domingo, 15 de março de 2015

Feminismos, femismo e machismo: quando os -ismos nos enganam

Fonte da imagem: http://2.bp.blogspot.com
Essa semana participei de uma mesa redonda sobre o papel da mulher no século XXI, desenvolvendo o tema feminismo. Plateia cheia, auditório repleto de pessoas desejosas em observar o que a mesa tinha a compartilhar sobre algo que ainda se consolidava como tabu: a) a desmistificação do feminismo como "o oposto do machismo" ou como "um movimento de mulheres mal-amadas e revoltadas", b) a clarificação do machismo como uma pérfida e perversa concepção de vida que trouxe à humanidade apenas destruição e malefícios.

Apresentei as gerações de feministas, situando-as no espaço e no tempo, bem como falei um pouco sobre as vertentes (ecofeminismo, ciberfeminismo etc.), não sem antes refletir - durante todo o tempo de fala - sobre a importância de contextualizar devidamente o tema a partir de um sentido mais concreto, para que a discussão não se tornasse enfadonha ante às abstrações que a dimensão teórica pode trazer. 


Pegando o gancho no que uma colega de mesa evidenciou sobre teoria ter que caminhar com prática, em átimos de segundos pensei em toda a minha trajetória que, longe de me enviar para uma contemplação vitimizante de vida, torna-se motivo - hoje percebo - de orgulho, pois tudo o que outrora se apresentou como situações de desrespeito ao Sagrado e às mulheres  trouxe uma lucidez enorme em relação à maneira como posso agora conduzir a minha vida e minhas decisões pessoais, acadêmicas e profissionais.


O que poderia ser denominado "dor resiliente" a cada nova experiência imprimiu uma tranquilidade de alma em identificar o processo, o padrão, bem como os limites e a necessidade de superação. Acredito que o melhor feminismo esteja aí: na trajetória pessoal com a qual cada mulher se supera diante dos padrões machistas presentes e vívidos em sociedade, bem como aqueles que também traz consigo e, pouco a pouco, deixa de realizar escolhas que as impelem (nos impelem) para envolvimentos machistas, atávicos e abusivos.


Com isso, o que hoje fica como percepção sobre a essência do feminismo consiste em concebê-lo como uma forma de pensamento político a se materializar em ações concretas - ora individuais, ora coletivas, rumo à compreensão de igualdade entre homens e mulheres, por intermédio da superação do paradigma androcêntrico (que elege o masculino patriarcal como epicentro de toda a construção social de mundo) e machista (que justifica, legitima e elabora a ideia de inferioridade da mulher e necessidade de submissão, em qualquer nível, ao homem).



Fonte da imagem: https://zapateando2.files.wordpress.com/2010/05/433_3_1.jpg

Pensamento? Prática? Ativismo? Prática individual? Coletiva? Eis mais assunto, pois, ao longo das gerações de ondas do feminismo, observamos movimentações coletivizadas. Desde as sufragistas até as anarco feministas (que apregoam a supressão do Estado como ordem inerentemente patriarcal), o que tem desafiado minhas reflexões consiste em saber se o movimento necessariamente demanda uma junção de esforços (um coletivo, uma ONG, enfim, organizações). 


Na palestra lembrei-me das palavras da minha mãe durante minha infância e adolescência, impulsionando-me à conquista de meus objetivos, sem observar o que estruturalmente se elaborou em sociedade como um paradigma de inferiorização da mulher. Com isso e, para além disso, lancei-me rumo à autonomia sem observar os construtos vitimizantes que, se não superarmos, podem eternizar a fragilização da mulher.


Se, por um lado, reconhecer a coisificação da mulher torna-se o primeiro passo para a explicitação do longo processo histórico de apropriação patriarcal, por outro, a superação da ética vitimizante é condição vital para se reelaborarem relações mais equânimes e honestas, uma vez que a igualdade é simplesmente a deferência de mesmos direitos. Simples assim.


Mas, de outra sorte, reconhecer as ondas femistas também é observar outra percepção também presente em sociedade: a misandria, ou ódio ao masculino, usualmente confundido com a demanda feminista. No feminismo, em qualquer que seja sua vertente, os homens não são odiados ou alijados para um plano de inferioridade, mas, antes, o olhar de igualdade. No femismo, contudo, a igualdade cede espaço para o alojamento do masculino para a inferiorização, pretendendo-se "restaurar" um matriarcado que até mesmo historicamente é questionável (sugiro a leitura de O Cálice e a Espada, de Riane Eisler).


Acredito, dentro desse contexto, que a percepção de tais vertentes e diferenças - o que indiscutivelmente é um caminho solitário - aloja as feministas do século XXI para um ativismo individual, ou, em uma apropriação semântica, feminismo pós-liberal, que se estabelece a partir do paradigma liberal individualista, materializa-se na conscientização pessoal e, em cima disso, projeta-se numa cidadania que pode desembocar no somatório de experiências pessoais. 


A rediscussão do papel do Estado, do companheiro - ou das próprias relações heteroafetivas e/ou firmadas a partir dos modelos de gênero - bem como das relações de produção podem acenar para outras vias de transposição do machismo. O envolvimento em torno da ideia de redefinição de novos rumos no relacionamento com a Natureza e o planeta também aportam nessa nova pauta de discussões. Sobretudo, na mudança epistemológica com a qual se construíram conceitos e paradigmas no campo acadêmico.


Pensando nessas e em outras questões, terminei a semana satisfeita por essas escolhas, que me encaminham novamente para a movimentação reflexiva, chacoalhada por outros processos que findaram por me aproximar de mais um caminho novo e cheio de novidades.


Nenhum comentário:

Postar um comentário