sexta-feira, 23 de abril de 2010

Estética, beleza e prazer: demorou! Sejamos NÓS! Reais!


Quando fui ao salão esse mês, entrei com um nítido propósito: voltar a ver a cor do meu cabelo, depois de passar 22 anos passando tinta de todas as cores do arco-íris... O Tim (corta meu cabelo desde os 09, 10 anos: hoje estou com 37, olha o tempo) pegou sua mágica tesoura e fez um balé, como se visualizasse em minha cabeça o mármore bruto no qual Michelângelo enxergava o acesso e, com espátula, formão e martelo, esculpia.

Saí de lá com o cabelo curtinho, curtinho e fui logo sendo invadida pelo Anjo da Casa wooolfiniano, que, no fundo, estava prestes a me dizer: "a força da mulher está no cabelo longo. Os homens gostam mais de cabelo grande, o que você fez?"

O que fiz? Livrei-me do Anjo...Acho que dei-lhe uma porrada, bem no meio da testa. Lamento, mas precisava me defender, cansei de apanhar.

Entrei decidida a cortar profundamente os cabelos e extirpar com eles as raízes da submissão a uma estética excludente vinculada à desconstrução imagética que a apologia ao belo se converteu na sociedade de consumo contemporânea. Mas, confesso, antes de ser bandeira, foi a satisfação pessoal de cortar amarras. Sempre gostei do meu cabelo na contramão do mundo...

Essa é a face mais perversa de se imputar a nós, mulheres, o ônus do "embelezamento", pois, na verdade, nada mais faz do que sedimentar camadas e mais camadas de tintas tóxicas, de piche no rosto, petróleo na boca e aromas virtuais em nossos corpos moldados pelos padrões da anorexia... Um dia, talvez, quando nossa epiderme sair com o removedor ou o demaquiante, possamos saber de tudo isso, já que é experiência.


Dentro disso, insistimos na alienação e no não compromisso com o despertar, desculpando-nos, sempre, com os seguintes dizeres: "estou me arrumando para mim, não é para ninguém mais, nem para homem".

Mentira, mentira, mentira. Custa muito reconhecer isso? Penso que não, mas na insistência, a sodomia emocional se firma, cada vez mais forte, dentro do compromisso de se tornar res para o Outro.

Fazemos inconscientemente isso.

Competição que fomentamos entre nós, disputando, sem percebermos que essa disputa apenas nos enfraquece enquanto mobilização política, pois, enquanto docilizamos nossos corpos e tentamos, à fórceps, enviá-los na forma da bulimia, o patriacado - que, agora, aprimora técnicas subliminares - avança...


Não que pintar o cabelo não possa ser opção, mas a idolatria em relação a um processo de alienação da auto-imagem é tema complexo, já que, em doses homeopáticas, sacrifica nossa estima.


Quando estava loura mechada, olhos voltavam-se para mim e eu, tomando como base essa "segurança" (na verdade, a maior demonstração de insegurança, já que minha estima estava, de fato, nos outros, e não em mim), seguia "radiante" o destino de fatal deusa-devoradora e, dentro disso, fazendo escolhas que não poderiam ser diferentes, pois reverberavam a frequencia da minha alma sem esclarecimento.

Depois, quando parti para o outro lado - na celticidade do ruivo - os namorados não gostavam.

Unhas pintadas de vinho - quase preto – anéis volumosos nos dedos, saias rodadas, dos incensos, além, claro, conversas com os animais e as plantas.

O cabelo ruivo Lilith destoava do imaginário popular misógino passa pela candura do amaciamento da escova progressiva e da clareza dos cabelos louros angelicais da submissa Eva intercostal (não estou criticando a “lourice”, mas a motivação submissa que leva as pessoas a pintar o cabelo por outro motivo que não satisfação própria).


Tudo isso chama a atenção de quem não está nessa linha de freqüência: enquanto eu era Lilith, a egrégora de força assustava os namorados.


E, durante os relacionamentos - os três mais impactantes e misóginos relacionamentos de toda minha existência nesse plano terrestre – a tônica era a mesma: eu iniciava o relacionamento sendo a Deusa encarnada, mas, depois, cedia, transmutando-me para algo que, longe de ser eu, era um modelo construído pelo outro, um Gollum em busca do anel de poder.

Dentro disso, condicionava-me a fazer tudo que não queria: agredia meu cabelo, pintava de outra cor que não a que apreciava, comprava roupas de outros estilos, saí para lugares que não tinham conexão com meus interesses.

A bola da vez, claro, não poderia deixar de ser o básico num relacionamento misógino: o sentimento de abalo na auto-estima em relação ao lado profissional e financeiro, porque o sucesso (que, na verdade, para muitos, na frequencia do capitalismo excludente, pode ser fracasso, já que faço meu pão, iogurte, amaciante e, enfim, calejo minha mão para quebrar o sistema) incomoda o "macho-alfa" que dissimula compartilhar a alegria, mas, que, dentro de si, fomenta a inveja.

Normal. Dupla moral. Normal também. Dualidade, desafio para a mobilização feminista...

Tudo em nome do “grande amor encantado”, embalado pelas histórias da princesa adormecida, encantada pela bruxa má e acordada pelo príncipe com um beijo cinematográfico e... insosso.

Argh! Que triste realidade a constatação de passarmos às nossas crianças o anestesiamento da mulher, que somente passa a ter existência quando o príncipe formoso a acorda de seu profundo sono. E, dentro desse, o preço por beijar o sapo foi encher a boca de "sapinho"!

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