domingo, 27 de julho de 2014

Scotish bagpipe? Não, proselitismo humanoide dominical ou ode ao direito dos animais

Fonte da imagem: http://www.fiocruz.br/biosseguranca

Durou frações de segundos o arrebatamento, a sensação momentânea de ser projetada para uma highland escocesa ou, ainda, para os grandes vales esmeralda irlandeses. Não se trata, contudo, do "arrebatamento" crístico da mão divina levando os escolhidos, mas, antes, da surpresa em plena luz do dia deparar-me com uma melodia que tem o condão de tocar suavemente minha alma e me motivar a ser feliz.

O som da gaita de fole ainda está reverberando aqui em casa agora, mas horas atrás era vívido o som com que cada uma delas se harmonizava à percussão. Nesse exato momento em que escrevo - ou em que alguém lê meus escritos - o som fricciona meu peito, massageando meu coração e conduzindo à cada uma das células a felicidade em gotas de compasso.

Eu estava passando cera no chão da sala - tentando me recompor de mais uma tempestade que me drena as energias e a vontade de estar aqui quando - ao fundo, comecei a escutar uma série de músicas que me faziam acreditar estar em um pub vertendo uma boa caneca de stout gelada. 

O desalento, o cansaço, o derrotismo e, sobretudo, a vontade de sair correndo e desistir aplacaram-se, por instantes, na medida em que parei meus afazeres para tentar descobrir de onde vinha aquela música. Acreditei que estivesse vindo da casa vizinha, pois aos finais de semana uma banda lá se reúne para ensaiar. Pensei em tocar a campainha deles e simplesmente agradecer por essa melodia que me salvou o dia. 

Meu coração sucateado e cansado alegrou-se, encheu-se de júbilo em acreditar que aquela seria a música a me resgatar do limbo existencial em que insisto em me lançar. Desconfio até que a musiquinha foi uma artimanha dos deuses para que eu hoje pudesse respirar e viver em meio de tanta estranheza que o espelho me mostra a cada dia.

Mas quando abri a porta da frente para ir até a casa vizinha, deparei-me com um grupo de pessoas reunidas em uma bandinha marcial, estandartes formais e roupas que me lembravam o uniforme da Grifinória. Vi, ao longe, os tocadores da gaita de fole, os percussionistas e, qual não foi a minha surpresa ao abrir o portão de minha casa, dois adolescentes simpáticos, que desejavam falar comigo. 

Um deles mostrou um exemplar de um livro chamado "Psicose ambientalista", argumentando e ponderando a respeito da desproporção entre a penalização mais recrudescida do crime de maus-tratos a animais e o abandono de incapazes, falando em "inversão de valores" e no que isso tinha de absurdo. 

Achei interessante o título e talvez devesse ter sugerido outro, o "Psicose especista", de cunho menos conhecido porque, afinal de contas, quando se é sociabilizado em um paradigma dominante, tudo que é diferente passa a ser tomado como estranho e, porque não dizer, errado. Como não estava a fim de ir para a fogueira pela milionésima vez, calei-me e ouvi. Estava curiosa em saber o que significava aquele encontro Hogwarts em pleno domingo gélido.

Bem tranquilamente argumentei com aquela criança - que, por certo, foi doutrinada no paradigma da submissão da Natureza, bem típico da estrutura dual que tem na Queda o vetor para o ser humano sobrepujar o mundano e o meio ambiente - que particularmente não tinha eu problema algum com isso e que concordava com a penalização. Que acreditava existir espaço para todas as demandas em termos de direitos.

Rapidamente eles se despediram, não sem antes deixar um folheto do instituto que representavam (vinculado à Igreja Católica Apostólica Romana), no qual, na última parte, estava descrita a ideologia a que se propunham: a submissão da natureza (com "n" minúsculo) a "benefício do homem". Eis o motivo pelo qual estavam circulando pela cidade, em uma banda, com músicas honoríficas, para a sensibilização em torno da ideia de que um animal é menos importante do que um ser humano.

Não sei se me pegaram em um dia de anestesiamento da alma ou, ainda, se eu realmente cansei de todo e qualquer enfrentamento direto, mas, sinceramente, escutando aqueles dois jovens falar sobre importância de bens jurídicos eu, de plano, desliguei meus botões e só me vi em uma grande galeria de silêncio. 

Tudo ficou silencioso a partir dali. O mover das bocas não repercutia mais som, a banda não mais tocou e eu, calmamente (já disse, não sei se por quietude da alma ou por mera desistência diante de tudo), guardei em meu peito a memória emocional que as gaitas de fole trouxeram para a minha vida. Não fazia a menor importância para mim o monólogo da justificativa do meu posicionamento. Muito menos fazia sentido mudar a opinião de alguém. 

