sábado, 19 de fevereiro de 2011

Quando tudo parece desmoronar renasce o lótus para lembrar que existe vida!

Quando tudo parece desmoronar e o céu parece cair em nossas cabeças sobrevem o tempo para ressignificar a tragédia e contemplá-la com o vitorioso gosto do júbilo, transformando parte do suplício em uma deliciosa força motriz de elevação.

Não, não se trata de experiência espiritual, de "testemunho", de profissão de fé ou qualquer narrativa religiosa que expresse algum "milagre": refiro-me apenas ao básico, que é a mera mundanidade e a capacidade que temos de ressurgir de um colapso utilizando a força do que seriam os sentimentos tomados como mais abjetos (ira, raiva, ódio, mágoa) mas que, como em um golpe preciso de aikidô, trazem, a partir do oponente, o impulso para sairmos dos eventuais buracos em que nos metemos no decorrer da trajetória.

Como? De que forma? Ira? Raiva? Dor? Sofrimento? Uau, como, se tais sentimentos, por excelência - e dentro de um ethos moralizante e quiçá religioso, seriam expurgáveis e condenáveis por boa parte das institucionalizações? Seria eu uma herege, pois, ao apregoar a legitimidade de tamanhos sentimentos escusos?

Acho que não e, na verdade, enxergo-me como baluarte de um movimento de ressignificação disso tudo, uma espécie de "tomada de consciência" a respeito de si para sair do marasmo idealista de tentar atingir um mundo surreal de transcendência a trazer um cisma bipolar para minha alma: talvez tenha realmente precisado morrer para tudo que outrora tomava como absoluto e irrefutável para, a partir do NADA erigir algo mais sólido em minha vida...

Despojada de mim em todos os níveis inimagináveis, eis-me aqui apregoando a completa falência - ao menos em minha tenra vida - de um paradigma discursivo que me colocou em franca mercê para os destemidos algozes que se posicionaram em meu caminho exata e pontualmente se prevalecendo do "rostinho feliz" e de um fajuto discursinho de pseudo evolução espiritual para, com isso, auferirem dividendos de mim...

Não estou à venda. Nunca estive. Meu corpo e minha alma pertencem a mim, a mais ninguém e, com isso, descobri-me imersa no mundo da matéria, mesmo tentando encontrar uma justificativa em um mundo etéreo que, grosso modo, apenas existiu no mais profundo devaneio da minha mente fértil.

Não morri em carne, é bem verdade, mas a alma desintegrou-se totalmente, abrindo espaço para a deterioração do que ainda persistia em se mostrar como um mundo feliz...Pacato mundo feliz que, ao final, apenas revelou o que era, no fundo: um amontoado de dor. Amei a dor... Abracei a dor porque, com ela, senti-me viva o bastante para enfrentar a morte e, experimentando a doçura do sofrimento regado ao ódio, sobrevivi...

Como assim?

Afinal, dor é dor, sofrimento é sofrimento. Sozinha em meio às reflexões sobre minha vida e a nefasta convivência com um ser robótico que se vê como um Deus olímpico, pensei sobre tudo.

Em meio à desolação diante de amores desleais que apunhalam pelas costas, amigos e amigas infiéis com zero grau de sensibilidade e compreensão do que está além dos próprios umbigos e pessoas ignorantes ao sofrimento alheio, não existiram reza, oração, Deus, Deusas que me aquietasse o espírito, pois, em meio aos urros de dor, o transcendental não deu conta do aglomerado carbônico a compor minha identidade...

Sim, danem-se os credos e a transcendência! A vivência de um sentido de além-vida está na maneira como vivenciamos o aqui e o agora, e não a perspectiva de um devenir-que-nunca-virá de uma fantasiosa missão existencial de sublimação das mazelas que afetam a alma porque são parte integrante de nossa matiz... E o sentido de vivência do mundano reside na manutenção da vida na experienciação até o âmago, do último filete de percalço, do mergulho enfurecido na ferida lacerada.

Ao invés de recalcar a ira, a raiva, a mágoa, colocando-as embaixo do tapete e as encobrindo com um sorriso amarelo de pseudo transcendentalismo puritano que, no máximo, semeia os cânceres e as cardiopatias, melhor eclodir no salto para a glória de se olhar no espelho e observar tais sentimentos saindo pelos poros.

Trata-se da sodorese beneplácita, da autenticidade em ser o que se é, sem mantos de hipocrisia que possam assolar o humano com véus da mais completa mentira. De mentira, basta a de acreditar em um ser "elevado", um filantropo que apareceu em meu caminho, falando, como um autêntico "estelionatário emocional", em ONGs, em trabalho social, voluntariado...enfim, em tudo que exata e pontualmente era o oposto da verminose cancerígena que ele representou em minha vida.

