sábado, 7 de agosto de 2010

Crônicas de um rosto na multidão

Dentre tantos ciclos que estão a se fechar e abrir nos caminhos da vida, a frase da semana veio em um lampejo, quando, dentre tantas informações, ouvi o som de um compasso extraído da sinfonia de uma pessoa extremamente sensível que, no auge de um suspiro extremamente sincero, tocou a fundo minha alma antenada, deixando uma pérola no ar de inquietudes...

"Um rosto na multidão".

Não importa muito o contexto, porque, afinal, criamos contextos o tempo inteiro, dentro de tantos outros contextos que nossa imaginação nos permite alcançar.

Lembrei-me, a partir daí, de tantas e tantas experiências vividas, bem como das pessoas cujos caminhos, ao longo da minha sina, tangenciaram os meus. Lembrei-me das levas de pessoas que vieram, foram, levando e deixando partes e modificando essencialmente os caminhos e as escolhas que fiz na vida.

Coloquei-me na reflexão sobre o que representa destoar de uma concepção de mundo miseravelmente infeliz, mesmo esboçando o sorriso pouco luminoso de um orgulho que encobre frustração.

Senti-me acalentada por ouvir uma pessoa confirmar a sensação maravilhosa que me persegue de realmente ser e gostar de ser "um rosto na multidão", afinal, numa multidão que apenas SOBREvive, ser um rosto não desperta muito interesse. Ainda bem! Já imaginaram o quanto seria uma tarefa árdua tentar escapar dos zumbis que estão a perambular pelo mundo?

Ao ouvir essa frase, compartilhei, por efêmeros segundos, a sensação de, em alguns episódios, perguntar para mim o que estava acontecendo no mundo para que os seres - nós, humanos e humanas - pudéssemos olhar o outro com a mais completa indiferença emocional, como se ninguém mais tivesse face ou coração.

Como se pessoas simplesmente passassem sem que sequer perguntássemos seus nomes. Já repararam como até mesmo no tratamento formal ou comercial, tratamo-nos de "senhora", "senhor", "muié", "hômi", "tio", "tia"?

Nesse contexto, transformamo-nos em meras alcunhas - da pior espécie, porque dentro da nomenclatura familiar ainda agregamos, sem saber, os vícios e intempéries das relações domésticas - forçando a barra e agindo com o próximo de uma forma tão frívola e leviana que, ao final, "somos amigos" após cinco segundos de conversa, regada, quase sempre, à cadeia carbônica de C6H12O5.

Amizade não se compra, não se adquire na superficialidade em que se enverniza o ego, colocando, talvez, um lustra-móveis para a máscara ficar mais "bonitinha", mas, antes, consolida-se a partir do momento em que sabemos enfrentar a NÓS, expondo-nos em nossas fragilidades, para o outro, e não num concurso para medir quem é mais mais.

A tônica da conversa que gerou a frase, como não poderia deixar de ser, circulou na sensação de aparentemente "as coisas não darem certo" em termos de se conhecer outra pessoa, de se estreitar vínculos e compartilhar verdadeiramente momentos (quaisquer que sejam eles, de amor ou de dor). Dentro disso veio o pensamento sobre minha percepção a respeito das mudanças "mântricas" eclodidas em nível quântico em minha vida, quebrando caminhos de encontros e transmutando comportamentos e padrões.

Percebi o quanto tem sido providencial a revelação quase que instantânea, da essência das pessoas - inclusive da minha para as pessoas de meu convívio.

Por que? Porque a partir daí, penso, verdadeiros vínculos podem ser criados.

Depois da pulverização de todo o ego - inclusive o meu, que é grannnnnnnnnnndeeeeee também e bate de frente com o ego de meus amigos e minhas amigas, na proporção da identidade - e da revelação das "pedras nos sapatos que não desejamos tirar" é que podemos partir da honestidade no agir.

Comportamento é ação motivada e, dentro disso, é o coração que informa a ação.

Se a ação vem sem a intenção, nada vale, porque vazia de propósito moral que seja a essência do ato. Por outro lado, intenção sem ação é estéril e inócua para a evolução, porque o mundo compreende matéria e estado anímico, dentro do qual o mundo do pensamento, sozinho, ainda não dá conta de criar realidades num mundo de tridimensionalidade.

Intenção + ação = evolução. Equação simples, porém, ao que parece, ainda não compreendida por nosso ego "safadinho", que tenta, tadinho, dar braçadas no mundo e se dizer "ei, eu existo!", mesmo que seja passando por cima dos outros e vendo o mundo como um grande mar de pessoas ora sem rostos, ora com rostos tão comuns que se perdem na mesmice se se conhecer todos ao se deparar com um.

Importante revelar a essência por trás do discurso, porque, diante de tanta aparência de Maya, o que se revela - sem muito esforço - é a queda discursiva, para o aparecimento da verdade de alma das pessoas. Isso é importante, na medida em que nos relacionamos com essências, e não com máscaras.

De máscara Pollyana o mundo está cheio.

Ainda bem que existem rostos destoando da multidão, principalmente quando esse aglomerado a-crítico e a-morfo transparece a superficialidade egóica de uma mesmice que se reproduz como baratas no verão.

Ainda bem que conseguimos "pinçar" - ainda que poucos - rostos que se sobrevelam em meio a transeuntes que não têm face! A bem da verdade, de quantos rostos mais precisamos? Qual o limite para que nos convençamos de que não precisamos de muitos rostos, mas do bastante para que nossas essências interajam sem medo?

Os momentos de anonimato na multidão são importantes para a observação de si e do mundo. É isso que posteriormente traz a calmaria dos encontros "miraculosos" entre as pessoas, onde não é necessário qualquer esforço: as coisas acontecem, pura e simplesmente.

Bem-aventurados, não "um", mas O ROSTO NA MULTIDÃO... é ele que, desapegando-se dos "UNS ROSTOS" encontra O outro, aquele que é lhe afim.

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