sexta-feira, 21 de maio de 2010

Até mais, Titi!

Ela chegou aqui em casa num dia, sem o menor pudor e, não pedindo sequer licença, conquistou nossos corações. O meu, bem simples de ser conquistado, logo se afeiçoou àquela gatinha preta de botinhas e nariz bem branquinho.

"Será que ela é de alguém?" - perguntei inadvertidamente, logo me lembrando de que nada e alguém pertencem a alguém. Pretensão minha achar que uma pessoinha como ela "seria"de alguém. Ela era dela, senhora de seus passinhos, plena em sua felinidade!

Não me aproprei dela... ao contrário, o passe livre de Titi arrancou de mim meus melhores sorrisos. Da janela do escritório, ficava admirada, vendo o quanto ela se divertia simplesmente caçando as lagartixas que habitam o jardim. E, não contente com a caçã, ela ainda pegava as lagartixas com as mãos e as jogava para cima, numa tentativa de produzir algum tipo de movimento em que valesse a pena, ainda, permanecer caçando...

Ela me acordava aqui em casa, batendo na porta da frente e demandando, com carinho, um pouquinho de comida. Até mesmo quando saía, atrasada, e via o pratinho da Titi vazio, eu suspirava fundo, olhava para trás e abria tudo de novo - portas, janelas - apenas para ouvir o ronronar dela em agradecimento à comidinha que fartamente estava ali à sua mesa.

Com ela aprendi a não me importar mais com as fugas do Finfim - outro gato carijó matreiro, que costuma passear - porque, dentro de mim, sempre senti que Titi, como tudo em minha vida, exaurir-se-ia dali a algum tempo. Que tempo? Não saberia e, por não saber, hoje penso que o momento de passar pela preparação dos bardos de morte é o desapego em vida, para saber que o fim é apenas o começo de algo muito, muito mais belo e pleno.

Não que isso fosse algo a ser sentido como uma dor de morte proeminente, pois, com ela, bem como com a Miu (outra gata) e com a Elisa (minha vizinha com quem sonho sempre em agosto), enfrentei a dor da perda. Dor de perda? Perda do que? De uma apropriação que igualmente é ilusória!

Hoje o dia foi de um colorido especial, como os últimos dias de reencontro têm sido.

Se eu deixasse esse mundo exatamente hoje, iria muito feliz, com a sensação de não haver diferença entre estar respeitando ou não, porque, de igual maneira, são apenas lentes que colocamos para enxergar o todo que se transmuta em todo!

Estou ao lado de quem amo, pulsando o coração numa paz enorme. Isso me basta. Amar, amar, apenas isso, basta! Não importa quem, onde e porquê. Amar é, ao final, um verbo intransitivo, que não depende de complemento para se perfazer em mil pétalas de lótus!

Cheguei agora a pouco e vi a Titi na porta da minha casa. Estava imóvel, envolta no silêncio respeitoso de quem fechou os olhos para esse mundo. Choquei-me em vê-la, pois onde outrora existia uma gatinha cheia de energia - caçando lagartixas - existe apenas o corpinho dela, os pezinhos brancos que tanto me pediram colo.

A parte de mim que ainda não aprendeu a impermanência está entristecida... Mas, do fundo da minha alma, nos confins não muito distantes da superfície que lamenta, estou confiante que, um dia, todos nós nos encontraremos no giro da roda da vida, em pura energia, para uma grande cantiga de roda!

Sinto-me abraçada pela Titi e muito grata por ela ter escolhido passar esse tempo de passagem aqui perto de mim e de nossa família. Sinto-me grata e feliz porque na breve passagem de Titi, transformei-me, mais um pouquinho, em uma pessoa melhor!

Titi, querida, a gente se encontra algum dia!

3 comentários:

  1. Que lindo Alê!
    É realmente importante lembrar que as experiências vividas com os seres amados sempre nos proporcionam aprendizados de bom grado. Por isso suas lembranças são sempre bem vindas...
    Fique em paz e com boas lembranças da Titi!

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  2. Alê,

    Que a doce Titi, possa continuar caminhando e ensinando a tantos, assim, como ensinou a você.
    Apenas a vi pouca vezes, mas sei que você se afeiçoou muito a ela. Que ela siga sua jornada saltitante, como nas vezes que a vi.

    Que a paz e a ternura esteja sempre com você e com a Linda Titi, que nos deixou imersos de saudades...

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  3. Fiz um post do comentário que não foi ao ar. ele está disponível no meu blog.

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