quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Distanciamento e contemplação do mundo a partir do meu umbigo...

Durante esses últimos dias prostrei-me no mais profundo recolhimento, estilo "desconexão total" dos fios dos telefones, das pessoas e, quem sabe, de mim, procurando no diálogo interno uma via para desnudar naturalizações, ideologias, estereótipos e preconceitos que eventualmente passam batido pela mente-que-mente-que-nem-sente, conturbada por um alcance de "racionalidade".

Passando por insana (uma amiga prefere a nomenclatura excêntrica, o que tomo como um elogio, dada a terminologia ex + centrus) e anti social, tenho vivenciado na sinfonia do silêncio uma oportunidade ímpar de contemplação de processos, numa espécie de "estado de suspensão" egoica em que a provisoriedade tem sido a dinâmica para lidar com a necessidade humana inefável de controle, manipulação e poder.

Ah, sim, o meu, né? A carapuça precisa sair daqui, sem culpa cristã, mas, de maneira honesta, sem que me perca em etiologias ou tratados sobre o poder. Isso me lembra Foucalt em Microfísica do Poder, não se ocupando em buscar (lastreado no brilhantismo de Nietzche) A origem do poder num Monte Olimpo metafísico, mas, de outra sorte, apenas olhando a História...a minha...Do ocidente. Do oriente. Poder entranhado em nossa perfídia iconoclasta de "capa de cordeiro". O "consenso" que aproveita o que se faz de vulnerável. Do eu que se vitimiza para levar para o abismo o diferente (será diferente? Ou seria recalque da vontade de potência?).

However... Esse processo tem sido enriquecedor, na medida em que traz uma sensação de desmoronamento do que era um "monobloco" de pseudo segurança a encobrir, de fato, a mais profunda ignorância a respeito de mim e da vida. Não que eu tenha alcançado "iluminação" ou "evolução", longe disso!

Mas, ao menos, o mundo adquire uma feição amistosa de fluidez e de aceitação da vida em sua dinâmica de descontrole , na medida em que, abandonando o que era uma zona de segurança ilusória, ao menos estou me permitindo vivenciar o que negava dentro de mim, mascarando com enunciados kantianos, hobbesianos, marxistas e todos os -anos, -ismos e -istas que, ao final, empobrecem o substrato do que é a vida: arbitrariedade!

Com isso, alegria é alegria.

Dor é dor.

Pranto é pranto.

Sorriso é sorriso.

O predicativo complementa tautologicamente o sujeito, lembrando, talvez, o básico, que ninguém está muito a fim de encarar: Eu sou o que sou. Eu sou quem eu sou. Sem predicativos, eles reduzem a experiência a uma gaveta que restringe a complexidade da vida. Ou, usando a gaveta, a simplicidade da vida. Quem sabe? Eu não sei. Você sabe?

Sentimentos estão aí para... Também não sei. Serem superados? Serem sufocados? Serem "tratados"?

Sei lá. Já me contento com a contemplação e experienciação até a última gota. Não me atrai a ideia de recalque contida nos discursos fajutos de uma religiosidade frenética e hipócrita, típica de quem não está a fim de se encarar. Heresia? Não sei. Farisaísmo? Ah, que importa? A quem importa? A anestesia de uma planificação em torno de um redentor trouxe muito sofrimento ao humano, pois - penso - nesse processo esquecemos de dizer que a superação passa pela transcendência da memória emocional.

Uau! Daí, de maneira inversamente proporcional, quanto mais falamos em Deus, Jesus, José, Kardec, Ashtar Sheran, Buda, Sai Baba, Cerridwen, Shiva e outros arquétipos, mais recalcamos na "salinha de espera" de nossa psiquê a dor e, parafraseando Reanto Russo, "falamos demais por não termos nada a dizer" e, assim, tormano-nos insensíveis em relação à demanda do outro porque, não nos permitindo muito mais do que repetir evangelhos, livros e mantras, tornamo-nos cegos, surdos e mudos para o que realmente vale a pena PARA O OUTRO. PARA O OUTRO. PARA O OUTRO.

Imbuídos e imbuídas de uma altivez eurocêntrica, formulamos para nossos amigos, amigas, amantes, amados, amadas toda sorte de atrocidades valorativas, arvorando-nos num "direito" que, a bem da verdade, é criação de nossa mente que exige e demanda a vida em gavetas. Que demanda atenção, controle, dominação, manipulação e, ao final, a mais completa desolação do próximo. "Você pode até duvidar, acho que isso não é amor".

