sábado, 2 de outubro de 2010

As águas renovadoras da estação da flor

Logo cedo brotou dos céus a dadivosa água que, enfim, vem anunciar os idos de novos ciclos de renovação da seca no Cerrado terracota.

Bem cedinho o céu pranteou de felicidade, fazendo escoar por entre as delicadas frestas de nuvens fofas a generosidade dessa Natureza que nos acolhe em seus braços. Diante disso, pensei, enquanto fechava a janela do meu qiarto - ao mesmo tempo em que me abria para um novo momento - feliz é quem sabe parar seus ritmos para acompanhar a chegada das águas, pois é sinal de sensibilidade à flor da pele, artigo tão raro em nossa sociedade de consumo voraz.

Logo cedo fui abrir a porta para o Mel ir para o jardim, ocasião em que volto a dormir, enquanto ele fica se exercitando em meio a amoras, cheiro de alecrim e mamão. Hoje ele não quis saber de exercício, pois, sábio, sentiu a chuva se aproximar e, quando ela finalmente chegou, ele ficou quietinho, silencioso, próximo à porta, esperando que eu abrisse a porta para que pudesse se aquecer dentro de casa.

Chuva lembra aconchego e proximidade, compartilhamento do espaço para aquecer o corpo e a alma. Os gatos sabem bem disso, porque, hoje, ficaram todos aqui ao redor, enroladinhos e quietos, poupando suas energias para o devenir desconhecido da razão.

Um felino "agregado"- talvez, quem sabe, irmão da Titi, pois tem a mesma pelagem dela - por quem, outrora, eu nutria uma certa antipatia - conquistou, enfim, meu coração, e, hoje, depois de uma semana de enamoramento (colocando ração, água, conversando e me aproximando), ele entrou aqui e já se instalou, convivendo nessa casa com o Marduk, o Finfim, a Mimi, a Meow e, claro, não sem muita briga ainda, com o Mel.

Mas, engraçado, mesmo com a divergência de objetivos entre ele e o Mel - a disputa de espaço - esse é ainda um lar de harmonia, pois até no dissenso o gatinho malhado e o Melado dão-se trégua...Estão agora próximos um do outro... O gatinho (será que ele tem nome?) e o Mel estão aqui, pertinho de mim, lado a lado, compondo a minha família especial!

Enquanto a umidade sobe e o céu prepara outra festa, estou na minha conchinha. O elemento água, ligado ao inconsciente, ao líquido primordial do útero da Grande Mãe, faz com que me lembre da conexão com minha emotividade. A água que corta vales, sangra montanhas e muda paisagens é a mesma que compõem os 76% do meu corpo, trazendo, com isso, uma necessidade intensa de conexão com a água do Planeta. A água que bebo, com gratidão, bem como a que alimenta as plantas secas do cerrado.

Chuva lembra creme de abóbora, lembra torrada com mel e chá. Lembra também ser necessário desprogramar, sair da matriz de horário, de compromisso com o exterior, pois, no aconchego da chuva que assola as ruas e invade espaços, o respeito pelos desígnios da água é condição de sobrevivência no mundo que está transmutando.

A chuva lembra, enfim, que meu coração está, pouco a pouco, aproximando-se da minha morada. Estou, a cada dia, arrumando um pouco mais de bagagem para a passagem derradeira. Já estou olhando a chuva e pensando que meu coração flui, de lá para cá, deixando mais aqui em Brasília de Alto do que levando para Alto essa Brasília que me acolheu por 37 anos.

Não posso ser ingrata com essa cidade... Nasci aqui, crie-me aqui.

Mas, em dado momento, é hora de simplesmente partir. Sem saudade, sem fuga, apenas partir, com a fluidez de quem está apenas mudando de endereço, e, ao mesmo tempo, está adequando a morada externa ao que está, enfim, dentro do coração.

O que me espera? Não sei, mas, mesmo não sabendo, não me furto e simplesmente sigo! Afinal, por que tanta pre + ocupação, tanta elucubração e tanta futurologia, quando a vida é tão mais simples do que a especulação em torno da temática "futuro". Que futuro? Aquele que jaz contido no aqui e no agora, esse é o futuro...

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