quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ciclo da violência doméstica: será, assim, tão distante de nós?

É muito interessante interagir, descobrir no trato diário com o semelhante retratos de nossas próprias dores e alegrias, em sincronicidades que desafiam a lei de aleatoriedade do Universo... Com essa premissa genial (cheia de modéstia), lancei-me e em um de meus passeios por aí, imersa no mundo etnográfico da minha libertação do juridiquês que aprisionou minha alma na crença pífia de que a norma resolve a vida.

Foi quando me deparei com maravilhosas cenas de mulheres que reproduziam em suas vidas, ciclos de violência doméstica, em graus quantitativamente distintos, mas qualitativamente semelhantes.

Tudo começa no detalhe do vestido, no decote percebido, passando por um procedimento de desqualificação - providencial até - dos atributos e das qualidades que, outrora, foram foco de admiração por parte dos parceiros. "Amor, num tá muito curto esse vestido?" - replicam alguns. Outros, à escusa da premissa de "só tem ciúme quem ama" e outros mitos, vão de "Nossa, cê tá bonita! Prá mim é que não é! Tá me traindo?"

Em outro nível, mais sutil e, para alguns, mais pernicioso, vem a deixa do companheiro capachão, aquele que se faz de sonso, "cavalheiro", de compreensivo, que sempre está a escutar a companheira, mas que, no fundo de sua psiquêm deseja destruir o ser amado, porque seu sucesso revela o fracasso do companheiro na relação.

Ih, são muitas histórias, mas todas elas começam com a sutileza do discurso de, em nome de um "ciúme" apimentador de relação, iniciar o "doce processo" da desqualificação, cercando-se a companheira de situações, dissimulações, jogos de palavras, caras e bocas, no intuito de confundir.

É importante saber que violência doméstica contra a mulher é, antes de qualquer materialização física, um "cerco" à alma da mulher, por meio de tal expediente psicológico, forjado para confundir a companheira e, logo a seguir, sair um sonoro "cê tá louca?"

Sim, louca, histérica, desequilibrada: eis a maneira como a mulher em legítima defesa emocional é vista. Isso porque, a docilidade de nossos corpos moldados à imagem de Adão nos condiciona, aprisiona e nos empurra para o jogo de submissão. Temos que ser dóceis, passivas, pois isso é "coisa de mulher". "Mulher de verdade não age 'como' homem, não grita, não fala palavrão, não chuta o pau da barraca".

"Mulher de verdade" não coça a buceta (ops, falei palavrão, xiiiiiiiiiiiiiiiii), não peida (ai, ai, que vocabulário), não caga, enfim, não é humana, é objeto, reficado no transcurso temporal que nos reduziu a pó...

"Mulher de verdade" não ganha mais que o namorado, companheiro etc., assim como também não questiona e não se contrapõe ao falsete do jogo que o androcentrismo fez e faz com as pobres almas mortais desses homens por aí...Pobres homens que se convencem que o órgão genital é a maior riqueza que o Universo ofertou a eles... O biláu, porém, não pode cair, pois, caindo, leva por terra a virilidade e, com ela, o Santo Graal dos maravilhosos homens misóginos e machistas, que ainda insistem nessa falcatrua de produzirem feridas no feminino.

"Desculpe, desculpe, desculpe, não foi minha intenção" - essa é a frase que mais escuto por todos os lugares em que me deparo com mulheres nessa situação. Pergunto-me, por vezes: a questão diz respeito à volição? Apenas volição? E quanto à cognição? Como estão esses homens em termos de conhecerem a si e reconhecerem em si o fantasma do machismo entranhado?

Como tantas desculpas em efeito cascata acarretam, por uma doce ironia, a incidência na mesma tipologia de agressão? Será difícil enxergar que violência se manifesta em palavra? Em jogo, em discurso justaposto? Quantas mulheres maravilhosas terão que perder sua sanidade para que a violência psicológica seja vislumbrada no espaço em que deve ser?

Não sei, mas, ao menos, fico muito feliz por saber bem como desejo cortar meu cabelo, como me sinto bem com as roupas que visto, e como sou feliz mandando gentilmente meus queridos homens maravilhosos todos à merda!

Vão à merda!

Uau, que libertário!

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