Só as gaitas importavam... Fiquei com elas. Guardei-as dentro de mim.

Percebi, ali, que cada qual tem sua visão de mundo mesmo e, dentro dela, muito pouco provável que alguém mude alguma coisa ou valor dentro de si sem que realize um profundo exame de consciência. Esse pequeno episódio em meu domingo me pôs a pensar nos espetáculos da minha vida, nas pequenas grandes situações em que me desgasto - e desgasto os outros - com tentativas de mudanças. 

Lembrei-me da minha vida e, para além dela, do momento sui generis que estou experimentando, onde, talvez, esteja eu numa simbiose eterna, sendo cada um dos meninos da gaita de fole e do folder proselitista, dando murro em ponta de faca, uma faca bem afiada que, dali a pouco, cortará meu dedo.

O que aprendi hoje? 

Não existe mudança drástica, não se muda ninguém (e nem é justo que se pretenda fazer), cada um oferece o que tem dentro de si para doar e, sobretudo, se quiser eu mudar algo, preciso mudar dentro de mim as escolhas, para que eu não me converta em um menininho carregando um folder a pretexto de convencer alguém de algo que nem mesmo ele sabe o que é...

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Afinal, a que se destinam os relacionamentos???

Fonte da imagem: http://thumbs.dreamstime.com

O que representam os relacionamentos em nossas vidas? 

Essa é uma pergunta que sempre está a povoar a mente e os corações de boa parte dos seres humanos que ousam sair da zona de conforto para analisar o que poderia ser apenas uma condição inerente ao instinto primitivo de acasalamento.

Afinal, como a maior parte das espécies, o ser humano nasce em meio a uma estrutura preexistente que o bombardeia de referências à procriação, prole, acasalamento, estruturação familiar, podendo passar despercebida, com isso, a reflexão sobre as expectativas e finalidades que estar com o outro pode representar em nossas vidas. 

O resultado mais imediato desse conformismo biológico, por sua vez, pode nos encaminhar para uma pasmaceira existencial, acrescida de insatisfação, frustração e demais sentimentos que, a longo prazo, trazem a decadência de nossas qualidade de vida rumo ao crescimento espiritual, bem como de nosso percurso numa senda comprometida com a aprendizagem. 

Muitas doenças e transtornos que somatizamos no corpo nada mais são do que a cristalização de um estado de alma insatisfeito, infeliz e frustrado. Basta perceber a quantidade de doenças cardíacas que, ironicamente, alojam-se naquele que, a rigor, é o órgão vital do sentimento e da amorosidade. 

Ou, ainda, noutro giro, de doenças gástricas e intestinais que abrigam a dificuldade das pessoas na digestão do outro, ou, então, na absorção e catalogação de ideias, sentimentos e valores. 

A psicóloga Louise Hay dedica-se a estudar a causa emocional das doenças. Na verdade, poderia eu até mesmo ir até a medicina chinesa, à ayurveda ou homeopatia para analisar o mesmo tema, mas como o ocidental sempre é desconfiado daquilo que não está em nosso sistema de crenças, achei oportuno invocar os estudos de uma psicóloga, pois além de ser considerada uma proposta de ciência, os métodos e as técnicas reflexivas são sempre sofisticadas.

Assim, por exemplo, o envolvimento em acidentes pode acenar a incapacidade de se defender, a crença no uso de violência como forma de interação, raiva, frustração e rebeldia sufocadas. As alergias, por seu turno, podem denotar um eterno sentimento de autodefesa - de se estar "armado" contra o mundo, ou, então, falta de autoconfiança. 

A ansiedade, na falta de fé, de confiança em si e no além-vida. Os transtornos no trato respiratório denotam pessoas que sempre militam no desespero e, com isso, tentar abraçar o mundo sem finalizar os projetos iniciados. O câncer revela o estado crônico de desamor e ódio internalizados e não conscientizados. A compulsão alimentar relaciona-se à falta de auto aceitação, à culpa, bem como à sensibilidade à críticas.

Os transtornos na garganta revelam a dificuldade em expressar ideias, ou, ainda, à culpa por "falar em demasia". O que dizer de uma simples gripe? Nada mais do que um forte abalo - sísmico - em relação a um baque emocional não sustentado pela pessoa. 