Um cancro que, ainda bem, extirpado foi, sem efeitos colaterais que não sejam apenas o saboroso alimento do espetáculo de vendeta que está por vir: a vida miserável que ele poderá auferir em sua pequenez humana...Grandiosa pequenez...Paradoxal pequenez diante das juras a Hipócrates que daqui a pouco irá fazer. Ou seria Hipócrita? Tão próximos semanticamente...

Ser humano é ser o que se é... Nada mais... Essa é a valiosa lição: não colocar lentes para alterar uma realidade que se apresenta "redondinha" para os olhos afoitos...

No mais completo momento do total sofrimento que, por vias tortas, escolhi viver efemeramente ao lado deste insano que quase extorquiu minha alma com uma carnificina física e mental a me custar a saúde (um caso clássico de sociopatia edipiana mascarada em comportamento ético e livre em sua origem), percebi que a raiva, a ira, o ódio e a mágoa, inevitáveis sentimentos, podem ser um trampolim para a autoreflexão e para a saída do limbo.

Não foram preces, orações, muito menos meditações ou posturas de yoga que me retiraram da morte: foi o gostinho adocicado da vendeta, o fel que sibila na garganta quando, na solidão, lembrei-me desse crápula travestido em cordeirinho com estetoscópio - sim, é a única palavra que tenho para um representante falido da matriz patriarcalista em degeneração (ele que está em degeneração, claro: o patriarcalismo já faliu há eras!) - e, dada a imagem, meu coração em festa jubilou, pulsando o único mantra que poderia entoar, a cantiga do escárnio e da raiva.

Com elas retomei minha trajetória...

Vivi e sobrevivi, alimentando, sempre, a cada dia, a ação positiva de me fazer melhor a partir das porradas que tomei. Não por esperar a "conspiração" divina ou um embuste de "lei cármica", pois, sinceramente, não acredito mais em nada disso e acho que nunca acreditei, de fato, por nunca me importar com o devenir. Apenas me importei e importo com quem eu sou e posso ser de melhor HOJE: no que posso fazer por mim e pelo mundo na agenda do AGORA, nunca em função de um pós-morte cuja existência é-me estranha desde sempre.

Mas por querer crescer em meio à dor e usar a dor para refletir sobre minhas ações...

Simples...

É assim que o lótus nasce, da lama e do cheiro fétido que desponta do solo...

3 comentários:

  1. Salve, então, ó sábia Madame Lótus!!!

    Adorei a última parte sobre supostas ascenções metafísicas, espiritualidades, carmicidades e outras bobagens cristãs-judaicas que servem de álibis para que muitos sujeitos (raça humana)promovam todo tipo de maldades, sordidez, sujeiradas para depois convencerem-se de que "resgatarão" e farão as pazes com os desafetos ou vítimas em outras vidas...

    ...Não agora, mas em outras vidas (se existirem.

    Agora (hoje; neste dia; neste momento; nesta Era) continuam cometendo todas as brutalidades, violências, covardagens.

    Mas, para aliviar a culpa e evitar vinganças pessoais contra si, prosseguem frequentando centros espíritas, mesas brancas, rodas de caboclos, festa de orixás, missas, cultos, mesquitando: rezando, orando, saudando, invocando, dançando, e cultuando a memória "viva" de seu (s) deus (es) - com todas as suas variações, definições e nomes - em cada ato de "iluminação" com o sangue, a dor, as lágrimas alheias!

    Continue sendo quem vc é.

    Sem sombra de dúvidas é o que há de melhor em vc.

    bjs

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  2. Solidariedade Sempre - É com essa única afirmação que tento representar todo o sentimento de inquietude que emerge do meu interior ao me deparar com essa transparência de ser....
    Inquietude que me leva a refletir mais e mais sobre as inúmeras trajetórias, caminhos e descaminhos que (des)contruímos movidas pelas mias inúmeras experiências vividas e escolhidas..
    Como lótus, também temos a grande sorte ou será benção de ressurgir a cada experiência, a cada vivência, que no meu entender sempre nos fortalece...SEMPRE!!!

    Me solidarizo contigo amiga/irmã, na minha pequenez e simplicidade e humildade de estar sempre pronta a novos aprendizados extraídos de seus incanssáveis escritos.

    Bjs!!

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  3. Não adianta mesmo, minha gente, pois negar minha irresignação é contrariar minha essência...E daí que não sou o que se "espera" de estereótipos de feminino?
    Sou e sempre serei subversiva, caótica, não conformista...
    Beijos, amores!

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