segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Um estrangeiro chamado Amor

Um dia, um estrangeiro chegou ao país, trazendo na bagagem uma novidade: um coração que pulsava. Naquela terra isso era algo de novo, porque, há tempos, artigos assim eram tidos como iguarias incomuns, pois o mundo era apenas um grande mar de desolação.

No peito dos habitantes, apenas um vazio a habitar a casa de um eco descompassado, dando a falsa sensação de residir algum sentimento nobre. Nada mais. O pior de tudo era que naquele país todos achavam que estavam amando e, de tanto "amar", destruíam-se uns aos outros, na ingenuidade de entender naquilo o mais nobre ato de desinteresse...

Quando chegou à alfândega, Amor - como era chamado o andarilho portador do pulsátil coração - foi barrado, porque ninguém entendia o que era aquele pequeno opúsculo que apenas fazia "bum-bum", "bum-bum", "bum-bum". Não tinham a menor idéia de onde surgira aquilo porque, de fato, no catálogo universal de contrabando, referência alguma havia sobre o que era, de fato, um coração pulsátil.

Pessoas se acotovelavam, querendo saber mais informações. A imprensa também chegou, dali a pouco, para a cobrir a informação que estaria a estampar o notíciário da noite: vende muito falar sobre coisas inusitadas! Amor, contudo, explicou aos agentes do que se tratava: coração, um órgão forte, o mais forte órgão do corpo humano, que resiste à dor, à indiferença, a todas as intempéries.

Os agentes pegaram o coração dentro de sua caixinha e, ao tocarem o corpo diminuto, foram invadidos por uma sensação de paz e plenitude, algo que nunca haviam sentido antes. Vendo o êxtase no semblante dos colegas, os demais funcionários logo foram formando uma fila para acariciar o coração e sentir suas badaladas, porque, naquele país, a esperança do sentimento fora, há tempos, convertida na petrificação da alma. Deixaram de amar e, não amando, sequer compreendiam o que seria o pulsar de um coração de verdade.

Por não amarem, não tinham mais coração e, na ausência dele, jazia no peito dos moradores locais apenas o vazio, alimentado pelo automatismo com que apenas sobreviviam, dia após dia, na tomada de fôlego para o devenir já tão constante e previsível.

Ninguém chorava, ninguém ria, porque, para isso, precisavam verdadeiramente de um coração.

Mas, ao tocarem o coração de Amor, com ele veio a certeza de preenchimento de tudo aquilo que, um dia, foi, em algum lugar, o espaço de plenitude procurada...

E de tanto pegarem no coração, Amor decidiu deixá-lo ali, sem saber que, com esse ato, deixaria para trás boa parte do que sentira pela humanidade...

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