A insônia esconde culpa ou medo, bem como a labirintite encobre o medo de não estar no controle. Os distúrbios na pele relacionam-se ao poder exercido de outras pessoas sobre você. A sinusite refere-se a irritação com pessoas próximas. A TPM subsiste como rejeição da feminilidade, assim como a cistite encobre o medo ou a rejeição à sexualidade.

Esses simples sintomas correlacionados ficam bem explícitos em um relacionamento. Basta perceber a saúde de pessoas que iniciam uma coabitação pois, não raro, alguma delas ou ambas manifestam doenças em face do enfrentamento de uma nova e diferente situação. Por isso fiz questão de abrir esse espaço no texto para interpolar essa sintomatologia.

Se os dilemas no relacionamento são integralizam o nível mental consciente, a tendência é a reprodução eternizada de tais transtornos, que podem passar a ser crônicos, convertendo-se, com isso, em doenças mais sérias e graves.

Pois bem, retomando à ideia inicial de funcionalidade do relacionamento (já que tentei acima apresentar uma lista módica de sintomas de somatização que podem ser percebidos em relacionamentos nos quais a clarificação dos dilemas ainda não aconteceu ou foi devidamente enfrentado), o que representa a vida com outra pessoa?

Há tempos cheguei a comentar aqui o que percebo como desacerto de se firmar no outro a "complementaridade", como se estivéssemos eivados de pedaços e, com isso, passássemos a vida inteira tentando integrar a alma procurando - como em um quebra-cabeças - uma parte de supostamente nos faltaria. 

Ou então, em outra célebre frase, falamos que a outra pessoa é a "metade da laranja", ou a "tampa da panela", sempre com a ideia centrada na fragmentação de nossa alma, que demandaria de uma outra pessoa para ser plena e feliz.

Ainda subsiste um modelo - ou paradigma - dominante de relacionamento no qual as pessoas insistem na reprodução dessa fábula, colocando-se atavicamente como quebra-cabeças eternos e, com isso, pretendendo coaptar outra pessoa para integralização da alma. 

Ou seja, uma vampirização psíquica mascarada em sentimento de solidariedade que nada de solidário tem (a não ser que a pessoa ache extremamente desabotoar a gola e entregar o pescoço a um vampiro de energia e de alma).

Estar com o outro, dentro dessa lógica perversa, advém da necessidade de suprir demandas não satisfeitas individualmente, e não pelo mero beneplácito de se optar estar ao lado de alguém apenas por se desejar estar ao lado de alguém. Por incondicionalidade, por gratuidade. Por não se precisar, enfim, estar ao lado de alguém.

O relacionamento se torna pesado nessa via, na medida em que um pólo é demandado diuturnamente a suprir necessidades projetadas pelo outro e, que, sinceramente, são de interesse pessoal e de crescimento do outro. 

Quando um lado da relação finda por se sobrepor ao outro na unilateralidade afetiva não se está diante da doação. Muito menos da compaixão. Antes, essa via "torta" de ação vitimiza o outro, aniquila o potencial de realização do outro. Mina, enfim, o outro, em relação à sua capacidade de buscar o bambu, fazer a vara e pescar.

Um relacionamento equitativo busca o paralelismo dos caminhos percorridos por cada qual, e não a superposição de estradas. O dar as mãos não denota colocar o outro nas costas para percorrer a estrada com um peso maior do que o do próprio corpo. É o andar juntos, dialogar, ouvir mais do que falar e, sobretudo, respeitar o sentimento do outro, ainda que internamente achemos ser absurdo ou com ele não concordemos.

Não me refiro a eventualmente uma pessoa estar à disposição para dar a mão e até mesmo para fazer isso. Mas existe uma diferença enorme entre viver carregando uma pessoa no colo e ajudar excepcionalmente alguém - carregando-a no colo - quando estritamente necessário. Isso porque, no primeiro caso, exaurimos nossas forças e nos anulamos internamente, ao passo que no segundo caso estamos realmente - e com ponderação - exercitando a solidariedade no seu aspecto mais profundo.

É o viver a vida do outro e se apropriar dela para se pretender alcançar a plenitude que constitui o maior dos males que a humanidade ultimamente enfrenta, pois, com isso e em um macrocosmo, as relações assistencialistas passam a ocupar o espaço da descoberto e do desenvolvimento pessoal, do afã em crescer como indivíduo. 

Muito ouço sobre carma coletivo, mas é importante sempre frisar que a fragmentação ainda nos leva à sensação de ego e de divisão, não sendo infrutífero percorrer a jornada da individualização como meio de crescimento e de descoberta do potencial de crescimento em grupo, na medida em que isso advém da conscientização, bem como da longa trajetória de autoconhecimento.