A primeira lição que aprendi em idos de solitude diz respeito a observar minha insistência em rotular situações e pessoas, como se cada um não tivesse o direito ou a oportunidade de vivenciar suas dores e, quid pro quo, de escutar tanta opinião sobre minha vida e meus sentimentos, como se eu estivesse sendo amaciada com um martelo de bater bife. Sim! Essa é a sensação, até mesmo porque já bati um dedo num desses martelos e a sensação anestésica depois da "porrada" foi bem de letargia e conformismo.

Que ingênuo acreditar que participo da dor do outro, da alegria do outro!

A couraça egoica fortalecida pela égide do individualismo apenas compreende um enunciado: cada um sabe onde seu sapato aperta e, dentro disso, estamos - todos e todas - chafurdando nos processos de vitimização. A diferença reside apenas no fato de providencialmente a vitimização do outro ser mais tolerável do que a nossa, resultando, daí, a cegueira na contemplação da miséria da alteridade.

Olhamos com uma capa de parcimônia o outro e, sob a escusa de "tolerabilidade" (palavra que encobre a superioridade, hahaha), "aceitamos" o outro, quando, por trás - nem tanto assim por trás, no raso, no raso, projetamos nossas propostas de vida à fórceps, à vácuo e, claro, pelo ânus, na figura que está bem diante de nossa fronte. Geralmente fazemos isso de maneira mais contundente com quem mais dizemos amar. Claro! Porque se trata de quem mais desejamos controlar, manipular e destruir...mas isso é para outra conversa... Daí a dupla velocidade...amor e ódio. Belo e feio. Luz e sombra. Onda e partícula.

Sim, que arrogância a minha achar que Fulano ou Sicrano "tem que ser assim", deve "ser assado", passando por cima, com isso, da experiência que, ao final, não é minha. Que arrogância pretender que o outro sinta-se agredido, agredida, ofendido ou ofendida quando, a bem da verdade, o insulto moral diz respeito à construção identitária de cada qual.

Simples! Cada um traz seu background de resistência, resiliência e tolerabilidade. Mais do que isso, cada um compõe sua matiz de significação para o mundo, os comportamentos e as pessoas em interação!

Quando me percebi assim, tão "austera" e "severa", logo a seguir percebi isso também nas interações com as pessoas que me são mais próximas, por entender que, ao mesmo tempo em que estou em um lado na gangorra, construo a receptividade para que a alteridade possa, da mesma maneira e segundo uma bem elaborada Terceira Lei de Newton, fazer o mesmo e, dentro disso, julgar meus atos, reificar meu comportamento e, ao final, assenhorar-se de uma verdade que É MINHA, de mais ninguém.

Isso foi irritante! Isso tem sido irritante! Como estou irritada comigo! Danadinha essa Alessandra!

Claro que estou ponderando a respeito de uma dimensão de verdade, aquela que diz respeito - quase que de uma maneira autista - ao meu mundo, não se confundindo com a elaboração de verdades compartilhadas em cima do código semântico e relacional entre pessoas. São dimensões que diuturnamente podem se confundir e, dentro da miscelânea, produzir ruídos e lacerações intransponíveis entre as pessoas.

Como pretende alguém avaliar minha dor, em meu universo? De outra sorte, de que lugar de fala legitimo-me a "engavetar" o que, de fato, possui representação e siginificado específico para quem está sentindo e experienciando?

Impossível.

O que se expõem, penso, são os significados que as experiências trazem para quem está em contato com determinada situação, nada mais. Isso tudo, claro, eventualmente regado por uma boa dosagem de identificação com o processo alheio, em face de memórias emocionais que reavivam determinadas vivências e, com isso, trazem cargas que aproximam (pela afinidade ou pelo repúdio) do processo do outro.

Penso ser necessário um cuidado, aí, para que o processo do Outro não se transforme ou se confunda com nossa experiência, a fim de, ao final, formando um "novelo de lã" enormes confusões sejam feitas...

Essa tem sido minha maravilhosa lição. Tortuosa lição de fluxos e empuxos, dentro da qual a facilidade maior é que - claro - julgar o outro, sem me introduzir no processo que, de fato, é meu. Meu e do outro, compartilhado em uma sala de espelhos superpostos em cacos que eventualmente se acomodam em nossas zonas de conforto.

Tenho achado toda essa expriência magnífica para que possa, ao final, olhar para meus amigos e amigas de maneira mais distanciada, tomando a cautela de não me envolver em emoções que têm significados distintos para pessoas distintas.

