domingo, 30 de janeiro de 2011

Quando os charutos não são apenas charutos.

O distanciamento contemplativo diante dos fatos e eventos do mundo traz uma certa serenidade na reflexão sobre o significado latente do que está por trás do aparentemente óbvio. Einstein, certa vez, ponderou a respeito disso, argumentando que o belo existe muito mais na contemplação do óbvio do que em uma "descoberta" ou inovação. Assim, a meta-linguagem e o discurso ressignificado permitem acessar mais informação do que se pode supor a respeito de alguém. De nós mesmos. Do mundo, enfim, numa atividade autopoiética que permite a retroalimentação rumo do conhecimento (de si, sobre si e sobre o mundo).

Quer seja na Antropologia, na Sociologia, ou, ainda, na Psicologia ou até mesmo na Psicanálise, o universo linguístico, semântico e simbólico são essencialmente fontes hermenêuticas que sempre se mostraram razoáveis no "desvendar" do humano, municiando os estudiosos com interessantes condições de apreciação das questões do mundo para, a partir daí, apresentar estados diferenciados de perspectivas e vivências.

A fenomenologia enquanto método permite a colocação, quase sempre, num estado de "suspensão", para que as essências do que se "revela" a partir das experiências possa ser colocado "à prova", na tentativa de se observar se, na apreensão do "objeto", podem se destinar a servir de ponto-chave para digressões a respeito da significação dos conceitos.

Todo esse arcabouço áureo de ferramentas permite, ao final, extrapolar a linha divisória entre o explícito e o encoberto, entre o que se toma como discurso engendrado por trás do comportamento. Cognição, volição e ação, nesse constructo, podem indicar muito mais do que atividades peptídicas, tranpondo a barreira que sempre se fez em torno da oposição entre cultura e natureza, para, para além disso, poder se observar o humano a partir da percepção conjugada - não excludente - entre momentos diferenciados, e não departamentos outrora estanques na análise das interações humanas.

Importante observar, dentro disso, que essa perspectiva não se restringe a uma epistemologia direcionada apenas às clásscias "ciências sociais" ou ciências "da alma" - que bem poderiam ser taxadas de meramente especulativas.

Isso porque, desde Heisemberg, as próprias "ciências naturais" (ou, para quem ainda preferir, as "exatas"), na superação de um dual cartesiano, permitem, na física quântica, inserir o posicionamento e a atividade cognitiva do observador como condição sine qua non para se empreender a distintas possibilidades dentro do provável, o que aponta um certo sentido de alento para a desarticulação em torno da ideia de reificação do mundo e de separação entre um suposto observador e um objeto.

Dialogando com essa superação paradigmática, passei a ponderar a respeito da substituição de uma dialógica observador-objeto para um sistema-mundo de sujeitos, a partir de uma interessante provocação, que dizia mais ou menos o seguinte: "às vezes um charuto é apenas um charuto".

Será? Dentro da teoria clássica de bifurcação sujeito-objeto, numa "objetivação" da exteriorridade (com encurtamento da noção de ambiente e indivíduo), sim, quem sabe, pois, afinal, boa parte do conhecimento ocidental tido ou tomado como oficial (e reproduzido, às pencas, na assepsia eclesiástica denominada academia) adota esse referencial há séculos, recriando experiências de mundo em que se apõem pessoas, coisas, estados, comportamentos.

Tudo passa, então, a ser tomisticamente delimitado em redundantes fragmentos que, claro, serão dissecados pela lente "precisa" do observador-onisciente que, descuidado de si (de identidade, de seu posicionamento e de seu campo eletromagnético), ARBITRA variáveis de "controle", julgando-se muito mais do que um espectador que cria realidades, para se posicionar como ente deídico, O CRIADOR do evento. O laboratório, então, limita-se ao espaço além do observador, que não observa a si e, no ápice da negligência, encampa esforços em pretender descobrir o que aconteceu de "errado" nos experimentos da vida...

Com essa frase martelando em minha mente, confesso, minha veia epistemológica pulsou mais descompassadamente. Debrucei-me nisso e, confesso, a cada dia tenho encontrado dificuldade de compreensão de um significado "em si" das coisas, dos fatos e dos eventos, exata e pontualmente por dialogar com a perspectiva de tudo no mundo seguir um colorido de riqueza implícita, contida em meta-discursos, bem como nas significações que os signos têm, de maneira diferenciada, para todos os interlocutores, e não apenas para o emissor da informação.

Num mundo de ação comunicativa, os espaços de diálogo são partilhados e construídos, elaborados numa ressignificação constante, que ultrapassa o conteúdo do que representaria, para o emissor, o enunciado do que está a expor ou comunicar. Resumindo: charutos não são apenas charutos quando migram do espaço de individualidade para a composição do comum. Nisso reside a beleza da diversidade hermenêutica, colaborando para o compartilhamento de informações e a troca de ressignificações.

É a partir daí que as trocas comunicativas são feitas, dentro de ambientes cuja elaboração advém exata e pontualmente do compartilhamento de significados, de trocas de percepções sobre os conteúdos latentes ou implícitos de cada fato, comportamento ou ação.

Daí entender ser um tanto quanto ingênuo dimensionamento do meta-discurso para a adesão discursiva ao "unívoco" significado: nada é unívoco e de planificada compreensão quando se está diante de um compêndio humano de complexidades, vocabulários e experiências pessoais a ressignificar conceitos, situações e comportamentos.

Na estética discursiva, então - para não dizer que estou falando apenas em ciência - um charuto pode ser tanto! Para uma contemplação freudiana, pode ser mais uma articulação fálica do mundo. Tudo pode ser... O diferencial reside em como - e SE - estamos dispostos a compartilhar as percepções sobre o espaço discursivo criado em uma interação...O dia em que achar que o visível é apenas o visível, terei matado em mim o que me diferencia de boa parte do reino animal: a criatividade e a capacidade de produção de cultura...

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