domingo, 30 de maio de 2010

A impermanência e o viver

Não adianta traçar tantos planos, pois todos eles compactam, ao final, a alma livre, que simplesmente se permite nada mais do que o VIVER... Viver, em si, é a própria meta, para que traçar tantas outras que restringem o substrato do sentir?

Sonhos? Projetos? Objetivos? Está tudo fadado ao fracasso de não se realizarem, porque a realização já marca, em si, a insatisfação de não ter a alma tido a fluidez para não se programar. Não temos certeza do porvir mais imediato, pois, em cada dia de sono, deitamos sem sabermos se, no dia seguinte, estaremos aqui respirando!

Pessimismo? Não, a mais pura percepção do que é estar vivo num corpo...a incerteza do que está escondido por trás de uma esquina... Por isso, fluir é muito importante, já que nas pequenas trajetórias da alma reside a completude desse especial viver, sem projetos, sem alegorias, somente nós conosco...

Não peço desculpas pela minha fluidez. Ao contrário, ela surge, como uma torrente, invadindo aqui e ali, no descompasso do que esperam de mim e na confluência do que me disponho a viver. Plena alma livre em si, caminho, aqui e ali, não projeto, vivencio, em cada minuto, as pequenas mortes do dia-a-dia.

Casinha?

Trabalhinho?

Carrinho?

Vidinha?

Almoçozinho de familiazinha-que-fala-da-vidinha-dos-outrinhos?

Filhinha e filhinho?

Socorro!

O que é isso? Algum rascunho que Alguém fez e jogou fora... A equação está estranha, pois projetamos tais realizações sem, contudo, atentar para nosso Ser nesse processo...Daí, simples, acasalamos, colocamos proles e mais proles num mundo louco, vestimos e condicionamos os filhos a serem retratos mal-enjambrados de nós mesmos... Depois, quem sabe, trabalhamos muito em prol de tudo para, ao final, morrermos, achando que o mais legal que fizemos foi isso...O que?

Liberdade... Tão pouco... Para mim, muito pouco da verdadeira liberdade necessária ao sono dos que se dedicam, verdadeiramente, ao próximo, não por ego, mas por puro altruísmo. E isso falta no mundo, porque falta dentro de nós a percepção de DESAPEGO. Sempre queremos mais e mais, sempre nos frustramos quando alguém não "nos dá" o que "achamos"ter "direito".

Nossa, que opressor! Afinal, não se força ninguém a amar o Outro.

Para tantos, a listagem acima é a tábua de salvação idiossincrática, quando não se sabe, ao fundo, quem se é ou para que se veio ao Mundo. Quando não se sabe onde se quer chegar dentro de si, qualquer vento é desfavorável, já dizia Sêneca.

Navegamos muitas vezes à deriva de nossas verdadeiras ambições, que poderiam ser muito menos do que os magnâninos projetos que insistimos em montar para, ao final, quando fecharmos os olhos, enganarmo-nos achando que "fizemos muito". O que podemos fazer por nós? Por nossa felicidade, sem que isso reverta num caminho quixotesco de satisfazer sempre o Outro às custas de nossa própria FELICIDADE?

Dentro disso, quem sou? Simples, muito simples. Sou o que sou, sem a necessidade de transpor nos Outros o retrato de minhas mazelas não apartadas da alma. Viajo, fluo, vou e venho, na única dialógica que conheço: AMOR. Quem quiser me catalogar terá muito trabalho, porque não me amoldo a juízo algum que qualquer pessoa faça de mim... Sou simplesmente o que e quem eu sou por querer ser. Ponto.

Meus primados morais e éticos estão cada dia mais distantes dos enunciados judaico-cristãos que me trouxeram até aqui. Navego no contra-fluxo e, quando menos se espera (por mais pseudo-confiança que possa alguém ter sobre meus atos), mudo a minha direção, como a música


"Meu caminho é cada manhã
Não procure saber onde estou
Meu destino não é de ninguém
Eu não deixo os meus passos no chão

Se você não entende, não vê
Se não me vê, não entende
Não procure saber onde estou
Se o meu jeito te surpreende
"

Mas o Amor? O que é o Amor? Seria eu uma cruel, fria e calculista pessoa? Já disseram isso para mim tempos atrás...O que esqueci de dizer, claro, sempre esqueço, é que não faço pactos no amor, porque, para mim, Amar é sequer precisar abrir a boca...

Ai, ai, esse texto não comporta, nem os dedos conseguem escrever o que é amor...

Escrever é, em si, afronta direta ao nobre sentimento de plenitude...

Mas sei o que não é Amor...claro!

Condicionalidade não é amor.

Carência emocional não é amor.

Opressão não é amor.

Ansiedade projetada no Outro não é amor.

Cobrança não é amor.

Extorsão emocional não é amor.

Lista boa, não? Acho que pararei por aqui antes que entristeça, ainda mais, os inocentes corações dos frequentadores dominicais dos sermões sacerdotais, para quem o Amor é uma "coleira feliz"
(contradição em termos, pois nunca vi um cachorro feliz)

"Eu perdi o meu medo
O meu medo, o meu medo da chuva
Pois a chuva voltando
Pra terra traz coisas do ar

Aprendi o segredo, o segredo
O segredo da vida
Vendo as pedras que choram sozinhas
No mesmo lugar

Eu não posso entender
Tanta gente aceitando a mentira
De que os sonhos desfazem aquilo
Que o padre falou

Porque quando eu jurei meu amor
Eu traí a mim mesmo, hoje eu sei
Que ninguém nesse mundo
É feliz tendo amado uma vez...
Uma vez
"

Daí, por outro lado - no lado, que é sempre dual - se não existe lealdade, fidelidade, -ades da vida, é "porque" (sempre o porquê) ... porque a pessoa tem problemas....É devasso ou devassa, perde-se por aí. O que é se perder? Mais do que se perde de identidade quando se esquece de si para extorquir a identidade do Outro? heheheh, ironia, doce ironia. E com os dedos cheios de ironia, termino minha impermanente hora de permanência.

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