O relacionamento afetivo não é um abandono de si, um despojamento da própria natureza, mas, antes, uma convivência de dissensos. Caso contrário seria um processo de nulificação de alma, contramão de um percurso evolutivo. 

É a consciência de se estar em uma simbiose elaborada por dois seres autônomos e protagonistas que simplesmente optam por estarem juntos pura e simplesmente porque NÃO PRECISAM um do outro. Porque isoladamente sobrevivem um sem o outro normalmente e, com isso, não depositam ansiosamente as fichas de suas felicidades na outra pessoa.

Nele (no relacionamento), descobrimo-nos em frente ao espelho, na medida em que projetamos no outro nossas idiossincrasias e, com isso, recebemos de volta a resultante do que enviamos. Trata-se de uma elaboração constante de uma unidade a partir de individualidades, e não um sistema amorfo no qual inexistem pessoas. Ou seres. 

Por isso, se não nos percebemos como seres humanos conscientes, atuantes e, sobretudo, protagonistas de nossas história e vida, essa metade da laranja será a condenação pura e simples a uma busca de moinhos de vento quixotescos. Nunca nos realizaremos assim. Nunca estaremos satisfeitos assim. 

Nunca poderemos ser felizes assim. 

Mas abandonar, por outro lado, o conforto de tal paradigma supõe avocar responsabilidade por nossas escolhas e decisões e nem todas as pessoas desejam sair do conforto ou da fase Peter Pan de suas vidas. 

Vivem imputando ao outro culpa por infortúnios e infelicidade. Queixam-se do menor alfinete caindo ao solo, buscam atribuir a quem está à frente a responsabilidade por aquilo que, a rigor, haveria de ser sua posição proativa no mundo. Seu sentimento de gratidão por simplesmente respirar e estar vivo nesse Planeta.

Tais pessoas não avançam e, mais, andam em círculos em uma autofagia eterna, correndo atrás do próprio rabo e não se realizando na vida. Ao final dela, resignam-se pois, afinal, não há escapatória mais a essa altura do campeonato, mas, antes disso, podendo fazer tudo diferente, quedam inertes, comprometendo sua vida e, no caso de um relacionamento, a vida de quem supostamente dizem amar.

Por isso, ao final, respondendo à provocação que eu mesma coloquei no post: qual a finalidade de um relacionamento? 

Depende...De várias variáveis. Um relacionamento sadio, pleno, íntegro e consciente nos encaminha para a superação de nossas limitações, bem como para a realização de nossos potenciais de interação e amorosidade. Um relacionamento confuso, sem base e desprovido de auto reflexão, serve como exemplo para que não incidamos em ligações dessa natureza. 

Ou então, usando a confortável escusa do carma, pode ser um encontro para compensação de débitos. Mas, ao que penso, débitos não são eternos. Dívidas não duram pelo infinito. 

Uma vez superada a questão, o relacionamento naturalmente se finaliza, pois de tudo - se esse for realmente seu espírito - advém a fraternidade e a compaixão, sentimentos legítimos que dizem ao nosso coração que nossas dívidas já estão quitadas. 

O que não podemos fazer - sob pena de comprometer a concretização de nossa meta em carne - é arrolar a dívida, como se estivéssemos pegando dinheiro a juros no banco: podemos correr o risco de passar a vida inteira pagando juros sobre juros, quando, a bem da verdade, quitamos nossos débitos a mais tempo do que poderíamos perceber...


quarta-feira, 9 de julho de 2014

"O mar carrega, um dia, enfim
O que sobra de todo o resto
De nada mais que habita em mim.
Eis que a pira se esvai, perdida em meio a tanta dor
que não me sai.
O que era tudo se perde no meio de palavras vazias
A solitude em companhia
Do que era intenso e se quebrou.
Donde, por certo, ressurgirá?
Não sei, apenas pranteio
Sem mais a mais
Restos mortais de um cadáver fétido
Do que era nobre e se deixou vagar.
Nada mais existirá.
A ampulheta acabará, ao fim, contorcendo a dor que insiste em ficar
Não se contém a fúria do que se findou
Apenas se lamenta, depois de cinzas, 
o que se foi sem a menor pretensão de ser amor.
Acaba-se tudo, como tudo enfim, na vida acaba.
A vida se acaba no acabar da fábula.
Nada,
Inexiste,
Nada inexiste no nada
O tudo que nunca foi mais do que a fagulha de uma tormenta
E que se acalma na certeza do fim"