segunda-feira, 30 de março de 2015

A gangorra e a ventania

Fonte da imagem: http://wallpaper.ultradownloads.com.br/120445_Papel-de-Parede-Folha-no-inverno_1920x1200.jpg

Era um dia frio de intenso silêncio, no qual o despontar do dia sibilante nas vozes dos pássaros cedeu à força da lacerante rajada de vento, pronta para o corte profundo na mais resistente camada de epiderme. O verão havia ficado para trás e, com ele, todas as aventuras que tinham sido a constância de uma vida que se esvaiu em pleno ar. 

Da janela de seu quarto, Isadora prostrava-se a contemplar os sinais que o proeminente inverno dava para quem sábio era o bastante para perceber o momento certo de parar. Tudo parado, quieto e gélido, prospectando o mais irascível monge nos meandros confusos de sua mente armada. 

Células paradas, indicando que a entropia, enfim, marca a morte de cada um de nós, no exato instante em que a morte chega em uma simples respiração. Seguindo a epifania do inverno pronto a quedar no solo, a jovem se encontrava a meditar sobre os rumos de sua vida nos últimos meses, não sem antes desenhar nos vidros das janelas embaçadas folhas rústicas em uma significativa aquarela que somente Isadora conseguia compreender.

O som metalizado dos mensageiros de vento rasgava a quietude da antiga floresta embranquecida pelo algodão refrescante, provocando lembranças que Isadora tentava, com sofreguidão, esquecer. Povoando sua mente, os atropelos de frases mal ditas sempre estavam a estocar o coração da jovem mulher, o bastante para que o silêncio da Natureza pudesse ser seu único aliado.

Um parquinho abandonado era a única memória de uma vida que Isadora não mais iria viver uma existência plena, eivada, dia após dia, pelas insistências de uma perfeição que sequer o resquício poderia ter sido.

Crianças? Parquinhos? Gangorras? O rangido da ferrugem espessa mostrou à mulher de longe estavam os tempos áureos em que os impúberes se equilibravam na brincadeira ingênua de enfrentar a gravidade por um pedaço de céu. Desolador infinito de um vazio gutural, que sufocava Isadora e não a deixava respirar com calma o mentolado ar que os pinheiros desprendiam.

Sem gangorras. Sem brincadeiras. Sem crianças e sem esperanças. Era somente Isadora e o vento, para lá e para cá, no centenário som da inaudível solitude, local seguro para onde formulou sua devoção, sem saber, com isso, que o inverno traria, adiante, o renascimento em mais um passar de vento a bailar languidamente por toda sua coluna.

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