quinta-feira, 20 de maio de 2010

O ladrão, a galinha e o Promotor

Hoje abri o noticiário oficial e descobri que um Tribunal - esses de ponta mesmo, com direito a sistema high tech - "absolveu" (óóóóóóóó) um "ladrão de galinhas", um cidadão que havia furtado um galináceo de R$10,00.

Nossa, que lindo ato heróico de despojamento, dentro do qual o prestimoso julgador olha, de maneira terna e doce, o súdito deste Estado e, enternecido de compaixão, invoca, conclama e chama o "princípio da insignificância", para dizer que os R$10,00 são um valor diminuto para investir para perseguição e punição.

O que jaz na entrelinha - essa é minha real procupação com a vida - diz respeito ao estado de mendicância e miséria social em que chegamos, ao mesmo tempo em quesubjaz a mais completa falta de sensibilidade jurídica - ou humanística - de um Ministério Público que não sabe, ainda, enquanto instituição que se equilibra nos postulados de autonomia funcional, o que significa refletir sobre a bandeira da defesa do social.

Não digo "ordem" porque estou longe, alhures, distante mesmo de Comte (positivista sem dó): não sei bem o que ordem significa numa sociedade de diversidades (e, sobretudo, num Universo que age na contra-ordem). "Ordem pública"?
Não sei o que é, porque entendo existir um vazio semântico (citando Warat) que sempre permite a alguém propor um sentido volátil a um termo despojado de completude em si (si-bemol). Contento-me, ao menos, em tentar acessar o que a elongação da palavra "social" permite, porque, até então, tanto MP, quanto os códigos e as leis têm defendido como expressão social apenas o substrato patrimonial e não acervo humanístico.

Minha proposição.

Estamos perdidos, em plena contemporaneidade habermasiana não-comunicante, sem saber muito sobre humanidade e personalidade. O sentido do humano, enfim, em meio da pluralidade, pois não gostamos do plúrimo, do diferente.

Não nos sensibilizamos com o próximo que está ali, quer seja vendendo bala, ou, ainda, panfletando embaixo do Sol quente. Perdemos, sobretudo, a noção de compartilhamento, quando vemos numa galinha de R$10,00 o motivo de acionamento de toda uma máquina estatal, para lançar um comando de cólera materializada no bode expiatório de todas nossas idiossincrasias.

Sim, somos perversos e cruéis, o tempo inteiro, por meio do duplo discurso e da dupla moral, porque, ao mesmo tempo em que absolvemos - a contra-gosto - o ladrão de galinhas, não questionamos seriamente o papel das instituições que levam adiante essa proposição...

Não questionamos o significado dos papéis que desempenhamos ao longo de nossas vidas e acabamos por assumir alguns que acabam nos engolindo, como uma hidra que se regenera a cada golpe certeiro de um fio de navalha moral. Moral? Moral kantiana, hegeliana, enfim, são tantas as morais que nos esquecemos de retornar da jornada metafísica para a apreensão do simples eu imerso na alteridade. Pobre de nós...Ai de nós.

Estamos, enfim, no maravilhoso mundo da imaginação jurídica...Perdidos e perdidas em nossos maiores devaneios pseudo-burgueses.


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