Confesso que, por agora, estou cansada de mim e, por via consequencial, cansada estou dos conselhos dos meus amigos, parentes, amores, por franzir a testa e ligar o botão do off. Falam javanês comigo. É isso. E, como resposta, devolvo-lhes nepalês: uma Torre de Babel.

Hei de confessar, contudo, que a epifania somente aconteceu - frisando bem, sem vergonha alguma - porque paradoxalmente diante de tanta manifestação de amizade e apreço das pessoas que mais amo, nunca estive tão desolada e sozinha diante do atropelo em não estabelecer um campo de sensibilidade compartilhada em face dos posicionamentos que tomo. Sempre alguém está querendo me dizer que o que penso ou sinto "passa", que "isso é normal", que tal situação "acontecerá assim ou assado", num conformismo atroz, que me lembra o sacerdócio mariano que tanto repudio...

"O mundo é assim". "As pessoas são assim". O que restaria, então? Aguardarmos a inevitabilidade da morte, para nos entregar à inexorabilidade? Se fosse assim, não teríamos chegado a tantas descobertas... É a exceção que dá, ao final, o sentido à regra...

Considerando minha veia sarcástica, claro, minha reação diante dos doutores e das doutoras de mim não poderia ser outra: solto risos e gargalhadas internas, achando o que o outro fala um enorme nonsense, se o propósito é a valoração de mim, aos olhos do outro. No máximo, acho "bonitinho", um senso comum tão pueril e ingênuo que merece até a redenção, a "ida ao paraíso" em face do mínimo de presença de espírito.

Mas, retirando um véu de Neverland (ou, quem sabe, de Pollyanna), o que fica é o vazio em relação a uma dinâmica de compartilhamento que, de fato, não se estabelece, tamanha a vibração de cada um ou uma em torno de seu umbigo. O meu, claro, idem! Afinal, somos todos um, né?

Dentro disso, somos excelentes conselheiros e conselheiras, ouvintes e fornecedores e fornecedoras de palpites, porque a representação e significação, ao final, diante do evento, não é nossa...

A dor do outro é do outro mesmo ou, como diz a sabedoria popular, "pimenta nos olhos dos outros é refresco", um ditado que, até então, não tinha muito significado em minha compreensão mas que, diante de tanta erupção egoica tem sido de especial valia em minha vida, em meus atos e, sobretudo, em meu desconfiômetro.

Sempre alguém tem resposta para tudo em relação a mim (ao si projetado egoisticamente, convenhamos): fórmulas prontas de felicidade e resolução pragmática de problemas. De maneira contraditória, contudo, a mesma riqueza de respostas - seguida, claro, pelos conselhos "eficientes" em relação à minha vida afetiva e emocional, são seguidos por uma incongruência enorme no que diz respeito à falta de enfrentamento, cada qual, de suas próprias mazelas existenciais.

Quando a pimenta cai no olho alheio escusas sempre são dadas, e poucos e poucas estão dispostos a olhar para sua teocracia manipulativa e, a partir dela, observar o verdadeiro estrago que pode ser feito na vida de outra pessoa. Daí eu entender a necessidade de apenas deixar o outro viver e, com isso, não me permitir mais ser "adestrada" por bombardeios ideológicos estranhos à volatilidade do viver.

Deixar o outro sofrer. Deixar o outro amar e... Calar mais a boca, desnaturalizando categorias trazidas dos condicionamentos apreendidos nos processsos de individuação para prestar mais atenção no “olhar do outro”.

Acho que aí pode residir a distinção entre neutralidade e imparcialidade, considerando a impossibilidade de abstenção valorativa em relação a “pré concepções” que fazem parte da minha experiência (CARDOSO, 2003, p. 13), ao mesmo tempo em que me abro para matizes plúrimas interpretações diante dos fatos, buscando sair das “certezas incontestáveis” que me orientam no trato com o outro (BAPTISTA, 2008, P. 31).

No fundo, cansei de teorizar o que faz sentido para o outro...

O preço? Peço apenas que os doutores e as doutoras limpem suas lixeiras e desafoguem suas latrinas. Estou fazendo isso agora, regado a um pouco de sal. Faz bem... E se o texto trouxe desconforto, sugiro olhar, primeiro, para si, antes de valorar meu "estado de espírito", pois, de uma maneira bem infantil, "ele é meu, de mais ninguém".

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