sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Os motivos por trás dos motivos...

Dizem que o coração tem "razões que a própria razão desconhece" e, com isso, não obstante a racionalidade "fria e seca" apontar para um lado, o desejo sagrado e secreto de nosso coração deve ser o guia de nossas escolhas, pois suas motivações são as mais acertadas.

Nietzsche passou boa parte de sua vida e de sua obra falando sobre a vontade de poder, sobre o ímpeto que surge da centelha contida no humano, apontando para o que chamou de "instinto", que nada mais é do que o lançamento passional a partir da expressão mais ancestral de emotividade. Para ele, a "racionalidade" nos levou a nos posicionar como os seres mais arrogantes na escala do mundo, a partir do momento em que olhamos para o céu e nos arvoramos do direito de sofismar.

Sem fazer um tratado sobre Nietzsche, mas apenas transpondo a racionalidade, o que me preocupa por hoje são os chamados "caminhos do coração", quando eles não são conhecidos e, ainda, dentro do desconhecimento de sua natureza, escolhemos, na ignorância, algum caminho e superficialmente o taxamos de "caminho do coração" e, a partir da inserção nele, caímos em redemoinhos de sofrimento e dor.

O que nos move, em um primeiro momento, para nossas escolhas? Teríamos realmente algum arbítrio livre em sua origem? Conseguimos a depuração de todas - ou, que seja - ou de alguma das mazelas que nos perseguem ao longo da vida e escolhemos de maneira clara e cristalina? Ou, ao contrário, será que agimos num automático tão bem elaborado pelo ilusionismo mental que somente nos damos conta disso após um suceder de eventos que retiram nossas lentes?

Penso que não fazemos escolhas com liceidade de propósitos, mas, antes, em decorrência de pulsões desconhecidas e inconscientes, que são muito bem justificadas por nossa mente racional, que logo trata de arrumar uma convincente gama de argumentos para legitimar a escolha que, no fundo, sabemos não ser a legítima para nos lançar nos caminhos com os quais deparamos. Somos uns malas, umas malas sem alça numa desonestidade com nossas vidas e missões. Nossa, ops, falei!

Nossas couraças defensivas criam realidades em relação às quais a mente precisa gerar uma narrativa convincente, tanto para manter a farsa, como para apregoar a fraude para as outras pessoas. Quando não nos damos conta disso usualmente embarcamos em uma ego-trip que pode durar uma vida, talvez duas, três, não sei. Talvez seja a odisséia sem fim de vidas e vidas de repetição de padrões, pois, afinal, somos imortais, né?

Uma das falácias diz respeito a isso chamado "caminho do coração", "caminho da intuição". Claro que existem e claro que são eles que nos conectam às reais escolhas da alma. Porém, o que pondero é: não estaríamos confundindo o caminho do coração com o caminho do "ego-sem-ação"? Afinal, essas duas construções atém rimam ao final...

Pegamos algum atalho dentro da zona de conforto e embarcamos, achando que realmente estamos seguindo nosso coração, quando, a bem da verdade, podemos estar seguindo nosso medo de ficar só, medo de morrer, medo fracassar. Medo, frustração, desolação, bem como outros sentimentos que trazemos em nossas vidas e colocamos recalcados em alguma sala de espera de nossa psique. Quando não enfrentados ou desmascarados, eles voltam, cada vez com mais força.

Segundo Stephen King, os "fantasmas e monstros existem e estão dentro de nós. Eventualmente eles vencem". Como? Penso que no momento em que não escutamos a primeira voz - sim, aquela que fala baixinho lá dentro e que, essa sim, É A VOZ DO CORAÇÃO - e nos lançamos nas intentadas apenas e tão somente para aplacar os monstrinhos e fantasminhas dentro de nós.

Daí, toda vez que o Anjo da Casa vem e comanda a subserviência - "seja um doce, seja parceira, seja isso, ou aquilo" na verdade, ao invés da narrativa crística de compaixão, está anestesiando a capacidade de ação.

Com isso tentemos muito a confundir amor, compaixão e compreensão com baixa auto-estima e submissão. Com um arremedo de caridade que, de fato, está longe de ser qualquer lição espiritual que Buda, Jesus, Gaia, Maomé etc. transmitiram.

Basta um teste: alguém já viu ou leu em alguma escrita algum dessas ilustres personalidades numa confusão "passional", estilo "novela mexicana", agarrando todo mundo, beijando todo mundo? Acho que não, não é mesmo? Uma olhada de piscadela para perceber que, muitas vezes, para algumas pessoas, esses seres passariam até por austeros demais. Não se trata de frieza, porém, mas sim de superação da demanda humana do desespero existencial de se lançar num tornado de apreensões. Com isso, despojaram-se.

Nosso ego não ama... É importante sempre lembrar disso. Ele apenas deseja tomar para si e apreender o "objeto" para se preencher, pois pensa ser aterrador saber que não existe. É uma criança o ego e, com isso, prega-nos inúmeras peças ao longo da vida.

E quanto mais evoluímos, tirando as cascas da cebola para libertar a essência, mais o ego tenta comprar caminhões de cebola para se cobrir, agasalhar-se. Acha que precisa "ficar quentinho" e não viver. Daí, sempre procura viver por meio do outro...

Os reais motivos do coração? São os caminhos opostos aos do ego. Basta "apenas" decifrar o mais complexo, que é o discernimento em relação a qual, de fato, é um e outro. Até descobrirmos, muitas vezes escolhemos com o ego e sufocamos o coração, até o dia em que ele salta de dentro do peito, explode e se esvai, deixando-nos a tarefa de, numa outra vida, fazermos o caminho de onde paramos...

Nenhum comentário:

Postar um comentário