sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O desafio da contemplação da própria "carne"

Cada dia nesse lindo Planeta de Gaia é mais um dia de contemplação de nossas essências, porque, em cada aurora renovada, podemos acordar com a sensação de renovar os votos de agradecimento pelas experiências enriquecedoras que podemos agregar a nossa estrada.

Em cada sol a despontar jaz o filete de calor que alimenta a vida e nessa ciranda nada permanece da mesma maneira, apesar de, indiferentes, às vezes acharmos que existe automatismo no raiar do dia.

Do alto de nossa arrogância como espécie tecnocratizada, mecanicizamos tudo ao nosso redor, talvez, porque, no fundo de nossas almas, estejamos robotizadas e alheias ao compasso perfeito da Grande Mãe sacral.

Daí, nessa alienação, o sol é apenas um sol, as árvores são apenas espetos de pau com "bolotas" em cima e o humano, ah, esse ser tão desconhecido... O humano é simplesmente um "ente" em cima do qual despejamos nossa intempérie egóica autômata, num fluxo e refluxo de mero behaviorismo.

O resultado da indiferença com o Todo reflete no desprezo essencial que passamos a nutrir pelo sentimento do outro. Pelo fel da falta de zelo, tato e cuidado em relação a verdadeiramente expor nossa essência e dizer "a que viemos" e, dentro disso, com a pieguice de invocar anjos, santos e deidades, sempre achamos que nossa conduta está pautada numa "reta razão" de moralidade, quando sequer sabemos a origem de nossa estirpe, de nossa "moral". Esse é o "sol" que achamos ser o mesmo em nossas vidas...

A reprodução do mesmo sol da nossa mesquinhez em não nos olharmos no espelho e, nessa cegueira, ainda insistirmos em tecer teorias e vomitar os escombros de nossas idiossincrasias mais estúpidas nas pessoas que estão à nossa volta, subjugando-as em sua inteligência e nos achando, ao final, senhoras da verdade inconteste...

Na Genealogia da moral, Nietzsche fala da providencial "dicção" do critério de estipulação da bondade por parte de quem, aproveitando-se dela, taxou os demais - fora de seu clã - de maus, num critério muito "útil" de catalogação de verdades.

Segundo ele, "o juízo do bom não provém daqueles aos quais se bem o 'bem'", tendo sido os "superiores" em posição que estabeleceram o critério, tomando para si - apropriando-se historicamente, diga-se de passagem - o monopólio de criar valores e "cunhar nomes para os valores, tendo em vista que, o que importava, era a utilidade" (2002, p. 17-18)

E assim, na espiral de um eterno retorno de uma ida-que-nunca-existiu, penduramos etiquetas nos outros e colocamos preços e prazos de validade, segundo nosso 'grandioso' umbigo egóico que, para nosso crivo, é o melhor, the very best.

Daí, forjamos uma armadura intransponível ao redor de nossa fragilidade e, com isso, tal qual uma guerreira intrépida, ceifamos as pessoas de nossos caminhos, ao menor sinal de discrepência. Ou, então, pior, dentro de nossa cegueira e da sufocação que toda armadura provoca, enxergamos o que melhor nos convém em relação ao Outro e, com isso, insistimos em transformar sapos em príncipes-escorpiões, tornando-nos sabedoras de nosso destino fatal, dada a picada inevitável em nosso pescoço.

Sempre me pergunto por que mulheres plenas em si incorrem na falácia se se acovardarem em seus propósitos pessoais e, ao final, sempre se punirem em face de uma "compaixão" ao outro... Seria o medo inconsciente de ficarmos sós? Ou a temeridade da morte, que traz a grande necessidade de reprodução da espécie? Ou seria o mais básico... burrice? Imbecilidade? Reprodução de um paradigma androcêntrico de dominação de corpos e docilização da alma feminina? Sei lá!!!! Nem estou a fim de falar em Foucault, Bourdieu, Scott e sei lá mais quem... O dia de hoje é que festividade dionísica de uma língua feroz chamada F. Nietzsche, senhor que desvendou boa parte de nossa pequenez...

