alguma coisa. Daí respondo. Sinto-me útil, ao final.

Mas sem a pretensão de me fazer a senhora de todas as palavras. Já existe muita gente fazendo esse desserviço pela Arte sagrada no Brasil, de modo que não quero ser mais uma a me colocar discriminando quem gira para o sul, para o norte, para os dois lados, para nenhum (estou exagerando para que fique bem claro o quanto acho essa discussão tola).

Por isso calar é essencial... Não é à toa ser a virtude do ar, que sopra, levando tanto o movimento, quanto o silêncio... Silêncio este que nos convida a parar e refletir sobre nosso caminho, no intuito de percebermos nos pequenos atos de nossas vidas a magia a construir a tessitura de nossos atos.



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