domingo, 5 de setembro de 2010

Quando tentamos engarrafar o tempo


Quem já tentou engarrafar o tempo?

Algumas pessoas dirão que é fisicamente impossível, diante da linearidade e da cronologia que marcam o passar de horas que não volta mais. Contudo, mesmo em cima de uma noção antropomorfizada de tempo - que, afinal, não é bem linear - e a impossibilidade de "se voltar atrás nos processos", ainda existem pessoas acreditando que determinado momento pode ser "resgatado", ainda que seja à fórceps, e vivenciado, sobretudo, com alguma pessoa.

Quando isso acontece?

Quando deixamos de respeitar o momento do outro e, ao arrepio da liberdade, agimos numa macabra auto-ilusão, tecendo tramas e teias para onde levamos o outro, quase sempre tentando forçar uma barra que, no fundo (ou no raso) não tem o menor sentido.

Nesse instante somos cronológicas, lineares e cartesianas, quando percebemos as situações de uma maneira estanque, sem observarm contudo, a grande gama de vínculos causais desencadeados apenas pelo que seria "um evento", umzinho só, "tiquim de nada".

Daí achamos que isso não será relevante para a tomada de posição, principalmente quando é o outro que se posiciona. Na verdade, o posicionamento do outro é irritante, não é mesmo? Destrói nossa estima, porque, afinal, queremos "ter o controle" de tudo, inclusive da vida e da vontade da outra pessoa.

Isso me lembra um episódio em minha vida. Aliás, todo o post diz respeito a este, que foi um episódio muito pitoresco, talvez o único evento dessa sorte em minha trajetória.

Uma pessoa "forçou a barra" em relação a mim, tentando, tentando, tentando e, mesmo diante de tudo, ainda, na batalha, tentando. Quando eu pensava que a sabedoria seria seu guia, tal pessoa, como uma fênix, ressurgia tentando. Daí pude ver o real significado da frase "sou brasileiro, não desisto nunca", porque nunca entendi bem como uma frase tão ridícula pode embalar toda uma nação, sustentando, algumas vezes, a teimosia da imbecilidade.

De tão perdida em seu ego atingido pelo fracasso iminente, ou, melhor - pelo que construiu como sendo uma diretriz de fracasso, dentro de um paradigma machista e androcêntrico de um mundo a cobrar êxito irrestrito - essa pessoa se esqueceu de observar um sutil detalhe em relação ao fato de eu estar ali e... uau! Existir!

Sim, claro, também tinha vontade, mas, diante de uma insistência pueril, ela se escondeu nos meandros da minha mente, cedendo espaço ao pior sentimento que pode unir dois seres: a pena e o desejo incontido de sair dali correndo diante do da completa falta de tato diante da minha vontade. Taí, depois de muito consultar meu coração - pois isso nem é tão recente - o que ficou, hoje, foi a certeza do desrespeito, mesmo que inconsciente, em relação à minha vontade, pois não se tratava mais de tentar, e sim respeitar meu tempo, meu momento.

Depois de então, penso, tudo dentro de mim mudou, pois, aos poucos, toda a sensação legal de troca, de afinidade cedeu espaço à necessidade de distanciamento. Afastar é necessário para colocar o coração em dia e observar a real motivação por trás dos motivos.

Dentro disso, o tempo não volta mais. A noite de tentativas infrutíferas não mais retornará, pelo simples fato de não se poder engarrafar o tempo, ainda mais quando a lembrança emocional é cercada pela cena digna de Nelson Rodrigues: tentativa por trás de tentativa, sem que eu sequer estivesse ali sendo consultada...

Esse é o recado da vida para quem acha que tudo volta: nada permanece o mesmo, porque tudo flui, num contínuo que, pouco a pouco, deixa momentos e pessoas para trás. A lição aprendida segue para a frente, pois é impossível restaurar o que foi quebrado.

Para vaso quebrado não existe cola que remende os cacos... Ainda mais quando o vaso diz respeito ao tempo...

Let it be!

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