quarta-feira, 14 de março de 2012

Resgatando as antigas tradições de igualdade num mundo de papeis em conflito

O movimento feminista tem chamado a atenção para as constantes "pegadinhas" presentes em um mundo no qual as pessoas usualmente se veem como respeitadoras da igualdade e do feminino, mas que, interna e inconscientemente, reproduzem a mesma saga de discriminações, quase todas elas praticadas em nome de uma dicotomização eterna entre feminino e masculino no que diz respeito à naturalização de papeis que, em tese, estão distribuídos segundo a genitália.

Basta perceber nos detalhes sutis das relações entre os gêneros, perdidas, na pós-modernidade, pelo desvendar de situações em que ainda se atribui um "papel" específico para a mulher e para o homem, marcado-os, cada qual, com uma espécie de "chaga escarlate" em que a transposição para "o mundo do outro" causa espécie e, não raro, dor.

Em meio à rediscussão e reelaboração de papeis, definitivamente a humanidade pós-moderna não consegue dar conta da igualdade, pois nos posicionamos perdidos em meio a um vendaval de novos compromissos e novas relações entre feminino e masculino, o que traz o necessário - e doloroso - processo de desconstrução de estereótipos e arquétipos.

Quem somos nós no meio de tanta mudança?

Não sei bem, ao certo, mas intuo, de certa feita, que as relações entre homens e mulheres precisam ser honestamente rediscutidas, bem como as tarefas, claro, redistribuídas. À mulher - penso - caberia se emancipar, em definitivo, da ideia ainda imersa em nosso ideário que é preciso usar artimanhas de sedução para fraudar a vontade do homem e, assim, por via de manipulação, controlar suas ações.

Isso não funciona, nem bem é legítimo, moral ou espiritualmente. É engano, fraude, ardil a comprometer a lisura do arbítrio que, por pressuposto, é a máxima universal do mundo extra-físico. O chamado arquétipo Eva - da mulher que engana e, sendo subserviente, "finge" que se submete e, a bem da verdade, age na surdina - está fadado à extinção em um terceiro milênio que nos cobra HO NES TI DA DE.

É muito bom, saudável até, olhar no olho e travar, como os antigos, o bom combate.

Daí o engodo de se viciar a vontade alheia necessitar ser substituído por mecanismos mais honestos de igualdade. Sem deixar de mencionar - sim, ainda existem mulheres que reproduzem essa lógica - as mulheres que se permitem controlar os homens por meio do subterfúgio da maternalização das relações.

Uma bomba-relógio apta a explodir, pois, afinal, quem é que mantém relação sexual com a própria mãe? Qual o homem que, grosso modo, respeita a sua mãe como uma igual? Afinal, erram tanto com elas que, ao final, nem precisam pedir desculpas, pois "mãe é mãe, perdoa tudo".

A ira contida no inconsciente traz raiva aos corações de nossos homens. Raiva da mãe que, a rigor, o "traiu" com o marido, numa conspiração edipiana em que o filho, quase sempre, leva a pior. Por isso o ódio inicial à primeira mulher de sua vida, sua mãe. Para a misoginia ser levada até as raias do relacionamento, um pulo...Estimulado, quase sempre, pela necessidade dessa mulher-mãe de exercer controle...

Daí nossas queridas mulheres caírem na maternalização, transformando seus maridos, namorados e companheiros em projeções de grandes e imaturos bebês. Alimentam, vestem, acalentam, enfim, seus homens, como se filhos fossem. O resultado, claro, não pode ser diferente, ou seja, falta total de respeito, diluído em doses homeopáticas de traição (pois é tabu ter relações sexuais com a própria mãe).

Do lado de nossos lindos homens a coisa ainda fica pior, pois, além de se perderem no meio do processo em que discutem qual é seu "novo" papel (como se a História não nos desse exemplos de sobra de sociedades em que homens e mulheres têm papeis flexíveis e igualitariamente construídos, como na sociedade celta), perdidos, atuam como verdadeiras crianças, prostrando-se infantilizados para fugirem do problema (que, afinal, não é problema, mas meramente CRESCER).

Jocosos, fazem piada com tudo, num jogo cênico em que não se sabe qual o momento de deleite epifânico, qual a exata medida da seriedade que se espera de um adulto. Crianças, refugiam-se em meio a jogos e brinquedos eletrônicos, para que, num mundo de intensa fantasia, possam alimentar a autoestima que, a rigor, está abalada pela ruptura que a rediscussão de papeis nos trouxe.

Por outro lado, a transversão econômica - que nada tem de transversão, mas de equalização - trouxe para o "macho alfa" destituído de suas funções de procriação e abocanhamento uma ressignificação de si, quase nunca compreendida como igualitária, mas, antes, como motivo de chacota, pois o alvo, claro, são as mulheres que romperam a barreira da submissão. Essas são odiadas ou neutralizadas pelas piadas de mau gosto, bem como pelas expectativas machistas do mundo que ainda acha que a tarefa doméstica é natural e inerente à mulher.

O machão, em pleno século XXI, nem bem traz o aporte econômico para o lar, nem bem procria, nem bem cuida de casa, nem bem nada, porque, perdido por uma sociabilização machista - que lhe foi transmitida por sua genetriz - reproduz a ideia de ser apenas um ser sem a menor adaptabilidade às mudanças que são demandadas e desenvolvidas desde os primórdios do movimento feminista da década de 70. Movimento este que apenas reflete a demanda da antiga ancestralidade, que vê na igualdade entre os distintos a superação das dicotomias e o acesso à plenitude da deidade. As aldeias e os clãs celtas poderiam ser igualmente governados por rainhas e reais, sem que, com isso, houvesse qualquer hegemonia de um gênero sobre o outro.

Nas antigas sociedades celtas, mulheres e homens lutavam juntos, bem como tinham os mesmos direitos. Após um ano e um dia, se uma mulher celta estivesse insatisfeita sexualmente com seu parceiro, poderia denunciar o contrato matrimonial e romper o vínculo, sem que, com isso, qualquer pecha lhe fosse impingida.

Por que, então, desaprendemos tanto em tanto pouco tempo?

Não sei bem, ao certo, mas tenho no alento do diálogo entre homem e mulher a constante para a superação de rusgas milenares que apenas nos afastam uns dos outros...



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