Não tenho respostas, mas há tempos que deixei de me seduzir por uma ludicidade de propósitos do gênero masculino. Deixei de ter "piedade" por, talvez, ter percebido que minhas provisórias valorações sobre isso estavam maquiadas de perversidade recalcada, de arrogância, etnocentrismo e pífio sentimento acovardado de puritanismo weberiano proselitista, judaico-cristão de porta-de-cadeia, ou, então, de enunciados búdicos e vedânticos que, num Ocidente decadente e repleto de seres papagaios-de-pirata, apenas recitam fórmulas mágicas (orando, rezando, mantrando, enfim), sem a decência de fazerem de seus caminhos - eles EM SI - a própria verdade da conexão com Deus.

Na formação que a empiria tem trazido em termos de observação de mim e do Outro, confesso, a palavra compaixão perdeu-se no espaço em termos de conteúdo semântico, porque, sob a alcunha do termo ter se convolado em sinônimo de pactuação de mediocridades nos relacionamentos. Eis a constante do mundo. Quase sempre, claro, por parte das maravilhosas mulheres inteligentes, ou seja, NÓS.

Não que não acredite em compaixão, em amor, em compreensão... Longe disso, o que me move em direção aos espaços etéreos é a leveza de sentimentos nobres, que advém, contudo, do corte de navalha que, todos os dias, dou em minha carne, para que a impáfia natural ceda espaço à compreensão da vida em suas dimensões. Amor sem aspas é sentimento que brota das entranhas de uma alma que se libertou de seus atropelos, e não de uma falange de espíritos que apenas transitam pelo mundo, como se estivessem num confortável 'parquinho de diversões'.

Esse é o sentido do que repudio em termos de leviandade emocional e afetiva, nas inúmeras e providenciais materializações de situações do dia-a-dia, que mostram uma precariedade moral em relação à consciência de si... Viva o amor, claro! Viva a compaixão! Claro! Mas ABAIXO A HIPOCRISIA e, sobretudo, abaixo o sentimento de "querer se dar bem às custas das boa-fé alheia". Abaixo a máscara de bondade iconoclasta que as agremiações religiosas transmitem, como cancros purulentos, às mentes incautas e desconhecedoras de sua essência. Isso não tem nada a ver com amor...Muito menos com relacionamentos e, mais ainda, nos relacionamentos entre homem e mulher.

É bem verdade que relacionamentos são feitos em base de troca - sim, isso é legítimo e saudável como base de consenso e articulação de dissensos - mas toda troca, para se fazer justa e saudável, pressupõe igualdade e liceidade de propósitos. A dissimetria gera insatisfação para um ou ambos os lados, pois ao lado da aparência de civilidade de uma "discussão racional" jaz a artimanha inconsciencial de nosos piores e mais arraigados propósitos escusos de destruição do outro.

Afinal, tanathos está sempre presente, escondido em um poço profundo do Hades de nossa mente, pronto para nossas sabotagens internas. Daí, sabedoras disso, interagimos na fossa com o outro, e, num lamaçal de intempéries e ignorâncias em relação a nós, matamos, pouco a pouco, o outro, por desejarmos, com isso, matar, talvez, nossa essência. Que "compaixão", que "pena" e, sobretudo, que "amor" é esse? O que é isso?

Mais uma vez, pergunto-me...como me pergunto, dia a dia, porque a insistência em não nos encararmos diante de nossos espelhos. Quem sabe, um dia, nós, maravilhosas Deusas, filhas de Anu, Danu e Gaia, possamos, enfim, acordar para um mundo novo a ser construído por nós, onde os pactos de mediocridade e perversidade cedem espaço para a clareza nas relações entre homens e mulheres.

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