Existem mudanças avassaladoras como uma ventania tropical, assolando tudo ao seu redor e transformando a pasisagem por onde quer que passem...
Chegam para atordoar, transformar a partir da destruição do que era, até então, firme, forte, caro e seguro para nossa vida. Essas tormentas, porém, podem ser rapidamente esquecidas - tal qual uma reportagem sensacionalista sobre alguma tsunami - de modo que, num menor sinal de fenecimento da ventania, o que habitava o espaço logo volta, retomando o que seria seu leito original.
Outras mudanças, contudo, são assentadas por uma brisa que, aos poucos, sussurra em nossos ouvidos. Um sinal aqui, outro acolá. É uma espécie de enamoramento, onde a suavidade penetra languidamente, sem o atropelo do tufão, mas não menos contundente e edificante...
São essas as mudanças que desalinham paradigmas...que dissolvem as ilusões. Provocam fendas irremediáveis, pois transmutam, em defintivo, nossas geografias pessoais. São mudanças que nos trazem para a inquietante retomada de consciência, onde a ciência traz a ação, e não apenas o pensamento inerte e empoçado da pasmaceira.
Há tempos a brisa vinha se enamorando de mim.
Eu, contudo, fiel a um núcleo que julgava "denso" [na verdade, o medo de me enfrentar na profundidade do que sou], negligenciava o que essa gentil moça estava a me dizer. Afinal, ouvi-la pressupunha olhar para mim e para as pessoas que me eram caras, num aceno de prováveis rupturas que não estava disposta a fazer.
Todas as vezes em que ela se aproximava eu a repelia, negando-me incessantemente e, com isso, passando por cima do que tenho de mais importante, minha intuição eivada de emo-racionalidade...
Foram-se passando anos, quase vinte, sem que eu percebesse o quão poroso e infértil era o chão em que pisava, solo cuja composição estéril foi por mim mesma construída...
Como fiz isso? Pergunto-me...Simples.
Não querendo sair da zona de conforto porque - eu já sabia - se eu saísse da minha concha, nada, absolutamente mais nada haveria de resistir e existir. Quebraria os frágeis cacos - já estavam quebrados mesmo - com os quais compartilhei minhas ilusões pessoais que, a bem da verdade, foram um "surto coletivo" em boa parte do tempo de diversão.
Mas a providência está sempre certa, pois é na hora da dilaceração da alma que essa brisa ganha força, impulsionando-nos também nessa mesma força, rumo à tomada de consciência em relação ao equívoco.
Assim acordei, em um lindo dia azul, disposta a sangrar, ainda mais, todas as mentiras consolidadas em minha mente.
Não, não, não existem erros. Não existem culpados.
Apenas couraças de fragilidade! E pactos de conveniência para se manter a frágil liga que a brisa já acenava ser incongruente.
Um dia, saindo de minha casa, em uma situação de intensa dor física, dirigi-me ao local onde providencialmente permiti, pela primeira vez, a brisa entrar, descobrindo um mundo de possibilidades, entre elas, a de perceber o vazio e o abismo existente entre duas pessoas que se amam.
Sim, é possível amar assim... Mas, enfim, distanciando-se do que, ao final, toma-se como prejudicial ao próprio viver.
Sem dramas ou arrependimentos, pois, por derradeiro, cada um de nós sabe onde o sapato aperta, bem como o momento de dizer um grande "até logo".
Mas, e quando o "até logo" sempre foi a base em cima da qual assentou-se uma promessa não cumprida de amizade?
Sim, refiro-me a isso, exatamente ao atropelo das adolescentes desavenças que, com os anos, foram formando muralhas emocionais, cada vez mais e mais sedimentadas com omissão e fuga.
Refiro-me à evasão, ao silêncio, a abandono mútuo que, posteriormente, foi providencialmente "deixado de lado" às custas de um beneplácito cordato e cristão de perdão? Nunca se perdoou, ao final, porque a estrada, em si mesma, nunca fora assim. Nossa, como é feliz a verdade!
Libertadora verdade!
Quando comecei a pensar na competição, no empuxo inicial de inveja, raiva, arrogância, lembrei-me que foi esse, e não outro, o solo em que atraquei meu barco. O tempo apenas acomoda melhor a desavença, trazendo para o plano do simbólico o que era apenas o requinte do visível.
Sem problemas...Aliás, não existe mais problema quando se enxerga a vida como ela é, bem como as pessoas, como são [inclusive eu].
É assim que a vida segue seu fluxo... Para a frente, dizendo "até logo" ao que não comporta mais numa vida que nunca fora, ao final, o que se apresentava...
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